/0/1784/coverbig.jpg?v=0709970bfecd1f5fe412002907769292)
Sento-me em frente ao computador sonolenta, o sonho brumoso ainda me vem em fragmentos. Foi uma noite agitada. Nada como a visão e a companhia de uma xícara de café. A manhã está fria, e já estamos em outubro. Pelo menos meus pés ainda estão quentes dentro das meias fofas, pois meus chinelos andam perdidos pela casa. Mais um dia normal na vida de uma dona de casa levemente bagunceira. É, eu sou dona de minha casa. Um e-mail me chama a atenção entre os vários que recebo diariamente. A caixa está sempre cheia, já que meu endereço está na internet, não por acaso.
Fico excitada e entusiasmada com o conteúdo que me promete um ótimo dia de trabalho. Há algum tempo resolvi mudar de profissão, e confesso que foi difícil. Um campo de trabalho muito novo no Brasil, tive que me desenvolver por mim mesma, bolar as ferramentas, fazer a divulgação e, principalmente, me apresentar de forma a atrair parceiros compatíveis. Uma verdadeira empreitada para viver da maneira que sempre sonhei: um cotidiano prazeroso, um momento emocionalmente presente, consistente, vívido e lúcido. Respondo ao e-mail de imediato, pois reconheço o potencial do remetente. E ele já havia tentado outras formas de contato. Há alguns meses havíamos falado por telefone, e tudo indicava o sucesso do encontro. Tínhamos expectativas em comum. Não esperei um par de horas e a mensagem chegou ao meu celular. Tudo estava conforme eu havia planejado, e eu teria o tempo necessário para tornar a atmosfera densa a ponto de cortá-la com uma faca. Eu estava acordando, abrindo meus olhos de verdade, ficando mais lúcida. Fui me despindo das meias, do pijama leve que cobria meu corpo, sacudi meus cabelos e senti o perfume no ar. Olhei meu corpo nu no espelho e o desejei. Olhei para a carne e a desejei muito. A lucidez aumentava, e eu já via o objeto que estaria ao meu lado em algumas horas, servindo esse corpo que eu admirava. A ideia de ver meu corpo estremecendo de prazer me excitou, e senti o poder que eu tinha sobre ele. Sim, o poder é todo meu. Sou dona de minha casa. De meu corpo. De meu prazer. E dona de meus objetos. Dona. Senhora. Madame. Mistress. Rainha. Deusa. Dominatrix. Domme. Dommenique. Existe todo um ritual para a personificação de Dommenique. Enquanto mantinha a ideia de meu corpo sentindo prazer, algumas imagens já surgiam, encadeando-se, tornando-se complexas, complementando-se umas às outras enquanto eu olhava meu guarda-roupa. Uma narrativa explícita, uma história mental onde eu era a personagem principal e atuava em frente a uma dúzia de pares de sapatos altíssimos, reluzentes, lustrosos. Sim, esse ficará bom, servirá exatamente para o que eu quero. E o látex, ah, sim... Látex no par de meias, pois meu prazer hoje está na contemplação e no uso ocasional de algum objeto. Látex nas ligas, na blusa e no corset que seleciono. Muito látex negro, em contraste com minha pele branca e cabelo loiro. A luz já estava suave, cortinas fechadas, e meu vaivém pelo quarto exalava o cheiro da borracha e dos sapatos usados, misturados ao odor do meu corpo. A música já estava tocando; como é boa essa música! Os espelhos ao meu redor só fazem refletir meu corpo nu na luz morna, enquanto roço minhas pernas e preparo a cena para mim. Sinto um calor confortável em meus pés, que segue a linha interna de minhas coxas e sobe até o ventre. Quero me vestir de mim mesma, ser aquela carne que vejo no espelho. Olho para as roupas dispostas na cama e as desejo, quero senti-las. Sinto o toque das meias de látex. Sentada na ponta da cama, diante do espelho, subo aquele toque firme pela perna, um invólucro a vácuo até a coxa. Como fica bonito. Acaricio as meias, viro o corpo em frente ao espelho, para vê-las melhor. Passo as mãos pelas meias repetidas vezes com a desculpa - isso sempre me vem à cabeça - de alisá-las e grudá-las às minhas pernas. O brilho da luz cálida está lindo, e visto a blusa de borracha. Fecho o zíper até o início dos seios, quero que eles apareçam um pouco. Coloco o corset e calço os sapatos, ajeitando os quadris e tomando posse daquele corpo no espelho. Batom vermelho na boca, passo a língua entre os lábios que eu desejo. Balanço os cabelos em desalinho, quero cabelos livres, de uma mulher que acorda de uma noite quente e agitada. Cílios carregados de rímel, sombra escura e esfumada, acentuando o azul do olhar dardejante. A boca entreaberta, agora minha, deseja que esse homem chegue logo. A boca está bruta, apaixonada, já ultrapassou a barreira de pureza que tantas mulheres constroem em torno de si; está incontida, dominante, livre; e o que torna isso tão bom é a sensação de completo desprendimento sexual. Essa boca não deseja mais aquela xícara de café. A dona de casa caminha altiva pelo quarto. Ouço os sons dos saltos poderosos, olho para meu corpo diretamente e o desejo assim como ele está. A música da Peaches é ótima para sentir minhas mãos lustrando minha cintura de borracha; as mãos controladoras perdem o controle com os volumes e curvas por onde passam encharcadas de óleo. O brilho do látex me domina e hipnotiza, e num frenesi não consigo parar de deslizar as mãos pelas curvas sob a minha segunda pele. E isso fica delicioso a ponto de eu voltar ao espelho e dessa vez me ver ali. Eu mesma, Dommenique, a dominadora, a mulher, estou livre e descontrolada. Controle? Isso eu assumo sobre os objetos que estão por aqui, na minha casa. Eles também são meus e faço deles o que quiser. Uma batida na porta. Com certeza ele ouvirá os saltos cada vez mais perto, até que eu apareça, triunfante e cheia de tesão. O jogo começou.