Mais tarde naquele dia, a mansão fervilhava com uma energia desconhecida. Vozes que eu não reconhecia ecoavam pelos corredores. Francesca estava aqui. E não apenas Francesca. Sua comitiva inteira, ao que parecia. Sua irmã mais nova, Carla, uma menina de não mais de dez anos, entrou saltitando na sala de estar onde eu estava sentada, tentando reunir a pouca força que me restava.
Carla, com um ar de inocência ensaiada, sentou-se na beirada do sofá ornamentado. Seus olhos, brilhantes e calculistas, me avaliaram.
"A Francesca me falou de você", disse Carla, balançando as pernas. "Ela disse que você era o 'amuleto de azar' dela. Que você sempre tentava impedi-la de melhorar."
Meu sangue gelou. As mentiras de Francesca, distorcendo a narrativa, envenenando até a mente de uma criança. Eu só tinha tentado ajudar.
"A Francesca ficou muito doente por muito tempo, não foi?" Carla continuou, um suspiro teatral escapando de seus lábios. "Ela disse que você estava com ciúmes. Que você não queria que ela melhorasse porque aí o Caio não precisaria mais de você."
As palavras eram um eco direto dos sussurros manipuladores de Francesca, agora proferidas por uma boca inocente. Era horrível. Caio, envolvido em sua obsessão, havia engolido cada palavra.
E então, o próprio Caio apareceu, entrando na sala, seu rosto marcado por uma mistura familiar de frustração e raiva. Ele olhou para mim, seu olhar acusador.
"A Francesca me contou sobre o seu passado. Suas 'disputas de poder' no Pico da Serenidade", ele disse, sua voz carregada de desdém. "Que você sempre colocou seu próprio ego acima do bem-estar de seus pacientes. É por isso que você tem sido tão resistente em ajudá-la?"
Meu coração se apertou. Ele realmente acreditava nisso. Cada detalhe fabricado, cada mentira insidiosa, ele havia aceitado como verdade. Ele me culpava pela suposta doença de Francesca, me culpava pelo meu próprio sofrimento.
Eu permaneci em silêncio. O que havia para dizer? Como eu poderia argumentar contra uma ilusão tão profundamente enraizada, tão meticulosamente construída? Meu silêncio era minha última defesa, um escudo frágil contra suas acusações irracionais.
Ele havia se tornado um estranho, distorcido pelo veneno de Francesca. O homem que eu amava, o homem com quem me casei, se foi. Substituído por esta casca cega e obcecada. Era quase risível em sua tragédia.
"A Francesca precisa de um novo talismã", anunciou Caio, quebrando o silêncio. "Um carregado com pura essência vital. Algo potente o suficiente para romper qualquer bloqueio residual que você tenha criado." Seus olhos se estreitaram, um brilho frio neles. "Você vai fazê-lo."
Meu estômago revirou. Eu sabia o que isso significava. Um talismã de "pura essência vital" exigia um ritual específico e brutal. Significava mais do que apenas transferência de energia. Significava sangue. Significava osso.
"Precisamos de uma extração de medula óssea", afirmou Caio, sua voz desprovida de emoção. "Uma pequena amostra. É o conduto mais direto para a força vital."
Meu sangue gelou. Medula óssea. A dor seria excruciante. Um procedimento médico, realizado nesta casa, por um dos "médicos de reputação duvidosa" de Caio.
"E sem anestesia", acrescentou Caio, seu olhar fixo em mim, me desafiando a protestar. "A Francesca disse que a essência pura requer sacrifício puro. Sem interferência química."
Minha respiração ficou presa na garganta. Isso não era apenas exploração; era tortura.
De repente, uma pequena figura invadiu a sala. Era a Clara. Minha filha. Seus olhos, arregalados e aterrorizados, saltaram de Caio para mim. Ela estava escondida, ouvindo.
"Papai, não!" Clara chorou, correndo em minha direção, suas pequenas mãos agarrando minha saia. "Não machuque a mamãe! A mamãe é boa! A Francesca é má!"
Caio franziu a testa, a irritação brilhando em seu rosto. Ele se abaixou, sua voz enganosamente gentil.
"Clara, querida, a mamãe não está sendo machucada. A mamãe está ajudando a Francesca. A Francesca está muito, muito doente, lembra?"
"Não!" Clara bateu o pé. "A Francesca não está doente! Ela estava rindo ontem! A mamãe está triste! Papai, por que você não ama mais a mamãe?"
A franqueza de sua pergunta, a dor crua em sua voz, me atingiu mais forte do que qualquer golpe físico.
A expressão de Caio escureceu. Ele se levantou, pairando sobre Clara. "Clara, já chega. Você não entende. Sua mãe está agindo como uma tola. Ela está dificultando as coisas."
Ele se virou para mim, sua voz um rosnado baixo e perigoso. "Veja o que você está fazendo, Helena? Você está confundindo nossa filha. A Francesca precisa disso. É um preço pequeno a pagar por uma vida."
Eu já podia sentir a dor lancinante da agulha de medula óssea, mas as palavras de Clara, seu apelo desesperado, ressoaram mais fundo. Eu não lhe daria a satisfação de me ver quebrar.
Clara, com lágrimas escorrendo pelo rosto, de repente se lançou para frente, batendo na perna de Caio com seus pequenos punhos. "Você é mau! Você não é mais meu papai!"
Caio recuou, surpreso com sua explosão. Seu rosto se contorceu de raiva. "Helena, controle sua filha! Você envenenou a mente dela com seu melodrama. Ela está se tornando igual a você – egoísta e manipuladora."
Suas palavras venenosas me atingiram em cheio. Ele me culpava por tudo, até mesmo pela angústia de sua própria filha. Meu olhar se desviou para Clara, seu pequeno corpo tremendo de soluços. Ela estava tentando me proteger. Minha pequena guerreira. Naquele momento, eu sabia que tinha que suportar. Por ela.