"O pai dela responde ao meu pai", a voz de Enzo cortou. Era arrogante, desdenhosa. "E a Eliana responde a mim."
Congelei, prendendo a respiração. Encostei-me na parede, me encolhendo.
"Ela já superou, Enzo", disse Matheus. "Você viu os olhos dela? Ela não está mais nem aí."
Enzo riu. Foi um som frio e cruel que arranhou meus nervos.
"Ela está fazendo birra, Matheus. É só isso. Ela acha que pode me ignorar? Por favor. Ela é obcecada por mim desde o jardim de infância."
Ouvi o tilintar de vidro contra cristal.
"Estou apenas ensinando uma lição a ela", Enzo continuou, seu tom suave, conversacional. "Ela precisa ser um pouco quebrada. Estava ficando muito confortável, muito exigente. Vou brincar com a Catarina por algumas semanas, deixar a Eliana se remoer na miséria. Quando ela estiver desesperada o suficiente, quando estiver implorando por migalhas, eu a aceito de volta."
Meu estômago se revirou violentamente.
"Você a trata como um cachorro", disse Matheus em voz baixa.
"Ela é um ativo", respondeu Enzo. "Uma propriedade de alto valor, mas ainda assim, uma propriedade. Assim que eu quebrar o espírito dela, ela será a esposa perfeita. Silenciosa. Obediente. Grata."
Parei de respirar.
Não era apenas arrogância. Era uma estratégia. Ele estava sistematicamente tentando destruir minha autoestima para que eu nunca sonhasse em deixá-lo.
Não fui ao lavabo.
Virei-me e saí direto pela entrada de serviço dos fundos.
Fui para casa a pé. Eram cinco quilômetros. As ruas do nosso bairro eram seguras apenas porque todos sabiam quem as comandava, mas andar sozinha à noite ainda era um risco.
Eu não me importava. O perigo nas ruas parecia mais limpo do que o perigo naquela casa.
Mancando o caminho todo, a dor no meu joelho era um ritmo que me mantinha no chão. Esquerda, direita, dor. Esquerda, direita, dor.
Ele achava que eu era um cachorro. Achava que podia me chutar e eu voltaria lambendo sua mão.
Cheguei à minha rua. Minha casa estava escura, meus pais provavelmente dormindo.
Mas havia uma figura parada na minha varanda.
A luz do poste o iluminou.
Enzo.
Ele não passou por mim de carro. Ele simplesmente sabia para onde eu iria. Ele chegou aqui antes de mim.
Ele segurava um envelope grande e grosso.
Meu coração martelava contra minhas costelas. Reconheci o logotipo no canto.
UFRJ.
Era meu pacote de aceitação. Aquele que o Tio Sérgio havia agilizado.
Enzo olhou para o envelope, depois para mim. Sua expressão era indecifrável, sombreada pela luz da varanda.
"Você está mancando", disse ele.
"O que você está fazendo aqui, Enzo?"
Ele ergueu o envelope. "Isso chegou na caixa de correio segura do complexo. Estava endereçado a você."
Ele se aproximou, pairando sobre mim. "Universidade Federal do Rio de Janeiro?"
Eu não respondi.
"Nós vamos para a USP", disse ele. "Esse é o plano. Eu comando as operações na Costa Oeste. Você comanda a casa."
"Esse é o seu plano", eu disse.
"Não existe outro plano!" Ele bateu o envelope contra a coxa. "O que é isso? Você está realmente tentando fugir?"
"Eu não estou fugindo", eu disse, subindo o primeiro degrau da varanda. "Estou indo embora."
"Você não pode ir embora." Ele riu, mas havia um toque de pânico em sua risada. "Você não sobrevive lá fora sem mim. Quem vai te proteger? Quem vai pagar pela sua vida?"
"Prefiro morrer de fome a comer da sua mão", eu disse.
Estendi a mão para o envelope.
Ele o puxou para fora do meu alcance. "Você acha que isso é um jogo? Acha que pode simplesmente se inscrever em outra faculdade e desaparecer?"
"Me dê minha correspondência, Enzo. É crime federal violar correspondência."
"Eu sou a lei aqui!", ele gritou.
De repente, seu telefone tocou.
Ele me fuzilou com o olhar, respirando com dificuldade, depois atendeu sem olhar para a tela. "O quê?"
A voz de Catarina era estridente, alta o suficiente para eu ouvir pelo alto-falante. "Enzo! Amor! Acho que tem alguém me seguindo! Estou com medo! Estou no posto de gasolina da Quinta Avenida!"
Era mentira. Ninguém seguia associados do Comando a menos que quisesse morrer.
Enzo olhou para mim. Depois olhou para o carro.
Ele enfiou o envelope no meu peito. Eu o agarrei antes que caísse.
"Nós não terminamos", ele rosnou.
Ele se virou e correu para o carro, escolhendo a donzela em perigo em vez da mulher que ele estava ativamente destruindo.
Observei suas luzes traseiras desaparecerem na escuridão.
Olhei para o envelope. Era minha passagem para fora do inferno.
Ele achava que não tínhamos terminado.
Ele estava errado. Eu já tinha ido embora.