O ar saiu dos meus pulmões.
Três anos atrás, ele havia encomendado um capacete semelhante para mim. Era um símbolo da minha aceitação no círculo íntimo. Deveria significar que eu pertencia.
Fui até meu armário. Meu capacete estava na prateleira de cima, coberto por uma fina camada de poeira.
Uma dor aguda e irregular cortou meu peito. Não era apenas sobre os objetos. Era a transferência de privilégio. A transferência de status.
Peguei meu equipamento. Eu precisava cavalgar. Precisava sentir o vento no meu rosto, para fugir da sufocação desta casa antes que ela me esmagasse completamente.
Selei a égua mais temperamental do estábulo, uma fera negra chamada Fúria. Os cavalariços me olharam com preocupação, dando um passo à frente para ajudar, mas eu os dispensei. Minhas mãos tremiam de raiva enquanto eu apertava a cilha, cega demais pela raiva para verificar novamente o equipamento.
Entrei na arena de saltos. Alexandre e Sofia estavam na extremidade oposta, rindo. Eles não olharam para cima.
Incitei Fúria a galopar. O ritmo de seus cascos batia na terra, combinando com a batida frenética do meu coração.
Havia um salto oxer alto à frente. Era perigoso. Era exatamente o que eu precisava.
"Voe," eu sussurrei.
Nós nos lançamos no ar. Por um segundo, me senti sem peso. Me senti livre.
Então, ouvi um estalo.
A correia da cilha que segurava minha sela cedeu.
A gravidade assumiu o controle. A sela deslizou violentamente para o lado. Perdi meus estribos.
Caí no chão com força.
O impacto me deixou sem ar. Um estalo doentio ecoou da minha perna direita.
A dor explodiu. Era um fogo branco e quente consumindo meu corpo, me cegando, roubando minha voz.
Deitei na terra, ofegando por ar. Através da névoa de agonia, olhei para a outra extremidade da arena.
Alexandre não havia se movido.
Ele ainda estava conversando com Sofia. Ele nem mesmo virou a cabeça.
Percebi então que eu poderia morrer aqui mesmo, e ele não notaria até que o silêncio se tornasse inconveniente.
"Socorro!" eu gritei, minha voz rouca e quebrada.
Um cavalariço correu, seu rosto pálido.
*
Uma hora depois, eu estava na ala médica particular da família. Minha perna estava engessada, elevada em travesseiros rígidos.
Alexandre finalmente entrou. Ele segurava um buquê de lírios genéricos. O tipo que você compra em um posto de gasolina como um pensamento tardio.
"Você deveria ser mais cuidadosa," ele disse, colocando as flores na mesa de cabeceira. Ele não se sentou.
"A sela quebrou," eu disse, minha voz desprovida de emoção.
"Equipamentos falham." Ele encolheu os ombros, um rolar displicente de seus ombros largos. "Vou mandar os cavalariços verificarem."
Ele ajustou o cobertor sobre meus pés. Seu toque era mecânico. Ele estava cumprindo um dever. Não havia preocupação em seus olhos, apenas irritação por sua tarde ter sido interrompida.
"Descanse," ele disse. "Tenho negócios."
Ele saiu.
Naquela noite, a dor me manteve acordada. Fiquei olhando para o teto, contando as rachaduras no gesso.
Ouvi vozes no corredor.
"É só uma perna quebrada, Marcos," a voz de Alexandre flutuou pela porta. "Ela já teve piores. Pare de agir como se fosse uma tragédia."
"A fivela foi lixada, Alexandre." A voz de Marcos era baixa, urgente. "Não foi um acidente. Sofia foi vista perto do armário de arreios dela esta manhã."
Meu coração parou.
Houve um silêncio. Um silêncio longo e pesado.
"Ela só estava tentando ensinar uma lição a Catarina," Alexandre disse finalmente. "Catarina a envergonhou com a coisa do cartão de crédito. Deixe para lá."
"Mas chefe-"
"Eu disse para deixar para lá."
Frio.
Um frio absoluto e congelante me invadiu. Começou nos meus dedos dos pés e subiu até meu couro cabeludo.
Ele sabia.
Ele sabia que ela havia sabotado minha sela. Ele sabia que ela poderia ter me matado.
E ele não se importava.
Ele a estava protegendo. Ele estava permitindo que ela me caçasse.
Fechei os olhos. Uma única lágrima vazou, quente contra minha pele fria.
Não a enxuguei. Deixei secar.
Não gritei. Não joguei o vaso de lírios contra a parede.
Fiquei ali no escuro e fiz uma promessa ao teto.
Eu não diria mais uma palavra sobre isso. Não reclamaria. Eu suportaria.
Porque o silêncio é o grito mais alto de uma mulher que já se cansou.