Justiça Feita Pelo Meu Verdadeiro Amor
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Capítulo 3

O ar frio da noite me atingiu como um tapa quando saí correndo pelas portas do salão e fui para o terraço deserto. Estava garoando, uma névoa fina e gelada que se agarrava à minha pele e me gelava até os ossos imediatamente. Tremi violentamente, mas a sensação física foi quase um alívio, um contraste agudo com o inferno ardente que grassava dentro de mim. Minha náusea, felizmente, recuou um pouco, substituída pela dor profunda e oca no meu estômago.

Um bebê. Heitor e Jéssica iam ter um bebê.

Ele sempre disse que odiava crianças. Ele dizia que eram uma distração, um impedimento para o sucesso, um dreno de recursos. Ele pintou um quadro vívido de um futuro sem filhos, apenas ele e eu, um casal poderoso, desvinculado de responsabilidades mundanas. Eu acreditei, com anzol, linha e chumbada.

A primeira vez que engravidei, foi um acidente. Ainda estávamos no pequeno apartamento da garagem, sonhando alto. Eu estava apavorada, mas também secretamente emocionada. Uma pequena parte de mim esperava que isso fosse o que nos solidificaria, nos tornaria uma família de verdade.

"Alice", ele disse, sua voz dura, desprovida de emoção, "você sabe que não podemos. Não agora. Este é um momento crucial para a InovaTech. Você quer colocar em risco tudo pelo que trabalhamos?" Ele não perguntou. Ele ordenou. Ele nunca perguntava.

Eu estava entorpecida, perplexa. Ele me levou a uma clínica no interior. Esperou no carro, lendo relatórios de mercado em seu telefone. Quando saí, pálida e trêmula, ele mal levantou o olhar. "Aqui", disse ele, entregando-me um envelope grosso cheio de dinheiro. "Compre algo legal para você. Você merece." Ele nunca mais mencionou o assunto. Foi apenas uma transação. Um problema resolvido.

Aconteceu de novo. E de novo. E de novo. Cinco vezes.

Cada vez, a conversa era a mesma. Sua carreira. Sua visão. Seu "não estou pronto". Cada vez, a mesma clínica, os mesmos estribos de metal frio, o mesmo ar estéril. Cada vez, o mesmo envelope grosso, um pagamento silencioso e sangrento pela minha maternidade despedaçada.

Ele nunca usava proteção. Sempre dizia que "esqueceu" ou "não gostava da sensação". Eu era sempre a única que tinha que lidar com as consequências, engolir as pílulas amargas, passar pelos procedimentos invasivos. Eu me convenci de que era porque ele estava tão consumido por sua genialidade, tão focado em nosso futuro. Acreditei que ele me amava o suficiente para fazer esses sacrifícios por nós.

Após a quarta vez, a médica me deu um aviso sombrio. "Sra. Barros", ela disse, sua voz gentil, mas firme, "seu corpo não aguenta muito mais. Outra interrupção, e você pode nunca mais conseguir levar uma criança a termo."

As palavras ecoaram em minha mente, uma profecia arrepiante. Mas ainda assim, eu fiquei. Ainda assim, eu amei. Ou o que eu pensava ser amor.

Então, a quinta vez. O bebê já tinha algumas semanas quando descobri. Era nosso sétimo aniversário de casamento, embora apenas eu me lembrasse. Eu havia preparado sua refeição favorita, acendido velas, comprado um pequeno bolo. Eu ia contar a ele sobre o bebê. Eu ia lutar por este. Eu ia fazê-lo ver.

Ele nunca voltou para casa.

Liguei para seu escritório, depois para sua assistente pessoal. Nenhuma resposta. Meu coração, já uma coisa machucada, começou a latejar com uma premonição surda. Dirigi até a InovaTech, meu estômago se contraindo a cada quilômetro. As luzes estavam acesas em sua suíte executiva. Abri a porta, minha mão tremendo.

A cena que me saudou foi gravada em minha memória, uma cicatriz permanente em minha alma. Heitor, sem camisa, de costas para mim, em um abraço com Jéssica. Seus cabelos loiros cor de mel se espalhavam por seu peito, suas risadinhas suaves preenchendo a sala. Minha recém-contratada protegida, a mulher que eu havia preparado, a mulher em quem eu havia confiado.

Minha respiração falhou. O prato de bolo de aniversário que eu segurava escorregou de meus dedos dormentes, caindo no chão, espalhando migalhas e cobertura como sonhos despedaçados.

Eles congelaram. Heitor se virou, seus olhos arregalados com uma mistura de choque e irritação. Jéssica, assustada, saiu de cima dele, ajeitando o vestido. Ela olhou para mim, um brilho de algo que poderia ter sido vergonha, rapidamente substituído por desafio.

"Alice! O que você está fazendo aqui?" Heitor latiu, sua voz carregada de pura fúria, como se eu fosse a intrusa. Ele rapidamente pegou uma camisa, vestindo-a, ainda de costas para mim. "Saia!"

Jéssica se encolheu atrás dele, me espiando com olhos arregalados e assustados, como se ela fosse a vítima.

Eu não conseguia falar. Minha boca estava seca, minha língua grossa. Tudo o que eu podia fazer era encarar os destroços da minha vida, espalhados pelo chão polido de seu escritório. Lembro-me de me virar, lenta, mecanicamente, e fechar a porta silenciosamente atrás de mim, como se tentasse preservar alguma aparência de dignidade para os dois.

Dirigi para casa, entorpecida. Quando ele finalmente apareceu horas depois, cheirando a perfume caro e mentiras baratas, eu estava esperando. A casa estava um caos. Eu havia destruído sistematicamente tudo o que guardava uma memória dele – fotos rasgadas, presentes quebrados, suas roupas cortadas em tiras.

"Há quanto tempo?" perguntei, minha voz neutra, morta.

Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo, examinando os danos com um ar de resignação cansada. "Alice, não seja dramática. Não foi nada. Um momento de fraqueza."

"Há quanto tempo, Heitor?" repeti, minha voz se elevando.

Ele finalmente olhou para mim, seus olhos frios e distantes. "Alguns meses. O que importa? Você está sendo histérica. Olhe para este lugar! Você está louca!"

"Histérica?" Eu ri, um som cru e quebrado. "Você chama isso de histérica? É isso que você oferece por sete anos da minha vida? Alguns meses de 'fraqueza' com minha protegida? Com a mulher que eu contratei?"

Ele ergueu as mãos. "O que você quer, Alice? Dinheiro? Eu te dou qualquer coisa. Só não faça uma cena. Não arruíne minha reputação."

"Minha reputação?" gritei, a palavra rasgando minha garganta. "E a minha reputação? E a minha dignidade? E tudo o que eu desisti por você?" Peguei meu telefone, meus dedos atrapalhados com a tela. Rolei até o contato de Jéssica. "Vou ligar para ela. Vou contar tudo a ela. Vou contar sobre os abortos, sobre nosso casamento, sobre o verdadeiro custo de ser seu segredo."

Ele avançou. Sua mão apertou a minha, seu aperto como ferro. "Não!" ele rugiu, seu rosto contorcido de raiva. "Você não vai! Ela não sabe nada sobre isso. Ela é inocente nisso, Alice. Não se atreva a arrastá-la para sua miséria patética!"

Minha cabeça girou. Ela não sabe nada. As palavras ecoaram em minha mente. Era verdade? Ela era apenas um peão, como eu fui? Ou era uma cúmplice voluntária, uma oportunista mais afiada do que eu jamais fui? Não, não importava. Não mais.

"Você é nojento", sussurrei, lágrimas finalmente escorrendo pelo meu rosto. "Você é um monstro."

"Ótimo!" ele gritou, soltando minha mão, seu peito arfando. "Se é assim que você se sente, então ótimo! Acabou, Alice! Eu quero o divórcio!"

Suas palavras, antes uma ameaça aterrorizante, agora soavam como um estranho tipo de liberdade. Por anos, ele manteve a ameaça de divórcio sobre minha cabeça, uma espada pendurada por um fio. Mas desta vez, algo havia se quebrado dentro de mim. A dor era grande demais, a traição profunda demais. Não havia mais nada a perder.

Olhei para ele, realmente olhei para ele, e não vi o gênio charmoso que eu amava, mas um estranho oco e egoísta. "Ótimo", ecoei, minha voz surpreendentemente firme. "Vamos fazer isso."

Ele ficou chocado. Ele esperava que eu implorasse, suplicasse, me agarrasse a ele como sempre fiz. Mas eu não fiz. Apenas fiquei ali, observando-o, meu coração um deserto árido.

O divórcio foi brutal. Ele me despojou, financeira e emocionalmente. Ofereceu uma ninharia, uma fração do que eu tinha direito. "Você nunca contribuiu com nada legalmente, Alice", o advogado dele zombou. "Você era apenas uma esposa." Uma esposa secreta. Assinei os papéis sem uma palavra, minha mão surpreendentemente firme. Eu queria sair. Eu o queria fora da minha vida.

"Você vai se arrepender disso, Alice", ele prometeu, sua voz pingando veneno enquanto eu me afastava do tribunal, uma mulher livre apenas no nome. "Você vai voltar rastejando. Você vai perceber o que perdeu."

Mas eu nunca voltei. Eu raramente pensava nele. Até esta noite. Até este encontro, ao qual só compareci porque Sara praticamente me arrastou, insistindo que eu precisava de uma noite fora.

Fim do Flashback

O frio do ar noturno me trouxe de volta ao presente. Apoiei-me no parapeito de pedra fria do terraço, tentando acalmar o tremor em minhas mãos. A náusea estava voltando, mais forte agora, uma sensação familiar e indesejada.

Nesse momento, a porta do terraço se abriu novamente. Era Jéssica. Seu rosto estava pálido, seus olhos vermelhos, seus ombros caídos. Ela parecia menos uma noiva triunfante e mais uma criança assustada.

"Alice", ela sussurrou, sua voz rouca. "Eu... eu preciso falar com você."

            
            

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