Letícia ria, a mão manicurada descansando possessivamente no alto da coxa dele.
Jonas olhava pela janela, o maxilar travado, mas não empurrou a mão dela.
Meu celular vibrou contra minha perna.
*Mensagem de Jonas: Pare de olhar para nós. Tenho que fazer isso.*
Deslizei a notificação e apaguei a conversa sem ler duas vezes.
Outro zumbido.
*Mensagem de Jonas: Você trouxe as baterias extras para o aparelho auditivo?*
A falsa preocupação fez meu estômago revirar. Bloqueei o número dele.
Chegamos ao chalé assim que o sol começou a sangrar atrás das montanhas.
Não era uma casa de férias; era uma fortaleza de madeira, fortificada contra o mundo por uma floresta densa e implacável.
Soldados já patrulhavam o perímetro, seus fuzis de assalto pendurados baixos e prontos.
- Integração de equipe! - anunciou Letícia alegremente enquanto desfazíamos as malas. - Papai diz que a confiança é a moeda do nosso mundo.
Ela não perdeu tempo organizando um jogo na sala principal.
Verdade ou Desafio.
Idealmente adequado para álcool e crueldade.
Retirei-me para o canto, encolhendo-me em uma poltrona com meu caderno de desenho.
Para quem olhasse, eu estava desenhando as árvores lá fora. Na realidade, eu estava rascunhando um mapa tático do perímetro que memorizei durante a aproximação.
- Grazi - a voz de Letícia cortou a sala. - Sua vez. Verdade ou desafio?
Não levantei os olhos, mantendo meu lápis de carvão em movimento.
- Ah, é mesmo - ela riu, o som agudo e quebradiço. - Você não pode fazer Verdade. Você não fala. Desafio então.
Antes que eu pudesse reagir, ela atravessou a sala e arrancou o caderno das minhas mãos.
- Ei!
Ela arrancou a página com um rasgo violento.
- Chato - declarou ela, amassando meu mapa de fuga em uma bola. - Desafio você a ir pegar minha bolsa no SUV. Esqueci meu batom.
Encarei-a, meu aperto aumentando no caderno vazio.
Eu não era uma serva. Eu não era a empregada dela.
Jonas observava da lareira de pedra.
Ele segurava um copo de uísque, o líquido âmbar girando enquanto ele balançava o copo.
- Apenas faça, Grazi - disse ele, a voz pesada de exaustão. - Não cause uma cena.
Levantei-me devagar.
Meu sangue fervia sob a pele, mas forcei meu rosto a permanecer inexpressivo.
Caminhei até a porta.
Precisava verificar a rotação da guarda de qualquer maneira. Era uma retirada tática.
Fiquei fora por cinco minutos, não mais.
Quando voltei, a sala estava em silêncio.
Um silêncio morto, sufocante.
Letícia estava parada ao lado de sua mala aberta, soluçando nas mãos.
Jonas segurava algo contra a luz.
Era um medalhão de prata.
O medalhão antigo da avó dela.
- Estava na mochila dela - chorou Letícia, apontando um dedo trêmulo para minha mochila, que havia sido despejada no chão. - Vi a ponta para fora. Ela roubou!
O ar saiu da sala.
Roubo dentro do círculo interno não era apenas um crime.
Era uma ofensa capital.
Era uma violação fundamental do Código.
Todos se viraram para olhar para Jonas.
Marcos estava lá. Os filhos dos outros Capos assistiam, julgando.
Eles esperavam sentir o cheiro de sangue. Esperavam ver se ele era fraco.
Esperavam ver se ele protegeria seu "animal de estimação" em vez da aliança.
Jonas caminhou até mim, as botas pesadas no assoalho.
Ele ergueu o medalhão, a corrente de prata pendurada como uma forca.
- Você pegou isso? - perguntou ele, a voz desprovida de calor.
Balancei a cabeça violentamente.
Levantei as mãos, sinalizando rapidamente: *Não. Ela plantou. Nunca toquei nisso.*
- Mentirosa! - gritou Letícia, o rosto retorcido. - Você sempre teve inveja de mim!
Jonas olhou para os soldados que o observavam.
Ele olhou para Letícia, a chave para as rotas comerciais do sul.
Então ele olhou para mim.
E eu vi o momento em que a humanidade dele morreu.
- Isso é inaceitável - disse ele friamente. - Roubo não pode ser tolerado.
Ele apontou para o chão aos seus pés.
- Ajoelhe-se.
Meu coração parou de bater.
- Jonas - murmurei, o nome com gosto de cinzas.
- Eu disse ajoelhe-se! - rugiu ele, a voz sacudindo as paredes de madeira e vibrando através dos meus ossos. - Peça desculpas a ela. Agora.
Ele estava me despindo na frente deles sem tocar nas minhas roupas.
Ele estava tirando a única coisa que me restava.
Minha dignidade.
Se eu não me ajoelhasse, ele pareceria fraco para seus homens.
Se eu não me ajoelhasse, ele seria forçado a me machucar fisicamente para provar sua autoridade.
Meus joelhos bateram no chão de madeira dura com um baque nauseante.
Baixei a cabeça, meu cabelo caindo para frente para cobrir meu rosto.
Eu podia sentir o calor dos olhares deles queimando minha pele.
- Sinto muito - sinalizei, meus movimentos espasmódicos, rígidos e mecânicos.
Letícia sorriu através das lágrimas falsas, uma predadora satisfeita com o abate.
- Tudo bem - ela fungou alto. - Ela só não sabe o que faz. Ela é quebrada.
Jonas se virou abruptamente.
Ele não conseguia nem olhar para o que tinha feito.
Fiquei no chão.
Eu não estava rezando por perdão.
Eu estava fazendo uma promessa a mim mesma.
Quando eu finalmente me levantasse deste chão, eu não iria apenas embora.
Eu queimaria este mundo inteiro até as cinzas.