A pesada porta de carvalho rangeu ao se abrir. Era Maria, uma das empregadas da casa, uma mulher gentil que muitas vezes me dava comida extra quando Caio não estava olhando. Seus olhos se arregalaram, sua mão voou para a boca quando viu meu vestido encharcado de sangue. Seu rosto se contraiu de pena e medo.
"Oh, Sra. Helena", ela sussurrou, sua voz trêmula. "Seu vestido... está quase vermelho."
Antes que Maria pudesse dizer outra palavra, uma figura pequena e frenética passou por ela. Era a Clara. Minha garotinha, com o rosto riscado de lágrimas, correu para mim, enterrando o rosto no meu quadril.
"Mamãe, mamãe!" ela soluçou, me abraçando com força. "Por favor, vamos embora! Vamos fugir! Eu não quero mais ficar aqui! Eu não quero o Caio! Ele é sempre mau! Eu quero você, mamãe!"
Meu coração se partiu. Minha pequena guerreira, seu espírito não quebrado por esta escuridão. Ela ainda lutava. Mas eu estava tão cansada. Tão completa e totalmente esgotada.
Eu a segurei perto, acariciando seus cabelos. "Minha doce menina", sussurrei, minha voz rouca de emoção. "É tarde demais para eu fugir. Estou fraca demais."
"Não! Não é tarde demais!" Clara insistiu, se afastando, seus olhos brilhando com uma esperança desesperada. "Podemos voltar para o Pico da Serenidade! O Júlio vai nos proteger! Ele vai te fazer melhorar!"
Um leve sorriso tocou meus lábios. Júlio. Meu mentor, minha rocha. Ele faria. Mas eu não conseguiria chegar lá.
"Clara", eu disse, minha voz firme apesar do tremor em minhas mãos. "Ouça a mamãe. Você tem que ser forte. Você tem que viver. Por nós duas."
Eu tinha que contatar o Júlio. Ele era o único em quem eu podia confiar para protegê-la, para lhe dar um futuro. Eu tinha que avisá-lo, de alguma forma, sobre o que estava acontecendo.
"E Clara", continuei, olhando fundo em seus olhos, tentando imprimir minhas palavras em sua jovem mente. "Quando você for mais velha, quero que você o observe. Observe o Caio. Observe o que acontece com ele. Ele terá o que merece. E quero que você se lembre que sua mãe não era fraca. Ela lutou."
Clara assentiu, seu rostinho sério. Eu sabia que ela se lembraria. Ela era perspicaz, inteligente. Ela seria meus olhos, minha testemunha. Ela carregaria meu legado.
Caio queria minha força vital? Ele a teria. Mas ele também enfrentaria as consequências. E Clara, minha linda e brilhante Clara, estaria segura. Eu garantiria que ela recebesse o que era seu por direito, mesmo que isso significasse meu último suspiro. Minha morte seria uma arma, não apenas um sacrifício.
Os guardas vieram me buscar então, seus rostos sombrios. Maria desviou o olhar, lágrimas escorrendo silenciosamente por suas bochechas. Clara se agarrou a mim, mas eles a afastaram gentilmente, prometendo que a mamãe só ia ajudar a Francesca a melhorar. Ela não acreditou neles. Eu vi o desafio em seus olhos.
Eles me levaram, não de volta à câmara de cura, mas ao amplo salão de festas da mansão, agora transformado. Um altar maciço e circular, grosseiramente construído com madeira bruta e coberto com panos escuros, dominava o centro da sala. Parecia menos um espaço de cura e mais uma pira. E debaixo dele, empilhada, havia pilhas de lenha seca e quebradiça.
Minha respiração falhou. Isso não era apenas simbólico. Isso era terrivelmente literal.
Caio estava ao pé do altar, com o braço em volta de Francesca. Ela parecia radiante, brilhante, longe de ser uma mulher moribunda. Sua mão estava entrelaçada com a dele, seus dedos travados. Eles riam, um som brilhante e alegre que rangia contra a atmosfera opressiva da sala.
"Oh, Caio, você tem certeza que isso vai funcionar?" Francesca perguntou, sua voz leve, brincalhona. "Eu não quero morrer."
"Você não vai, meu amor", Caio murmurou, puxando-a para mais perto, beijando seus cabelos. "Você será completamente curada. Você viverá uma vida longa e linda comigo. Eu prometo. Chega de dor, chega de sofrimento. Você nunca mais terá que se preocupar com nada."
Francesca sorriu, um sorriso largo e satisfeito. "E você, meu querido. Você vai garantir que ninguém nunca mais me machuque, não é? Ninguém nunca vai ficar entre nós."
"Nunca", Caio jurou, seus olhos ardendo com uma intensidade feroz e possessiva. "Você é minha. E eu queimarei o mundo antes de deixar alguém te tirar de mim."
Ele gesticulou para seus homens. "Coloquem-na no altar."
Mãos rudes me agarraram, levantando meu corpo enfraquecido. Fui deitada na madeira fria e dura, minha cabeça apoiada em um bloco de pedra. Meus olhos varreram os rostos na sala. Caio, Francesca, Carla, os médicos, os guardas. Todos eles cúmplices. Todos eles observando.
Enquanto eles amarravam meus pulsos e tornozelos com grossas tiras de couro, minha mente divagou. O dia do nosso casamento. Os votos que trocamos. "Para ter e para manter, a partir deste dia, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, para amar e para cuidar, até que a morte nos separe."
Morte. Estava aqui. Mas o amor, o cuidado, a parte da saúde... eles haviam murchado há muito tempo. Seus votos eram pó. Ele havia quebrado cada um deles. E neste momento, olhando para ele, uma faísca de algo novo se acendeu dentro de mim. Não esperança, não amor, mas uma clareza fria e ardente. Ele pagaria. De um jeito ou de outro, Caio House pagaria.