Tomei um gole lento do meu café preto. Era amargo, espelhando o gosto de bile que eu vinha engolindo há semanas.
"Estive revisando as contas da fundação de caridade da família, Donato," eu disse, mantendo minha voz suave, desprovida de emoção. "Notei algumas... irregularidades. Despesas parasitárias que estão sangrando o fundo."
Donato parou, sua faca pairando no ar. Ele ergueu o olhar, seus olhos escuros e pesados perfurando os meus. Ele era um predador por natureza, e reconheceu a mudança na pressão atmosférica. Ele não via a nora submissa e enlutada hoje. Ele via uma jogadora sentada à mesa.
"É mesmo?" ele perguntou, seu interesse aguçado.
"Acho que é hora de cortarmos o peso morto," afirmei, sustentando seu olhar. "Começando pelas mesadas discricionárias para membros não essenciais da família. Precisamos priorizar o legado, não financiar os hobbies de aproveitadores."
Ele me encarou por um longo e tenso momento. Então, um sorriso pequeno, quase imperceptível, tocou os cantos de seus lábios. Era um olhar de aprovação.
"Marcos," ele chamou seu Consigliere, que se misturava às sombras perto da parede. "Faça como ela diz."
Marcos assentiu uma vez e começou a digitar em seu tablet.
Duas horas depois, a onda de choque atingiu a mansão.
As notícias viajavam rápido em nosso mundo. Sofia tentou comprar uma bolsa de grife de edição limitada na cidade, apenas para ter seu Cartão Black recusado. O boato era que os vendedores não foram nada discretos sobre a rejeição.
Eu estava sentada no jardim da família, um livro aberto no meu colo, embora não tivesse virado uma página em vinte minutos. O ar estava perfumado com jasmim, mas a paz estava prestes a ser quebrada.
Ouvi a comoção antes de vê-la.
Sofia marchava pelo gramado bem cuidado, seu rosto corado de um vermelho manchado. Ela parecia pronta para gritar, para me despedaçar. Mas no momento em que me viu, sua expressão mudou instantaneamente.
A raiva desapareceu, substituída por uma máscara de preocupação doce e de olhos arregalados. Foi uma troca terrivelmente praticada.
Estávamos perto dos estábulos da família. Era um dia de reunião, o que significava que várias esposas de Capos estavam presentes, bebendo champanhe sob o pavilhão branco e observando os puro-sangues.
Sofia se aproximou de mim. Ela usava um traje de montaria personalizado que provavelmente custava mais que o PIB de um pequeno país.
"Catarina," ela arrulhou, estendendo a mão para entrelaçar seu braço no meu. "Está tudo bem? Ouvi dizer que houve uma falha terrível com as contas."
Ela estava me testando. Ela queria uma reação, uma cena pública que pudesse manipular.
Senti uma repulsa física ao seu toque. Era como ter uma víbora se enrolando no meu bíceps.
Eu me afastei. Não a empurrei. Não a golpeei. Simplesmente recuei, desengajando meu membro do dela como se ela fosse contagiosa.
"Espaço pessoal, Sofia," eu disse, minha voz caindo para um registro gélido.
Os olhos de Sofia se arregalaram. Ela tropeçou para trás, embora não houvesse nada para tropeçar. Ela jogou os braços para fora, desequilibrou-se de propósito e caiu para trás na grama lamacenta com um suspiro teatral.
"Oh!" ela gritou, agarrando o tornozelo e fazendo uma careta de dor fingida. "Catarina, por que você me empurrou?"
A conversa sob o pavilhão parou instantaneamente.
As esposas correram, seus saltos afundando na grama, cacarejando como um bando de galinhas agitadas.
"Como você pôde?" uma delas sibilou para mim, ajoelhando-se ao lado de Sofia. "Ela é apenas uma garota."
"Tão sem coração," outra sussurrou alto o suficiente para todos ouvirem.
Eu fiquei ali, congelada no centro da tempestade. O gaslighting foi instantâneo. Coletivo. Elas viram o que queriam ver.
Então vieram os passos pesados e urgentes.
Alexandre veio dos estábulos, suas botas batendo na terra. Ele não olhou para mim. Ele foi direto para Sofia, pegando-a nos braços como se ela fosse feita de vidro fiado.
"Você está machucada?" ele perguntou, sua voz pingando uma ternura que fez meu estômago revirar.
"Estou bem," Sofia choramingou, enterrando o rosto na curva do pescoço dele, escondendo seu sorriso de escárnio. "Ela não quis. Eu provavelmente só... tropecei."
Alexandre virou a cabeça. Seus olhos encontraram os meus, e eram cacos de gelo azul.
"Peça desculpas," ele ordenou.
Eu olhei para ele. Olhei para a mulher encenando uma tragédia contra seu peito.
"Não," eu disse.
"Catarina," ele avisou, sua voz um rosnado baixo.
"Eu não a toquei," afirmei calmamente, recusando-me a recuar.
Ele zombou, o nojo curvando seu lábio. "Você está com ciúmes. É patético."
Ele virou nos calcanhares e a levou para a casa principal. As esposas me encararam, balançando a cabeça em julgamento, antes de segui-los como uma procissão fúnebre.
Fiquei sozinha na lama, o silêncio ensurdecedor.
Mais tarde naquela tarde, um anúncio foi feito. Para "compensar" Sofia por seu sofrimento, Alexandre daria pessoalmente a ela aulas particulares de equitação.
Eu observei da varanda do segundo andar.
Lá embaixo, no picadeiro, Alexandre ajustava a pegada de Sofia nas rédeas. Ele estava de pé atrás dela, seu peito pressionado contra as costas dela. Ele sussurrou algo em seu ouvido, e ela riu, jogando a cabeça para trás, expondo sua garganta.
Ele entregou a ela as rédeas de *Obsidiana*, seu garanhão favorito. Ele nunca deixava ninguém montar aquele cavalo. Nem mesmo eu.
Uma memória brilhou - eu, pedindo a ele para vir aos meus ensaios de balé. O assento vazio na primeira fila, noite após noite, zombando de mim.
"*A dignidade é mais importante que a vida,*" Donato me disse uma vez.
Neste momento, minha dignidade estava sendo pisoteada na terra daquele picadeiro junto com as pegadas dos cascos.
Alexandre não estava apenas me traindo. Ele estava me apagando.
Afastei-me da varanda, a imagem deles gravada em minhas retinas. Eu precisava de uma nova estratégia. Eu era uma rainha em um tabuleiro de xadrez onde o rei havia desertado para o outro lado.
Era hora de parar de jogar na defesa.