Ponto de Vista da Grazi
O ar da noite estava amargo, cortando o tecido fino do meu vestido para morder meus braços nus, mas eu não sentia.
Eu estava queimando de dentro para fora.
Caminhei em direção aos jardins da propriedade, meus saltos afundando na grama macia e úmida a cada passo furioso.
- Grazi!
Passos pesados batiam atrás de mim. Urgentes.
Não parei.
Uma mão agarrou meu cotovelo, me girando.
Jonas.
Seu rosto estava pálido, os olhos arregalados com uma mistura de horror e choque.
- Você falou - ele respirou, o peito arfando. - Grazi, você... você falou.
Puxei meu braço do aperto dele com um movimento brusco e violento.
Olhei para ele com a fria indiferença de uma estranha.
- Por que você não me contou? - exigiu ele, a voz subindo em pânico. - O Dr. Esteves disse que poderia levar anos. Você disse aquilo na frente de todo mundo. Na frente dos Capos.
Encarei-o, estudando o medo em seus olhos.
Ele não estava feliz por eu ter recuperado minha voz.
Ele não estava olhando para um milagre; ele estava olhando para um problema.
Ele estava preocupado com o protocolo. Ele estava preocupado que eu o tivesse envergonhado.
- Diga de novo - ordenou ele, o desespero vazando em seu tom. - Fale comigo.
Fiquei em silêncio.
Meu silêncio não era mais uma deficiência.
Era uma arma.
Ele passou a mão pelo cabelo, andando em um círculo apertado como um animal enjaulado.
- Você não entende a pressão que estou sofrendo - disse ele, voltando-se para mim. - Dantas controla os sindicatos. O pai da Letícia controla as importações. Tive que deixá-la ganhar. É política, Grazi. É pela Família.
*Pela Família.*
A desculpa para todo pecado.
- Fiz isso por nós - disse ele, aproximando-se, a voz suavizando. - Para garantir minha posição e poder manter você segura.
Olhei para o pulso dele.
Ele estava estendendo a mão para a minha.
A manga do smoking subiu.
Ele estava usando um Rolex.
Dourado. Chamativo. Novinho em folha.
Na semana passada, ele estava usando a pulseira de couro trançado que fiz para ele.
Aquela que passei três dias tecendo até meus dedos sangrarem.
Aquela que ele jurou que nunca tiraria porque era sua "armadura".
Tinha sumido.
Substituída por ouro.
Substituída por Letícia.
Olhei de volta para os olhos dele.
Ele viu para onde eu estava olhando.
Ele estremeceu, puxando a manga para baixo rapidamente para esconder a evidência.
- Ela me deu hoje à noite - murmurou ele, incapaz de sustentar meu olhar. - Não pude recusar. Seria um insulto.
Dei um passo lento para trás.
O protetor que eu amava não existia.
Ele era apenas um garoto brincando de se vestir com o terno de um gângster, apavorado com a ideia de perder sua coroa.
- Partimos para a Cúpula na sexta-feira - disse ele, a voz endurecendo, tentando recuperar o controle que sabia estar perdendo. - O chalé de caça. Você vem.
Balancei a cabeça.
- Não é um pedido - ele retrucou. - Você é minha protegida. Você vai aonde eu for. Especialmente agora. Preciso saber o que mais você está escondendo.
Ele agarrou meu queixo, forçando-me a olhar para ele.
Seus dedos eram ásperos.
- Você pertence a mim, Grazi. Não se esqueça disso.
Não pisquei.
Deixei que ele visse o vazio nos meus olhos.
Eu iria para a Cúpula.
Não porque ele me ordenou.
Mas porque o chalé de caça ficava a dezesseis quilômetros da rodovia interestadual.
Era o lugar perfeito para desaparecer.
Afastei-me do toque dele e caminhei de volta para a casa.
Não olhei para trás.
Derramei uma única lágrima na escuridão.
Foi a última coisa que ele receberia de mim.