Recuei como se estivesse queimada, afastando sua mão com um movimento violento do meu braço. "Não se atreva a bancar o marido preocupado agora, Heitor", cuspi, as palavras carregadas de puro veneno. "Você perdeu esse privilégio anos atrás. Ou esqueceu todas as vezes que me deixou tremendo, literal e figurativamente, enquanto você estava brincando de casinha com sua pequena protegida?"
Sua mandíbula se apertou. Uma veia pulsava visivelmente em sua têmpora. Ele agarrou meu pulso, seu aperto surpreendentemente forte, quase machucando. "O que deu em você?" ele sibilou, seus olhos se estreitando. Ele olhou ao redor furtivamente, como se verificando se alguém estava observando. "Você costumava ser tão calma, tão compreensiva."
"Calma?" Eu quase ri, um som amargo e quebrado. "Compreensiva? Essa era a antiga Alice, Heitor. Aquela que você destruiu sistematicamente."
Ele ignorou minhas palavras. Seu olhar desceu, fixando-se em algo logo abaixo do meu queixo. Antes que eu pudesse processar sua intenção, ele puxou a gola do meu vestido, esticando o tecido sobre meu peito. O decote modesto se esticou, expondo uma nesga de pele logo acima do meu abdômen.
Ele encarou, seus olhos se arregalando, um brilho estranho, quase maníaco, substituindo a raiva. Seus dedos, ainda apertando meu pulso, tremiam levemente.
Meu coração martelava contra minhas costelas. O que ele estava olhando?
Então, eu também vi. As linhas tênues e prateadas, como leitos de rios antigos, cruzando a pele exatamente onde o tecido se esticava. As estrias. O mapa indelével de uma vida que eu quase trouxe ao mundo, um filho que eu perdi.
Seus olhos voltaram para os meus, afiados e intensos. "Alice", ele sussurrou, sua voz crua, quase um murmúrio, "você... você teve um bebê? É por isso que não olhou para trás? É por isso que desapareceu?"
A garoa fria se intensificou, borrando as bordas da noite. O vento soprava ao nosso redor, levando suas palavras, fazendo-as soarem distantes, irreais. Minha visão turvou. Tudo o que eu conseguia ver eram os ecos fantasmagóricos de um passado tão doloroso que raramente me permitia revisitar.
Flashback
Os papéis do divórcio estavam assinados, meus poucos pertences embalados em uma única mala. Eu estava à deriva. Sem emprego, sem economias, sem casa. Apenas uma esperança frágil e tremulante dentro de mim: um bebê. O bebê dele. Aquele pelo qual eu lutei, aquele que decidi manter, que se danassem as consequências.
Mas para onde eu iria? Meus pais moravam do outro lado do país, e eu não suportaria enfrentar a decepção deles, suas perguntas. Não com este segredo. Não com esta vergonha.
Aluguei um quarto barato e sujo em uma parte decadente da cidade, fazendo bicos. Limpando casas, servindo mesas, qualquer coisa para ganhar alguns reais. Meu diploma de marketing, meus anos de experiência, não significavam nada sem um registro público, sem referências. Eu era um fantasma, de verdade.
O enjoo matinal era implacável. Meu corpo doía, meu espírito estava esmagado. Lembrei-me do aviso da médica: outra interrupção poderia me deixar estéril. Mas que escolha eu tinha agora? Como eu poderia criar uma criança sozinha, sem nada? O desespero me corroía. Tentei tudo o que ouvi em sussurros de outras mulheres desesperadas – banhos quentes, chás de ervas estranhas, exercícios violentos. Desejei um aborto espontâneo, um fim silencioso e misericordioso para uma vida que nem sequer havia começado.
Mas o bebê resistiu. Teimoso. Resiliente. Uma pequena centelha de vida, recusando-se a ser extinta. E lentamente, imperceptivelmente, essa teimosia começou a derreter o gelo ao redor do meu coração. Eu sentia um tremor, um chute suave, e um amor feroz e protetor surgia em mim.
"Você quer viver, não é?" eu sussurrava para minha barriga, lágrimas escorrendo pelo meu rosto na escuridão solitária do meu quarto. "Então vamos lutar. Vamos lutar juntos."
Comecei a economizar cada centavo, comprando macacõezinhos e cobertores macios em brechós. Imaginei segurar esta criança, sentir seu calor contra minha pele. Seria minha redenção. Minha razão. Meu tudo.
Mas o destino, ao que parece, tinha outros planos.
Uma noite fria e úmida, uma dor aguda e agonizante rasgou meu abdômen. Sangue. Tanto sangue. Caí no chão, chamando, mas não havia ninguém para ouvir. Consegui me arrastar até o telefone, ligando para a emergência, minha voz um sussurro rouco.
No hospital, os médicos se moviam com tons urgentes e abafados. "Complicações graves", ouvi um dizer. "Trabalho de parto prematuro. Ela precisa ser internada imediatamente. Podemos conseguir salvar o bebê, mas vai ser por um fio."
"Eu... eu não tenho plano de saúde", engasguei, minha voz mal audível. "Não posso pagar por isso."
Seus rostos se entristeceram. A assistente social, uma mulher gentil, mas cansada, explicou minhas opções. Sem pagamento, sem plano de saúde, o melhor que podiam oferecer era o atendimento básico. O tratamento especializado, a internação de longo prazo, estava além do meu alcance.
Em um acesso de esperança desesperada e agonizante, liguei para o único número que eu conhecia que poderia oferecer uma salvação. O número de Heitor. Chamou e chamou, uma eternidade de esperança não atendida. Finalmente, depois do que pareceram horas, uma voz sonolenta atendeu.
"Alô?" A voz de Heitor, arrastada e pesada de sono.
"Heitor", sussurrei, minha voz rachada, "é a Alice. Eu... estou no hospital. O bebê... nosso bebê está em perigo. Preciso de ajuda."
Houve uma longa pausa. Um som de farfalhar. Então, um gemido baixo e feminino ao fundo. Jéssica. Seu sussurro ofegante: "Quem é, querido?"
Meu sangue gelou.
"Alice", disse Heitor, sua voz agora afiada, irritada. "O que você quer? Estou ocupado. E não me ligue sobre isso. Já resolvemos isso. Não existe bebê."
Ele desligou. O tom de discagem zumbiu, frio e final, em meu ouvido. Olhei para o telefone, minha mão tremendo tão violentamente que quase o deixei cair. Os últimos vestígios de esperança, a última migalha da minha crença nele, morreram ali mesmo.
Perdi o bebê algumas horas depois. Sozinha. Sem plano de saúde. Sem cuidados. Apenas uma mulher quebrada em uma cama de hospital fria, de luto por uma vida que nunca começou de verdade.
As estrias, aquelas linhas prateadas, eram a única prova física de que meu corpo uma vez abrigou uma vida, que eu quase fui mãe. Uma lembrança cruel e permanente de amor, perda e da traição final.
Fim do Flashback
A realidade fria do rosto de Heitor me trouxe de volta. Ele ainda segurava meu pulso, seu aperto mais forte agora, seus olhos ardendo com uma estranha mistura de acusação e ganância.
"Então, você teve", ele disse, sua voz rouca, um brilho triunfante em seus olhos ofuscando o choque inicial. "Você teve um bebê. Meu bebê. Por que não me contou? Por que escondeu meu filho de mim, Alice?"
Puxei meu pulso com força, meu peito arfando com uma mistura sufocante de raiva e dor. "Seu filho?" zombei, uma risada amarga escapando dos meus lábios. "Não existe 'seu' filho, Heitor. Não comigo. Você se certificou disso, não foi? Cinco vezes. Você se lembra? Ou o dinheiro te fez esquecer?"
Ele balançou a cabeça, uma negação frenética. "Não, não. Isso é diferente. Essas marcas... não estavam aí antes. Isso é recente. Este é o meu bebê. Você escondeu meu filho de mim." Seu olhar, cheio de uma possessividade aterrorizante, deslizou de volta para o meu abdômen. "Onde ele está? Ou ela? É um menino ou uma menina? Quantos anos?"
"Não existe bebê, Heitor", eu disse, minha voz neutra, morta. Meus olhos ardiam, mas me recusei a deixar as lágrimas caírem. Não na frente dele. "Apenas um vazio onde uma vida deveria ter existido. Graças a você." Virei-me para ir embora, precisando escapar do peso sufocante de sua ilusão.
"Alice!" ele berrou, agarrando meu braço novamente, seu aperto ferozmente possessivo. "Não se atreva! Você não pode simplesmente abandonar meu filho!"
"Heitor! Meu querido!" A voz de Jéssica, mais afiada e insistente agora, cortou a noite. Ela correu para o terraço, seu lenço de seda apertado em volta da cabeça, tremendo levemente. Ela olhou para a mão de Heitor em meu braço, depois para seus olhos selvagens, um brilho de suspeita cruzando seu rosto. "O que está acontecendo aqui? Vocês dois ainda estão discutindo? Alice, sério, está tarde. Deixe-me te levar para casa. Você parece péssima."
Olhei para ela, depois de volta para Heitor, seu rosto uma máscara de raiva possessiva. A ideia de mais um segundo sozinha com ele era insuportável. A oferta de Jéssica, apesar de sua presença, parecia uma tábua de salvação. Uma fuga temporária.
"Tudo bem", eu disse, minha voz mal audível, meu corpo rígido com uma exaustão súbita e avassaladora. "Vamos."