Ele quebrou o pássaro de madeira que esculpiu para o nosso aniversário, me forçou a assinar os papéis do divórcio e prometeu se casar comigo novamente depois que eu morresse por sua fantasia.
Finalmente, ele me amarrou a um altar e ateou fogo.
Enquanto eu queimava, minha filha de quatro anos gritava a verdade: que Francesca estava fingindo sua doença. Mas Caio a empurrou, escolhendo sua mentira em vez de nossas vidas. Ele me viu morrer.
Mas quando abri os olhos novamente, eu estava de volta ao dia em que ele me contou pela primeira vez que Francesca estava doente. Desta vez, a única vida que vou salvar é a minha.
Capítulo 1
Meu corpo era um campo de batalha, e cada dia era uma nova luta que eu estava perdendo. Há meses, era sempre a mesma coisa. Toda manhã, o ar frio e estéril da câmara de cura da mansão arrepiava minha pele, um contraste brutal com o calor que eu irradiava antes. Caio insistia nessas "transferências de energia", drenando minha essência para alimentar sua fantasia desesperada. Eu me sentia como uma esponja seca, espremida sem piedade, minha aura antes vibrante agora era apenas uma faísca fraca. Minha cabeça latejava constantemente, uma dor surda que nunca desaparecia de verdade.
Hoje, porém, estava pior. Minha visão embaçou quando tentei focar nos padrões complexos do arranjo de cristais à minha frente. Uma dor aguda rasgou meu peito, me fazendo engasgar. Minhas pernas fraquejaram e eu tropecei, me segurando na beirada do altar. O quarto girou. O gosto metálico familiar de sangue encheu minha boca. Eu sabia o que isso significava. Meu corpo estava gritando, um apelo silencioso e desesperado por descanso.
Caio, sentado em uma poltrona de veludo do outro lado da sala, ergueu os olhos do tablet. Sua testa se franziu, um lampejo de algo que quase parecia preocupação cruzou seu rosto.
"Helena?" Sua voz, geralmente um comando, tinha uma fração de suavidade. "Você está bem? Você parece pálida."
Ele se levantou, sua figura alta se agigantando sobre mim. Ele estendeu a mão, um gesto que eu não sentia há semanas. Por um segundo fugaz, uma esperança tola e desesperada floresceu em meu peito. Talvez, apenas talvez, ele me veria, me veria de verdade, e cancelaria tudo. Talvez ele se lembraria da mulher com quem se casou, não apenas da curandeira que ele possuía.
Ele me puxou para cima, seu aperto firme. Seus olhos, no entanto, não estavam nos meus. Estavam fixos nos cristais brilhantes, depois correram para o cronômetro na parede. O ritual não havia terminado.
"A Francesca precisa disso, Helena", ele disse, sua voz endurecendo, a breve ilusão de cuidado se dissolvendo como névoa. "A condição dela... está se deteriorando rapidamente. Os médicos não sabem o que fazer. Mas eu encontrei um jeito. A Grande Cerimônia de Cura."
Minha respiração falhou. As palavras me atingiram como um soco no estômago, mais frias e afiadas do que qualquer lâmina. Grande Cerimônia de Cura. Eu conhecia esse termo. Era um ritual antigo e proibido, sussurrado em tons baixos no Pico da Serenidade. Um ritual que extraía a própria força vital do curandeiro, uma transferência completa e irreversível. Era uma sentença de morte.
"Não", eu sussurrei, a palavra quase inaudível. Meu coração batia forte, um tambor frenético contra minhas costelas. Minha garganta parecia em carne viva. "Caio, você não pode... você sabe o que isso significa. Vai me matar."
Seu olhar finalmente encontrou o meu, mas não havia amor ali, nenhum reconhecimento da mulher que ele um dia jurou amar. Apenas uma determinação fria, uma vontade inabalável.
"Isso significa que a Francesca vai viver", ele afirmou, sua voz plana, sem emoção. "E você, Helena, é a única que pode fazer isso acontecer."
A verdade, nua e brutal, me esmagou. Ele não se importava se eu morresse. Ele nunca me amou, não a verdadeira eu. Ele amava meu dom, uma ferramenta a ser usada, um recurso para salvar seu "verdadeiro amor". Todo esse tempo, toda essa dor, todos os meus sacrifícios... foram por nada. Meu coração, já machucado e maltratado, se partiu em um milhão de pedaços.
"Não", repeti, minha voz mais forte agora, alimentada por uma súbita e feroz onda de desafio. "Eu não vou fazer isso. Eu não posso. Não assim."
Seu maxilar se contraiu. O lampejo de falsa preocupação desapareceu completamente, substituído por uma tempestade de fúria gélida. Ele nem se deu ao trabalho de esconder mais.
"Você vai", ele rosnou, sua voz um grunhido baixo. Ele agarrou meu braço, seus dedos cravando na minha carne. "Você me deve, Helena. Você deve à Francesca. Você prometeu usar seus dons para o bem maior. Este é o bem maior."
Ele me arrastou em direção a uma pesada mesa de carvalho no canto da sala, ignorando meus protestos, meus gemidos de dor. Meu ombro bateu contra a madeira polida, uma dor surda florescendo instantaneamente. Uma pilha de papéis brancos e nítidos estava esperando. Papéis do divórcio. A ironia era um gosto amargo. Ele queria se casar comigo de novo depois de me matar. Uma piada cruel.
"Assine isso", ele ordenou, enfiando uma caneta na minha mão trêmula. "Vamos finalizar o divórcio. Então, depois que a Francesca estiver totalmente curada, depois da cerimônia, nós nos casaremos de novo. Um novo começo. Como nos velhos tempos, Helena. Você, eu e nossa família."
As palavras eram um bálsamo venenoso, uma promessa tão vazia que zombava de mim. Ele invocou nossa família, nossa filha, Clara, como se já não a tivesse destruído. Ele falou de "velhos tempos", momentos que eu guardava com carinho, agora manchados por sua traição.
"Você sempre foi conhecida por sua compaixão, Helena", ele continuou, sua voz pingando falsa sinceridade. "O 'Farol do Pico da Serenidade', eles te chamavam. Uma verdadeira curandeira. Não me diga que você perdeu o jeito. Não me diga que você se tornou egoísta."
Egoísta? A palavra ecoou em minha mente, uma piada cruel. Eu tinha dado tudo a ele. Minha vida, meu chamado, meu próprio ser. E agora, ele queria os últimos vestígios da minha força vital. Ele não me queria. Ele queria a "milagreira", a ferramenta que poderia dar vida à sua fantasia.
Minha mente girava. Ele amava Francesca, seu grande amor, a mulher que ele idolatrava, não a mulher parada diante dele. Ele nunca me amou. Ele amava a ideia de mim, a curandeira poderosa que podia consertar qualquer coisa, qualquer um, até mesmo uma doença terminal que Francesca talvez nem tivesse. A percepção era uma ferida aberta, sangrando toda a esperança a que eu me agarrava desesperadamente.
Pensei no Pico da Serenidade, na paz que encontrei lá, na cura genuína que ofereci. Eu deixei tudo para trás por ele, por nosso futuro imaginado. Por amor. Que tola eu fui.
Meu olhar se desviou para os papéis do divórcio. Um novo começo, ele disse? Não haveria novo começo para mim. Não depois de sua "Grande Cerimônia de Cura". Mas se eu recusasse, o que aconteceria com a Clara? Minha garotinha, minha única luz. Minha determinação se fortaleceu. Eu concordaria, por ela. Eu garantiria que ela estivesse segura, não importava o custo.
"Tudo bem", eu disse, minha voz surpreendentemente firme. Peguei a caneta, minha mão não tremia mais. "Eu farei. Mas tenho uma condição."
Caio pareceu surpreso, um lampejo de irritação em seus olhos. Ele esperava subserviência, não negociação.
"O que é?" ele perguntou, seu tom impaciente.
"Clara", eu disse, minha voz firme. "Você vai garantir a segurança dela, o futuro dela. E você vai dizer a ela, quando ela tiver idade para entender, que a mãe dela a amava mais do que tudo neste mundo."
Um músculo se contraiu em sua mandíbula. Ele provavelmente descartou isso como um último desejo, um último suspiro de sentimentalismo. Ele assentiu secamente, já olhando para além de mim, para além da minha morte iminente, em direção ao seu futuro com Francesca.
Ele nunca saberia o verdadeiro significado das minhas palavras, a promessa silenciosa que fiz a mim mesma. Ele nunca saberia que eu não estaria esperando por nenhum "novo começo". Não nesta vida. Mas minha filha, minha corajosa e perspicaz Clara, ela carregaria minha memória, meu espírito. E ela testemunharia a queda dele.
Eu sabia que este seria o fim. Mas não seria um fim sem sentido. Meu sacrifício significaria algo. Para a Clara. Assinei os papéis, a tinta borrando levemente no papel barato. Um contrato com a morte, selado com uma caneta. Eu não viveria para me casar com ele novamente. Não nesta vida.