Deixada para Afogar: A Fria Partida da Herdeira
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Capítulo 5

Ponto de Vista de Eliana Coutinho

Na manhã seguinte, o céu estava um tom de roxo machucado, pesado e baixo.

Sentei-me nos degraus da varanda, com três caixas empilhadas ao meu lado. Era isso. Minha existência inteira condensada em papelão.

Enzo parou o carro.

Desta vez, ele não estava dirigindo seu carro esportivo; estava na SUV preta - aquela que ele usava para "negócios". Aquela que cheirava a couro e más intenções.

Ele saiu, com uma aparência péssima. Seu cabelo estava bagunçado, a camisa desabotoada no colarinho. Ele não tinha dormido.

"Onde você pensa que vai?", ele exigiu, marchando pela calçada com uma tempestade nos olhos.

"Para o aeroporto", eu disse, mantendo a voz firme. "Meu voo é em três horas."

"Você não vai entrar em um avião."

"Pode apostar que vou."

Ele diminuiu a distância e agarrou meu pulso. Seu aperto era forte, possessivo.

"Eu verifiquei o registro na USP. Você não está matriculada. Você realmente fez isso? Você realmente incendiou nosso futuro por um draminha?"

"Eu me retirei do seu futuro, Enzo. Há uma diferença."

Puxei meu braço para trás, quebrando seu aperto.

"E a propósito, você não é mais meu contato de emergência. Eu te apaguei dos meus registros médicos esta manhã."

As palavras o atingiram como um golpe físico. Ele vacilou.

No nosso mundo, na Vida, ser o contato de emergência não era apenas papelada. Era um juramento de sangue quase tão vinculativo quanto o casamento. Significava que você detinha o poder de vida e morte sobre a outra pessoa.

"Sua pirralha ingrata", ele sibilou, aproximando-se.

Antes que ele pudesse escalar a situação, pneus cantaram no asfalto.

O carro de Catarina parou bruscamente atrás de sua SUV. Ela saltou, parecendo perfeitamente arrumada, segurando um copo de café como um escudo.

"Enzo!", ela gritou, sua voz aguda de pânico. "Meu pai ligou. A gangue rival... aqueles que me seguiram? Eles estão perto do parque."

Era mentira. Uma performance calculada. Eu podia ver a fabricação brilhando em seus olhos. Ela precisava trazer o foco dele de volta para ela, e o medo era a coleira mais rápida.

Enzo hesitou. O instinto de proteger, enraizado nele desde o nascimento, guerreava com sua raiva por mim.

Ele olhou para mim, depois para ela.

"Vá", eu disse, minha voz oca. "Vá salvá-la. É o que você faz."

Enzo apontou um dedo para mim, o maxilar cerrado.

"Se você for embora", ele avisou, "não pense que pode voltar rastejando quando o mundo real te mastigar."

"Eu não vou."

Ele me encarou por um último segundo, depois se virou e entrou no carro com Catarina. Ele escolheu a distração. Ele a escolheu. De novo.

Esperei até que as luzes traseiras deles desaparecessem. Então, carreguei meu carro.

Mas eu tinha uma última parada.

O Velho Jequitibá.

Ele ficava na borda irregular do território do Comando, um sentinela maciço e antigo onde gerações de homens feitos e suas esposas haviam esculpido suas iniciais. Era solo sagrado.

Dirigi até lá, meu coração batendo um ritmo lento e doloroso.

Peguei minhas chaves e caminhei até o tronco. Lá, desgastado pelo tempo e pelos elementos, estava a inscrição:

E.F. + E.C.

Nós a tínhamos esculpido quando tínhamos doze anos. Uma espécie de juramento de sangue. Uma promessa que agora parecia uma maldição.

Peguei a chave do meu carro. Eu não apenas arranhei a casca; eu a ataquei. Cravei o metal fundo na madeira, raspando o 'E.C.' até que restasse apenas polpa crua e úmida.

"Isso é vandalismo", disse uma voz.

Virei-me bruscamente.

Enzo e Catarina tinham me seguido. Claro que tinham. Ele não podia me deixar ir sem ter certeza de que eu realmente tinha ido embora.

Catarina sorria com desdém, encostada no capô da SUV. "Olha, Enzo. Ela está se apagando. Nos poupa o trabalho."

Ela se aproximou da árvore, inspecionando meu trabalho. "Você deveria esculpir minhas iniciais aí, amor. Bem em cima da bagunça dela."

Enzo ficou para trás, observando-me com olhos frios e mortos. "Você está profanando a história, Eliana."

"Não é história", cuspi, baixando a mão. "É pichação."

Deixei minhas chaves caírem. Minhas mãos tremiam tanto que não conseguia segurá-las.

Catarina se aproximou de mim, invadindo meu espaço.

"Você parece patética", ela sussurrou. "A princesa caída."

Então, ela me empurrou.

Eu não estava esperando. Cambaleei para trás, meu joelho ruim cedendo sob o peso repentino.

Atrás de mim estava o lago da propriedade - alimentado pelo mesmo sistema de água escura e estagnada que enchia a piscina na casa dos Ribeiro.

Caí para trás.

A água me cobriu pela segunda vez em uma semana. Mas esta parte do lago era mais funda, lamacenta e cheia de juncos.

Minhas botas pesadas afundaram no lodo, me prendendo. Lutei, me debatendo, meu joelho gritando de agonia.

Emergi à superfície, ofegante, limpando a lama espessa dos meus olhos.

Enzo estava parado na margem.

Ele estava perto o suficiente para estender a mão. Perto o suficiente para me puxar para cima.

Ele me olhou lutando na lama.

Então ele olhou para Catarina, que estava rindo - um som cruel e tilintante.

Enzo colocou as mãos nos bolsos.

"Morra se quiser", disse ele suavemente, sua voz se projetando sem esforço sobre a água. "Você não é mais problema meu."

Ele se virou. Passou o braço pelos ombros de Catarina e voltou para o carro.

Eu os vi partir.

Eu estava sozinha na lama congelante.

Parei de me debater. Encontrei meu equilíbrio na lama. Cravei meus dedos na margem lamacenta e me arrastei para fora, centímetro por centímetro doloroso.

Deitei na grama, tremendo, coberta de lodo e podridão.

O amor que eu sentia por ele não morreu naquele momento. O amor é uma coisa teimosa; não morre tão rápido.

Mas a esperança sim.

E em seu lugar, algo mais frio, mais duro e infinitamente mais útil começou a crescer.

Eu me levantei.

Não olhei para trás, para a árvore.

Caminhei até meu carro, deixando um rastro de pegadas de lama que pareciam sangue negro.

Eu estava indo para o Rio de Janeiro.

E eu nunca mais voltaria.

                         

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