Capítulo 4

Ponto de Vista: Alessandra

A batida do baixo atravessava a rua, fazendo vibrar as janelas do carro blindado. Ainda estávamos a um quarteirão da cobertura do Heitor, mas a festa já se anunciava. Música alta e irritante. Gritos e risadas. Uma onda familiar de resignação cínica me invadiu. Ele estava comemorando. Enquanto eu sangrava.

Bia, sentada ao meu lado, apertou minha mão. Seus olhos, geralmente tão compostos, continham uma centelha de fúria. "Festejando?", ela murmurou, a voz tensa. "Depois de tudo?"

Eu apenas assenti, meu maxilar cerrado. Isso explicava por que ele não atendeu minhas ligações mais cedo. Não que ele se importasse, mesmo que tivesse atendido. Minha mente, ainda nadando por causa da concussão, parecia estranhamente clara. Os anos de permissividade, os sacrifícios silenciosos, o constante suporte financeiro ao seu estilo de vida extravagante – tudo se fundiu em uma única e inegável verdade. Tinha sido um erro.

O carro parou no meio-fio. As pesadas e ornamentadas portas do prédio da cobertura, geralmente guardadas por um porteiro diligente, estavam entreabertas. Descuido. Assim como o Heitor. Hesitei, uma estranha relutância me invadindo. Uma parte de mim, a antiga Alessandra, queria recuar, evitar outro espetáculo público. Mas a Alessandra machucada e espancada, aquela que acabara de enfrentar uma surra na adega de seu próprio hotel, recusou-se.

Ao sair, apoiando-me levemente em Bia, um lamento agudo cortou a música pulsante. Era o choro de uma mulher, cru e angustiado. Meu sangue gelou. Eu conhecia aquela voz. Chris Matos.

Meus seguranças, dois gigantes silenciosos, moveram-se para abrir a porta principal. Levantei a mão, parando-os. Eu precisava ouvir isso. Precisava conhecer as profundezas de sua enganação.

A voz de Chris, agora mais clara, atravessou a porta aberta, carregada de soluços dramáticos. "...e ela simplesmente me demitiu! Sem motivo nenhum! Ela sempre teve tanto ciúme do nosso amor, Heitor! Ela odeia te ver feliz!"

Um murmúrio coletivo de simpatia surgiu dos convidados da festa. Chris estava se fazendo de vítima, e muito bem.

"Ela me chamou de arrogante! Disse que eu estava tentando roubar o legado da família dela!", Chris lamentou, sua voz escalando. "Ela disse que eu era uma interesseira, tentando te manipular!"

Meus olhos se estreitaram. A audácia. Ela estava distorcendo a narrativa, me retratando como a agressora, a mulher ciumenta e rancorosa. Ela estava me acusando das mesmas coisas que ela estava fazendo.

"Ela é simplesmente... ela é tão cruel, Heitor", continuou Chris, sua voz caindo para um sussurro teatral, projetado para tocar os corações. "Ela não suporta me ver ter sucesso, não suporta nos ver juntos. Ela acha que é sua dona, dona de tudo!"

Então veio a voz de Heitor, suave e tranquilizadora, com uma ternura que ele nunca havia me mostrado. "Calma, calma, minha querida Chris. Não chore. Ela é apenas uma mulher amarga e solitária. Sempre foi. Provavelmente está com raiva porque eu escolhi você em vez dela."

Um coro coletivo de "Awnn" e "Coitada da Chris" encheu o ar. Minhas mãos se fecharam em punhos, meus nós dos dedos brancos. Ele não estava apenas tolerando suas mentiras, ele as estava reforçando. Ele estava me pintando como a vilã ciumenta.

"Ela acha que pode te demitir?", Heitor zombou, sua voz endurecendo, dirigida à multidão invisível. "Por favor. Ela não tem poder nenhum. É só minha meia-irmã. Vou garantir que ela se arrependa disso. Vou encontrá-la, vou arrastá-la até aqui, e ela vai se ajoelhar e pedir desculpas a você, Chris. A nós. Por nos envergonhar. Por ousar tocar no que é meu."

Uma onda de vaias e aplausos explodiu da festa. Seus amigos, esses bajuladores superficiais, o estavam incentivando, validando sua ilusão.

"É isso aí, Heitor! Mostra pra ela quem manda!", alguém gritou.

"Ninguém mexe com a Chris!", outro gritou.

Meu corpo tremia, não mais de dor, mas de uma fúria fria e justa. O último fio da minha paciência, da minha equivocada obrigação familiar, se rompeu. Ele não era apenas ingrato. Ele era um monstro. E ele acabara de ameaçar me fazer ajoelhar. Pedir desculpas. Para ele. E para ela.

"Chega", eu disse, minha voz mal um sussurro, mas carregada de uma intenção letal que Bia reconheceu instantaneamente.

Acenei para meu segurança principal. Seus olhos, geralmente impassíveis, agora continham um brilho de algo semelhante a uma selvageria controlada. Ele deu um único passo à frente e depois chutou.

CRASH!

As portas duplas ornamentadas se estilhaçaram para dentro, arrancadas de suas dobradiças com um rugido ensurdecedor que engoliu a música por completo. A cobertura ficou em silêncio. O baixo morreu, as risadas engasgaram. Cada cabeça naquela opulenta sala de estar se virou para a porta escancarada.

Eu estava ali, emoldurada pela madeira quebrada, meu rosto machucado fixo em uma máscara de gelo. Meus olhos, ainda um pouco inchados, varreram os rostos atônitos, parando finalmente em Heitor, que estava sentado em um sofá macio, com Chris ainda agarrada a ele. Sua boca estava aberta, no meio de uma frase, seu rosto um retrato de choque absoluto.

O silêncio era um cobertor espesso e opressivo. Minha voz, quando veio, era baixa, firme e cortou a quietude como uma navalha.

"Você quer que eu me ajoelhe?", perguntei, meu olhar fixo em Heitor. "Aqui estou eu."

            
            

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