Dona Kátia, a mãe de Enzo, me encontrou no hall de entrada. Ela era a esposa da máfia por excelência - cega para os pecados, focada inteiramente nas aparências.
"Eliana, querida", disse ela, estendendo a mão perfeitamente manicure para o meu rosto. "Ouvi dizer que houve um pequeno acidente na festa. Você está bem?"
"Ele está lá em cima?", perguntei, ignorando seu toque.
Kátia piscou, sentindo a tensão que irradiava de mim. "Sim, mas-"
Passei por ela. Subi a grande escadaria, meus passos pesados e deliberados no mármore.
Não me dei ao trabalho de bater na porta de sua suíte. Eu a abri com um empurrão.
Enzo estava relaxado em seu sofá de couro, um copo de uísque na mão.
Mas ele não estava sozinho.
Catarina estava lá. Ela estava sentada na beirada da mesa dele, balançando as pernas de forma brincalhona.
Ela estava usando a camisa de time dele. Aquela com "FERRARI" estampado nas costas.
No nosso mundo, usar a camisa de um homem não era apenas uma escolha de moda; era uma declaração. Era uma marcação de território.
Ela me viu e sorriu com desdém, tomando um gole lento de seu próprio copo.
Enzo olhou para cima. Ele não parecia culpado. Parecia entediado.
"Eu te disse para ir para casa", disse ele, sua voz monótona.
Caminhei até o centro da sala. Não olhei para Catarina. Recusei-me a dar a ela a satisfação de uma plateia.
"Eu trouxe algo para você", eu disse.
Joguei a caixa na mesa de centro. A tampa se abriu. As fotos se espalharam como segredos sujos. O medalhão deslizou pela madeira. O anel de noivado de diamante, uma promessa feita por nossos pais antes mesmo de sabermos falar, bateu ruidosamente contra o vidro.
Enzo encarou o anel. Seu maxilar se contraiu.
"Que drama é esse, Eliana?"
"É uma política de devolução", eu disse, minha voz desprovida de emoção. "Estou devolvendo a mercadoria. Está com defeito."
Catarina riu, um som agudo e frágil. "Nossa, você é patética. Acha que ele se importa com seu álbum de recortes?"
"Cala a boca", eu disse calmamente.
Enzo se levantou. Ele era muito mais alto que eu. Ele usava seu tamanho para intimidar, uma tática que costumava funcionar quando eu ainda tinha um coração para ser quebrado.
"Junta isso", ele ordenou.
"Não."
"Eu disse, junta isso."
"Jogue no lixo", eu disse. "Queime. Eu não me importo. Não significa nada para mim."
Virei-me para sair.
"Você não vira as costas pra mim!", Enzo rugiu. Ele pegou a caixa e a arremessou em direção ao corrimão do mezanino.
Ela se espatifou contra o parapeito, fazendo chover memórias no hall de entrada abaixo, em uma cascata de papel e metal.
"Você é minha, Eliana! Você não decide quando isso acaba!"
"Acabou no momento em que você me deixou naquela água", eu disse.
Saí para o patamar.
Catarina me seguiu, seus saltos clicando agressivamente no chão. "Você simplesmente não entende, não é? Ele quer uma mulher, não uma boneca."
Ela parou na minha frente no topo da escada, bloqueando meu caminho.
"Saia da frente", eu disse.
"Me obrigue."
Tentei contorná-la. Catarina agarrou meu braço. Ela puxou, tentando me arrastar de volta para encará-la.
Mas ela subestimou seu próprio equilíbrio naqueles saltos agulha.
Ela tropeçou. Seu aperto em meu braço se intensificou, me arrastando para baixo com ela.
Nós caímos.
O mundo girou em um borrão de movimento. Meu ombro bateu no corrimão. Meu joelho atingiu o degrau de mármore com um estalo pavoroso.
Rolei por quatro degraus antes de me segurar no parapeito. A dor explodiu na minha perna, branca, quente e cegante.
Catarina havia caído no patamar, mal arranhada. Ela imediatamente começou a gritar.
"Ela me empurrou! Enzo! Ela me empurrou!"
Enzo saiu correndo da suíte.
Eu estava agarrando meu joelho, ofegante, lágrimas brotando dos meus olhos pela pura agonia física.
Enzo nem sequer olhou para mim.
Ele correu para Catarina, procurando por arranhões invisíveis.
"Você está bem?", ele perguntou a ela, sua voz frenética.
"Ela é louca!", Catarina soluçou, apontando um dedo com a unha feita para mim. "Ela tentou me matar!"
Enzo se virou para mim. Seu rosto estava contorcido em uma fúria que eu nunca tinha visto dirigida a mim antes.
"Fora!", ele gritou. "Saia da minha casa antes que eu esqueça quem é seu pai!"
Eu me levantei usando o corrimão, a determinação e a adrenalina sendo as únicas coisas que me mantinham de pé. Eu não conseguia colocar peso na minha perna esquerda.
"Enzo", eu ofeguei. "Meu joelho..."
"Eu não me importo!", ele gritou, sua voz ecoando pelas paredes. "Você tem sorte de eu não te jogar pelo resto da escada. Fora!"
Ele me deu as costas. Ajudou Catarina a se levantar e a levou de volta para o quarto dele, batendo a porta.
Fiquei ali, equilibrando-me em uma perna, o silêncio da casa zumbindo em meus ouvidos.
Dona Kátia estava no pé da escada, com a mão sobre a boca. Ela não se moveu para me ajudar. Ela sabia que não devia contrariar o filho.
Mancando, desci o resto da escada, cada passo uma nova tortura. Saí pela porta da frente.
Dirigi até o pronto-socorro.
Enquanto eu estava na sala de espera, com gelo no meu joelho inchado, meu celular vibrou.
Era uma notificação do Instagram.
Catarina havia postado uma foto. Era Enzo, abraçando-a no sofá, beijando sua têmpora.
Legenda: Meu protetor.
Olhei para a tela.
A dor no meu joelho era aguda e real. Mas a dor no meu peito havia desaparecido.
Não havia mais nada ali para doer.