Helene Richard: A Verdade Desvendada
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Capítulo 4

Ponto de Vista: Helena Ricci

A memória daquela humilhação pública era um borrão, um caleidoscópio doentio de luzes piscando, sussurros venenosos e a dor ardente da minha própria mão contra minha bochecha. Minha mente, em um ato desesperado de autopreservação, havia borrado as bordas, deixando apenas a vergonha crua e ardente. Gustavo cumpriu sua promessa. Ele não apenas me demitiu; ele aniquilou minha existência profissional, me deixando como uma pária pública.

Ele realmente achou que poderia me quebrar. Ele tentou tantas vezes antes. Lembrei-me de uma discussão particularmente brutal anos atrás, após a primeira grande cirurgia da minha mãe. Ele havia descartado a doença dela como "um inconveniente", e no dia seguinte me comprou um colar ridiculamente caro, esperando que isso apagasse sua crueldade. Eu o usei, um protesto silencioso contra a gaiola dourada que ele construiu ao meu redor. Ele achava que o dinheiro podia consertar tudo, que grandes gestos podiam mascarar a podridão por baixo. Ele me via como um problema a ser gerenciado, uma reputação a ser protegida, nunca uma pessoa a ser amada.

Uma risada amarga e oca escapou de mim agora. Ele conseguiu me despir, mas não me quebrou da maneira que pretendia. Em vez disso, ele me libertou. Livre da ilusão, livre do fardo de seu nome. Livre, mas completamente destruída.

O som de pequenos passos interrompeu meus pensamentos mórbidos. Caio. De novo. Meu coração, uma coisa murcha, deu um leve palpitar. Ele estava na porta do meu escritório, um pequeno carrinho de brinquedo colorido em sua mão.

"Mamãe", ele disse, sua voz estranhamente suave, quase hesitante. Ele não me chamava assim há semanas. Sempre "aquela mulher" ou "Helena".

Uma pequena faísca de esperança, tola e frágil, acendeu dentro de mim. Ele teria visto minha desgraça pública? Teria finalmente perfurado as camadas do veneno de Célia? Ele veio para me consolar?

"Caio?", perguntei, minha voz mal um sussurro, com medo de quebrar o momento. Estendi uma mão trêmula, ansiando por alguma conexão, algum calor do meu próprio filho.

Ele deu um passo mais perto, seus olhos arregalados. Então, sem aviso, ele armou o braço e arremessou o carrinho diretamente na minha cabeça. Atingiu-me com força acima da sobrancelha, um impacto agudo e ardente. Gritei, recuando, minha mão voando para o meu rosto.

"Não me toque, sua mamãe má!", ele gritou, seu rosto contorcido em uma máscara de pura malícia. "A Dafne disse que você é uma mentirosa! Você machucou o papai!" Ele bateu o pé, um tirano em miniatura. "Eu te odeio!"

O impacto do carro não foi nada comparado ao impacto de suas palavras. A pequena faísca de esperança se extinguiu, deixando para trás um vazio frio e desolado. Ele não estava me consolando. Ele estava desferindo o golpe final. Meu próprio filho, uma arma no arsenal deles. Minha cabeça latejava, um novo hematoma se formando acima do meu olho. A sensação de ardor espelhava a ferida mais profunda em meu coração.

O falecimento da minha mãe. As palavras de Caio. A humilhação pública. Foi uma tempestade perfeita, projetada para me obliterar. E quase conseguiu.

Naquele momento, Gustavo entrou, sua expressão uma máscara cuidadosamente construída de preocupação. Ele viu Caio, depois a mim, e o carrinho no chão. Ele correu, seus movimentos rápidos e praticados.

"Caio, o que você fez?", ele repreendeu, sua voz surpreendentemente gentil, não verdadeiramente zangada. Ele se ajoelhou, pegando Caio no colo e o abraçando. Então ele se virou para mim, seus olhos agora cheios de uma simpatia performática. "Helena, querida, você está bem? Ele é apenas uma criança, ele não entende." Ele até estendeu a mão para tocar meu rosto, seus dedos traçando a marca vermelha.

Eu me afastei. Seu toque era repugnante. A hipocrisia era um gosto amargo na minha boca.

"Não me toque", eu disse, minha voz plana.

Ele suspirou, um som longo e sofrido.

"Ainda tão dramática. Olha, eu sei que você está chateada. Mas precisamos pensar no Caio. E precisamos falar sobre a Dafne." Ele fez uma pausa, um brilho estranho em seus olhos. "Ela está grávida, Helena. Do meu filho."

As palavras me atingiram como um golpe físico. Grávida. Dafne. Claro. A jogada final. A reivindicação final e inegável sobre a vida dele, sobre a nossa vida. Meu mundo inclinou. Senti uma onda súbita e vertiginosa de náusea, mais aguda e intensa do que qualquer outra que eu já havia sentido.

Gustavo continuou, alheio à minha turbulência interna.

"Ainda podemos fazer isso funcionar, Helena. Pelo Caio. Pela família. A Dafne entende o lugar dela. Você ainda será minha esposa. Podemos apenas... administrar isso. Vou garantir que você seja compensada. Financeiramente. Você nunca mais terá que trabalhar. Você pode viver no luxo. Apenas... ceda." Ele pegou minha mão, seu aperto quente e insistente. "Eu prometo, vou compensar você. Podemos voltar a ser como antes."

Voltar? Para quê? Para ser seu escudo de relações públicas? Para vê-lo desfilar com suas amantes enquanto eu fingia ser a esposa devotada? Para viver em uma gaiola dourada, sufocando sob o peso das expectativas de sua família? Nunca. Nunca mais.

Mas a náusea persistia, uma agitação implacável em meu estômago. Uma percepção fria e horrível surgiu em mim. A menstruação atrasada. Os desejos estranhos. A fadiga súbita. Não. Não podia ser. Não agora. Não depois de tudo.

Levantei-me abruptamente, passando por ele.

"Eu quero você fora", afirmei, minha voz tremendo com um novo tipo de determinação, nascida do puro desespero. "Saia da minha casa. E leve seu... herdeiro... com você."

Os dias seguintes foram um borrão de telefonemas furiosos de Célia e minha própria determinação silenciosa e sombria. Fui confinada à cobertura, rotulada como instável, passando por sessões de "aconselhamento de luto" impostas pela família Arruda. Mas em segredo, eu agi. Confirmei minha suspeita. Eu estava grávida. Do filho de Gustavo. Uma cruel reviravolta do destino, uma última e indesejada amarra ao homem que eu agora desprezava.

Uma tarde, apresentei a Célia os papéis do divórcio assinados, já autenticados pelo meu advogado. Eu havia concordado com os termos deles: um acordo financeiro significativo, mas sem batalha pública. Minha reputação já estava arruinada. Tudo o que eu queria era sair. Para minha surpresa, Célia, após examinar os documentos, os assinou. Ela queria que esse caso confuso fosse resolvido.

"Bom", ela disse, sua voz afiada. "Agora, fique fora de vista, Helena. Nós cuidaremos do anúncio público. Você é um passivo."

Eu assenti, minha mente a mil. Os papéis estavam assinados. Eu estava livre. Quase.

Naquela noite, Gustavo invadiu a cobertura, seu rosto uma máscara de raiva incandescente.

"Sua vadia!", ele rugiu, batendo a porta. "Você realmente fez isso! Você assinou os papéis! Você pegou nosso dinheiro!"

Ele avançou para mim, seus olhos selvagens.

"Sua puta gananciosa e calculista! Depois de tudo que eu fiz por você, pela sua família, você me apunhala pelas costas assim?" Ele agarrou meus ombros, me sacudindo violentamente. "Você acha que pode simplesmente pegar o que é nosso e ir embora?"

"Foi ideia sua, Gustavo!", gritei, lutando contra seu aperto. "Sua mãe aprovou! Você queria que eu fosse embora!"

"Não assim!", ele rosnou, me empurrando contra a parede. Suas mãos se fecharam em volta do meu pescoço, não com força suficiente para me sufocar, mas o suficiente para transmitir a ameaça, a fúria crua e descontrolada. "Você pegou demais! Você se acha tão esperta, não é? Acha que venceu?"

Seu rosto estava a centímetros do meu, contorcido de ódio.

"Eu vou fazer você se arrepender disso. Vou garantir que você nunca conheça um momento de paz. Vou garantir que você sofra por cada centavo que tirou de mim."

Naquele momento, a voz de Dafne, doentiamente doce, veio do corredor.

"Gustavo, querido? O que está acontecendo? Você está machucando ela de novo?" Ela apareceu na porta, segurando a barriga, o rosto pálido. "Minha cabeça está tão tonta... o bebê..."

O aperto de Gustavo em mim afrouxou. Ele se virou, seu olhar suavizando ao ver a angústia fingida de Dafne. Ele correu para o lado dela, envolvendo-a com um braço protetor.

"Você está bem, meu amor? O bebê está bem?"

Dafne se aninhou nele, seus olhos brilhando triunfantemente para mim por cima do ombro dele.

"Estou tão preocupada, Gustavo. Ela é tão instável. Ela tem me ameaçado... ameaçado nosso bebê." Ela olhou para ele, sua voz cheia de medo fingido. "Estou com medo, Gustavo. E se ela fizer algo conosco?"

Seus olhos endureceram, voltando-se para mim. A raiva retornou, mais fria, mais ameaçadora.

"Ela não ousaria", ele rosnou. Ele se virou para sua equipe de segurança, que estava parada passivamente. "Tirem-na da minha vista. E se ela resistir, certifiquem-se de que ela entenda as consequências."

Seus seguranças, homens corpulentos com rostos impassíveis, moveram-se em minha direção. Vi o brilho de malícia em seus olhos. Não se tratava apenas de me remover. Tratava-se de dar um exemplo.

Minha mente correu. Era isso. O ato final e desesperado. Eu tinha que cortar todos os laços, irrevogavelmente. Tinha que garantir que ele nunca mais se aproximasse de mim. Nem com Caio, nem com suas ameaças, nem com o poder de sua família. E eu tinha a arma perfeita e terrível.

Enquanto os guardas se aproximavam, tomei minha decisão. Uma calma arrepiante se instalou sobre mim. Minha mão, firme agora, alcançou o abridor de cartas de prata que eu havia deixado cair mais cedo. Ele brilhava no chão perto da lareira, uma testemunha silenciosa de seu abuso. Eu o peguei.

"Fiquem longe de mim!", gritei, minha voz rouca, mas clara. Pressionei a ponta afiada do abridor de cartas contra meu abdômen inferior. "Gustavo", chamei, minha voz trêmula, mas firme, "você disse que me faria sofrer. Você disse que eu me arrependeria disso. Você disse que eu perderia tudo." Meus olhos se fixaram nos dele. "Você estava certo."

Com um suspiro silencioso e agonizante, eu empurrei. Uma dor aguda e lancinante explodiu dentro de mim. O abridor de cartas caiu no chão, deixando uma mancha escura e crescente em meu vestido branco. O mundo ficou em silêncio, depois explodiu em uma sinfonia de gritos e berros.

"Foi você quem fez isso, Gustavo", sussurrei, minha voz quase inaudível, enquanto minha visão se estreitava. "A culpa é sua."

            
            

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