Eu estava sozinha. Heitor nunca visitou. Kênia, é claro, estava ausente. Meus amigos, a quem eu protegi da verdadeira depravação do meu casamento, presumiram que eu estava me recuperando na privacidade da minha casa luxuosa, atendida pelos melhores médicos que o dinheiro poderia comprar. Eles não poderiam me imaginar aqui, em um quarto de hospital padrão, abandonada.
As enfermeiras eram gentis, seus rostos gravados com uma piedade silenciosa que eu achava mais difícil de suportar do que a dor física. Cada troca de curativo, cada injeção, parecia uma violação íntima, um lembrete brutal de quão quebrada eu estava, quão completamente sozinha.
Uma noite, ouvi duas enfermeiras sussurrando do lado de fora da minha porta. Suas vozes eram baixas, mas no silêncio do meu quarto, cada palavra era um trovão.
"Você acredita nisso?", uma sussurrou. "A Sra. Mendonça, aqui, sozinha. E a nova noiva do Sr. Heitor, na suíte VIP, com ele praticamente morando lá."
"Eu sei", a outra suspirou. "Ele a está cobrindo de presentes, trazendo chefs de Paris para cada desejo dela. Enquanto isso, a Sra. Mendonça foi arrastada da cirurgia de emergência por uma tigela de canja. É monstruoso."
Fechei os olhos com força, fingindo dormir. As palavras, embora familiares, ainda torciam uma faca em minhas entranhas. Ele a estava cobrindo de presentes. Trazendo chefs. A ironia era um gosto amargo na minha boca. Eu tinha suportado tanto, tudo por um homem que podia prodigalizar tal atenção a outra, enquanto me deixava para morrer. Eu estava entorpecida agora, uma estranha aceitação desapegada se instalando sobre mim.
O dia da minha alta foi tão sombrio quanto meu humor. Uma manhã cinzenta e chuvosa de São Paulo. Ninguém veio me buscar. Assinei os papéis eu mesma, um fantasma de mulher, vestida com roupas emprestadas. A chuva parecia espelhar o vazio em minha alma.
Quando saí do hospital, uma voz familiar chamou meu nome. "Cristina! Meu Deus, Cristina!"
Era Sara, minha melhor amiga da faculdade. E Horácio Potts, outro amigo em comum, seus olhos gentis cheios de preocupação. Eles correram em minha direção, seus rostos gravados com preocupação. Eu não tinha contado a eles sobre o incidente. Eu não tinha contado a ninguém.
"Nós soubemos", disse Sara, sua voz embargada de emoção. "Sobre o acidente. Tentamos falar com você. Por que você não ligou?"
Eu apenas balancei a cabeça, incapaz de falar. Eles me envolveram em um abraço caloroso, um conforto que eu não sabia que precisava desesperadamente.
"Vamos tirar você daqui", disse Horácio, sua voz gentil. "Vamos te levar a algum lugar para te animar."
Eles me levaram a uma boate animada, um contraste gritante com meu humor sombrio. A música era alta, as luzes fracas. Meus outros amigos estavam lá também, uma pequena reunião de rostos familiares. Eles me prodigalizaram atenção, suas palavras um bálsamo para meu espírito machucado.
"Adeus àquele peixe frio, Heitor!", declarou uma amiga, erguendo o copo. "Você merece muito melhor, Cristina!"
"Ele nunca te valorizou", acrescentou outra. "Você é brilhante, linda e finalmente está livre."
Um sorriso frágil tocou meus lábios. Foi o primeiro sorriso genuíno no que pareceu uma eternidade. Por um breve momento, cercada por seu afeto genuíno, senti um lampejo da minha antiga eu.
Pedi licença para usar o banheiro, precisando de um momento para me recompor. Quando voltei, a mesa estava vazia. Meu coração se apertou com um pânico súbito.
"Com licença", perguntei a um garçom que passava, minha voz trêmula. "Meus amigos, o grupo daquela mesa? Para onde eles foram?"
Ele pareceu desconfortável, olhando para uma sala VIP privativa nos fundos. "Eles... eles foram levados, senhora. Pela Srta. Hewitt. Ela insistiu."
Kênia. Um pavor frio se instalou em meu estômago. Eu conhecia aquele brilho em seus olhos. Ela estava aprontando alguma coisa.
Abri a porta da sala VIP. A visão que me saudou fez meu sangue ferver. Kênia, com o rosto corado de álcool, estava rindo, o braço jogado em volta de Sara. Sara parecia desconfortável, seus olhos se voltando para a porta. Meus outros amigos tentavam intervir, mas os seguranças de Kênia permaneciam como gigantes imóveis.
"Kênia, o que você pensa que está fazendo?", exigi, minha voz afiada, uma fúria protetora surgindo dentro de mim.
Kênia se virou, seus olhos se estreitaram. "Olha só quem está aqui", ela arrastou as palavras, sua voz pingando veneno. "A Sra. Ex-esposa. Veio reivindicar seu círculo patético de amigos?"
Nesse momento, a porta atrás de mim se abriu novamente. Heitor. Ele entrou na sala, seus olhos varrendo a cena. Seu olhar encontrou Kênia instantaneamente, depois se voltou para mim, um lampejo de irritação em seus olhos.
"Kênia", ele disse, sua voz fria, afiada como gelo. "O que é isso? O que você fez?"
Kênia, surpreendentemente, respondeu. "O quê? Você acha que eu sou o problema, Heitor? É ela que está tentando roubar meus amigos!" Ela apontou um dedo trêmulo para mim. "Ela está sempre tentando estragar tudo!"
O assessor de Heitor, Dantas, entrou correndo atrás dele, parecendo agitado. "Sr. Heitor, Srta. Hewitt, houve um mal-entendido. O Sr. Heitor estava apenas esclarecendo sua agenda para a Srta. Hewitt, e ela interpretou mal a ligação dele. Ele não estava com outra mulher."
Kênia o ignorou, seus olhos queimando com uma fúria bêbada. Ela se lançou sobre minha amiga, agarrando o braço de Sara. "Você está comigo agora! Heitor é meu! E os amigos dele também!"
Minha paciência se esgotou. "Solte-a, Kênia!", gritei, um rugido protetor rasgando minha garganta. Avancei, pronta para puxá-la fisicamente.