O rosto pálido de Kloe ficou ainda mais pálido. Seus olhos se arregalaram, e ela olhou para Gonçalo, um lampejo de pânico substituindo sua inocência fingida.
"Câmeras? Dentro de casa?"
Gonçalo me fuzilou com o olhar.
"Amanda, do que você está falando? Por que você mencionaria isso?"
Dei de ombros, um sorriso pequeno e insincero tocando meus lábios.
"Apenas um lembrete amigável. Para a paz de espírito de todos, sabe? É bom estar ciente do seu entorno. Especialmente em um lugar novo."
Meu olhar demorou em Kloe.
"Não queremos que nada... inesperado... seja gravado, certo?"
Os lábios de Kloe se contraíram. Ela desviou o olhar, sua compostura de "influenciadora de bem-estar" perfeitamente estilizada finalmente rachando. Gonçalo, sentindo a tensão, se interpôs entre nós.
"Tudo bem, tudo bem", ele disse, esfregando as têmporas. "Isso é ridículo. Kloe, a Amanda está apenas sendo... a Amanda. Ela tem boas intenções."
Ele se virou para mim, a voz tensa.
"Amanda, não precisamos discutir o sistema de segurança da casa agora."
Eu apenas assenti, ainda mantendo o olhar de Kloe. A mensagem era clara. Qualquer comportamento "imprevisível" seria capturado em vídeo.
Gonçalo suspirou, um som longo e sofrido.
"Olha. Nenhuma de vocês precisa trocar de quarto. Eu durmo no chão entre as duas portas, ok? Assim, a Kloe não ficará sozinha, e você ainda terá seu quarto, Amanda. Todos felizes?"
Bati palmas lentamente, de forma sarcástica.
"Brilhante, Gonçalo. Verdadeiramente brilhante."
Kloe murmurou algo em voz baixa, uma concordância relutante. Ela ainda parecia abalada.
Então, Gonçalo acabou estirado em um colchão de ar no corredor estreito, uma barreira frágil entre sua esposa e sua 'protegida'. Eu o ouvi se virando e revirando por um longo tempo naquela noite. Eu também não dormi muito. Minha mente estava a mil, repassando sete anos da minha vida, pagando por sua educação, seu estilo de vida, sua própria existência. E esta era a minha recompensa.
Na manhã seguinte, o sol entrava pela janela do meu quarto, zombando do frio que ainda tomava meu coração. Uma batida. Era Gonçalo.
"Amanda? Você está acordada?", ele chamou, sua voz abafada pela porta.
"Agora estou", murmurei, levantando-me da cama.
Ele abriu a porta, um sorriso hesitante no rosto machucado de dormir no chão.
"Bom dia, Capitã. Você poderia... fazer um café da manhã para nós? A Kloe precisa comer algo leve por causa da condição dela."
Minha sobrancelha se contraiu, mas não disse nada. Fui para a cozinha, o ar ainda desconfortavelmente quente apesar da hora matinal. Fiz aveia, uma escolha simples e saudável. Coloquei três tigelas na mesa.
Kloe apareceu momentos depois, vestida com um robe de seda, cheirando levemente a perfume caro. Ela olhou para a aveia. Seu nariz se enrugou quase imperceptivelmente.
"Ah", ela disse, a voz um pouco alta demais, "aveia. Não estou muito acostumada com... cafés da manhã salgados."
Peguei minha colher, mexendo minha tigela.
"Salgados?", perguntei, olhando para ela. "É aveia pura. Com um pouco de mel. A que tipo de café da manhã você está acostumada, Kloe? Miojo e energéticos lá na sua cidadezinha?"
O rosto dela, geralmente tão cuidadosamente composto, ficou vermelho escuro.
"Eu... eu só quis dizer que prefiro coisas mais leves, mais frescas. Não estou muito acostumada com... comida mais pesada."
Comi uma colherada lenta da minha aveia, saboreando o calor sem graça.
"Certo. Da sua cidadezinha em, onde era mesmo, no interior de Minas? Lembro-me distintamente de você me dizendo que cresceu comendo pêssego em calda e purê instantâneo. Engraçado como as pessoas esquecem rapidamente suas raízes quando começam a construir uma marca de 'bem-estar'."
"Você está sendo grosseira, Amanda!", Kloe retrucou, sua voz suave desaparecendo. "Você está sempre tentando me fazer sentir pequena!"
Levantei uma sobrancelha.
"É isso que estou fazendo? Pensei que estava apenas constatando fatos. E por falar em pequena, não é interessante como as pessoas que afirmam ter condições delicadas sempre conseguem ser tão... barulhentas?"
A campainha tocou, uma interrupção bem-vinda. Gonçalo praticamente saltou para atender. Ele voltou um momento depois, segurando uma grande sacola de delivery.
"Surpresa, Kloe", ele disse, a voz transbordando de uma falsa alegria. "Pedi para você uma torrada com abacate e um suco verde. Espero que seja leve o suficiente para sua constituição delicada."
O rosto de Kloe se iluminou, e ela me lançou um sorriso triunfante.
"Ah, Gonçalo, você é o melhor! Você simplesmente sabe do que eu gosto."
Ela pegou a sacola, tirando a comida cara e recém-feita.
"Viu, Amanda? O Gonçalo realmente cuida de mim."
Depois do café da manhã, Kloe começou a tirar roupas para nossa viagem de esqui planejada para Campos do Jordão. Ela segurou uma jaqueta de esqui fina e colorida. Era claramente mais moda do que funcional.
"O que você acha, Gonçalo?", ela perguntou, girando na frente dele. "É tão chique, não é? Perfeita para as fotos."
Ele franziu a testa.
"É linda, Kloe, mas parece um pouco fina. Tem certeza de que vai ser quente o suficiente? Você sente frio com tanta facilidade."
"Ah, eu vou ficar bem", ela dispensou, depois me lançou um olhar de soslaio. "É tudo pela estética, Amanda. Não se pode sacrificar o estilo pela praticidade, não é?"
Eu apenas murmurei um som não comprometedor. Ela estava usando de propósito um casaco impraticável, sabendo muito bem que inevitavelmente 'sentiria frio'. Este era mais um de seus jogos. Decidi ali mesmo que apenas os observaria. Deixaria que eles encenassem sua pequena farsa.
Arrumamos o carro. Apesar da jaqueta fina de Kloe, ela insistiu em ir no banco da frente.
"Ah, eu fico tão enjoada no banco de trás", ela choramingou, já a meio caminho do assento do passageiro.
Gonçalo, é claro, a apoiou.
"Amanda, você não se importa, não é? A Kloe precisa ficar confortável. A condição dela, sabe."
Kloe se inclinou para fora da janela, um sorriso doce como açúcar no rosto.
"E o banco da frente do Gonçalo é sempre só para mim. É a nossa pequena tradição, não é, Gonçalo?"
Eu apenas soltei uma risada suave e sem humor.
"O que te fizer feliz, Kloe."
Entrei no banco de trás, afivelando o cinto. Meu olhar demorou em seus reflexos no espelho retrovisor. Eu só precisava observá-los. Observá-los de verdade.