Mas lá estava ele, enfiando os dedos dos pés na areia molhada, rindo enquanto uma onda os perseguia na margem. Ele não parecia o Don. Parecia um homem sem fardos. Parecia... feliz.
Coloquei o celular virado para baixo na mesa. Eu tinha acabado de quebrar meu próprio coração.
Dirigi direto para a mansão dos meus pais em Alphaville.
Meu pai era o Consigliere. O conselheiro. A sombra que sussurrava no ouvido do Don. Ele estava sentado em seu escritório, entrincheirado em uma fortaleza de livros com capa de couro e o cheiro forte e doce de fumaça de charuto.
Minha mãe estava arrumando rosas brancas perto da janela.
"Vou embora", afirmei, minha voz firme.
Meu pai ergueu os olhos por cima da armação de seus óculos de leitura. "Para a lua de mel?"
"Não. Para uma bolsa de pesquisa. Em Lalan."
Minha mãe deixou cair uma rosa. Ela bateu no chão com um baque suave. "Lalan? Isso é do outro lado do mundo, Nina. E o Dante? E o casamento?"
"O casamento está cancelado", eu disse.
O quarto ficou tão silencioso que pude ouvir o relógio de pêndulo cortando o silêncio.
Meu pai tirou os óculos, dobrando-os lentamente. "Ele te machucou?"
"Não", eu disse. "Nós só... queremos coisas diferentes."
"Ele é o Don, Nina", disse meu pai, sua voz baixando para aquele tom severo de conselheiro. "Você não simplesmente abandona o Don. É um insulto."
"Ele não vai se importar", eu disse, sem emoção. "Ele está ocupado."
Não contei a eles sobre o bebê. Não contei sobre Isabel. A vergonha mataria minha mãe. E meu pai... meu pai seria forçado a escolher entre seu sangue e seu juramento. Eu sabia qual ele escolheria. O Código vinha primeiro. Sempre.
"Estou partindo em dez dias", eu disse. "Só queria que vocês soubessem."
Meu pai me olhou por um momento longo e agonizante. Ele viu algo em meus olhos. Talvez tenha visto o cansaço profundo. Talvez tenha visto uma determinação que espelhava a sua.
"Não olhe para trás, Nina", ele disse suavemente, quebrando o personagem. "Se você for, nunca olhe para trás."
Eu assenti. Virei nos calcanhares e saí.
Dirigi direto para o apartamento de Linda.
Linda era a única esposa no círculo que desprezava a vida tanto quanto eu. O marido dela era um soldado, um executor de baixo escalão. Ela conhecia a escuridão que se escondia por trás do glamour.
Ela abriu a porta e ofegou no momento em que viu meu rosto.
Contei tudo a ela. O dossiê. A gravidez. A "Dívida de Vida".
Ela sentou na mesa de centro, a boca ligeiramente aberta, processando o horror.
"Ele acha que ela o salvou?", ela sussurrou.
"Sim."
"Mas..." Linda se levantou, as mãos se fechando em punhos apertados ao lado do corpo. "Você o salvou! Eu estava lá, Nina! Eu dirigi o carro de fuga! Eu esfreguei o sangue dele das suas roupas!"
"Eu sei", eu disse em voz baixa.
"Você tem que contar a ele, Nina! Você tem que dizer a ele que Isabel de Luca provavelmente estava fazendo as unhas enquanto você tirava uma bala da artéria femoral dele!"
"Não importa", eu disse.
"Importa! Muda tudo!" Ela estava andando de um lado para o outro agora, frenética. "Ele está arruinando a vida dele – e a sua – com base em uma mentira!"
"Ele fez a escolha dele, Linda. Ele a escolheu. Mesmo que soubesse... ele ainda dormiu com ela. Ele ainda me humilhou publicamente."
Linda parou de andar. Seus olhos brilhavam. "Eu vou matá-lo. Vou marchar até o escritório dele e gritar a verdade na cara dele."
"Não", eu disse, minha voz afiada como um bisturi. "Você fez um juramento, Linda. Omertà."
Respirei fundo. "Se você contar a ele, você me implica. Meu pai saberá que eu estava praticando medicina de campo sem autorização. Ele vai me deserdar. Ou pior."
Linda parou. Ela olhou para mim, lágrimas brotando em seus olhos, derrotada pela lógica do nosso mundo.
"Então você vai simplesmente deixá-lo acreditar que ela é a heroína?"
Levantei-me e joguei minha bolsa sobre o ombro.
"Deixe-o ter sua heroína", eu disse. "Não quero um homem que precisa de um recibo para provar que me ama."
Caminhei até a porta, minha mão pairando sobre a maçaneta.
"Dez dias, Linda. Então eu sumo."
E Dante de Rossi será o único homem em São Paulo que não percebe que sua rainha já deixou o tabuleiro.