Eles roubaram tudo: Agora eu tomo
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Capítulo 2

Na manhã seguinte à verdade que estilhaçou meu mundo, o ar na mansão parecia pesado, denso de mentiras não ditas. Meus membros, ainda fracos por anos de inatividade forçada e da drogadição insidiosa de Ricardo, doíam com uma pulsação surda e persistente. Mas a dor em meu coração eclipsava todo desconforto físico, uma ferida aberta gravada profundamente em minha alma. Era um membro fantasma, o amor que eu tivera por Ricardo, agora violentamente amputado.

Ricardo apareceu ao lado da minha cama, um sorriso forçado no rosto, um copo da minha "vitamina de recuperação" habitual na mão. Seus olhos, antes percebidos como carinhosos, agora pareciam vazios, refletindo apenas sua pretensão calculada.

- Bom dia, meu amor - ele chilreou, sua voz um bálsamo praticado. - Dormiu bem? Você apagou bem rápido ontem à noite. - Ele afastou uma mecha de cabelo do meu rosto, um gesto que costumava me encher de calor, agora apenas de nojo. - Tive uma reunião tardia, mas me certifiquei de que a Jade cuidasse de tudo.

Ele ofereceu a vitamina, um símbolo de seu engano, sua textura cremosa agora repugnantemente repulsiva. Olhei para ela, depois para seu rosto expectante, uma centelha de desafio se acendendo dentro de mim. A antiga Helena teria aceitado, grata, subserviente. Mas a antiga Helena estava morta.

- Não - eu disse, minha voz surpreendentemente firme, embora parecesse cacos de vidro na minha garganta. Empurrei sua mão, o copo tilintando suavemente contra a mesa de cabeceira. - Eu não quero.

O sorriso de Ricardo vacilou, um brilho de surpresa em seus olhos. Ele não estava acostumado com meu desafio. Sua fachada perfeitamente esculpida rachou um pouco.

- Está tudo bem, queridinha? Você geralmente adora suas vitaminas.

- Estou bem - respondi, meu olhar inabalável. Meu tom era plano, desprovido de emoção, uma mudança sutil que pareceu confundi-lo. Era o desprezo silencioso de uma rainha se dirigindo a um camponês, embora ele ainda não tivesse percebido sua despromoção.

Ele hesitou, depois, lenta e relutantemente, colocou o copo de volta na mesa de cabeceira.

- Tudo bem, se você insiste. O que posso pegar para você então? - Ele parecia perturbado, irritado com esse desvio inesperado da minha rotina programada.

- Apenas água - eu disse simplesmente. - Água pura. Da torneira.

Ele assentiu, ainda parecendo confuso, e se virou para chamar a empregada. Quando Maria, nossa gentil governanta, chegou, seus olhos se arregalaram um pouco ao ver a vitamina intocada.

- Maria, a Sra. Monteiro gostaria de um pouco de água da torneira - instruiu Ricardo, seu tom um pouco mais áspero que o normal. - E, por favor, certifique-se de que seja apenas água.

Maria olhou para mim, depois para a vitamina, um brilho sutil de apreensão em seus olhos.

- Claro, Sr. Ricardo. Mas... a Srta. Jade disse que as bebidas da Sra. Monteiro devem ser preparadas especialmente. Ela deu instruções estritas para não desviar.

As palavras me atingiram como um golpe físico. Jade. Ela não era apenas sua assistente; ela era a diretora da minha prisão. Ela controlava tudo, até minha hidratação básica. Meu maxilar se contraiu.

- É mesmo, Jade? - perguntei, minha voz cortando o ar como uma faca. Jade, que acabara de entrar no quarto, parou abruptamente, uma expressão presunçosa no rosto. Seus olhos se estreitaram ao encontrar meu olhar.

- Apenas garantindo seu bem-estar, Helena - respondeu Jade, sua voz doce como sacarina, um contraste gritante com o veneno que ela havia cuspido na noite anterior. - Você sabe como você é delicada. E às vezes, pessoas como nós simplesmente não sabem o que é melhor para si mesmas. Especialmente quando estamos... confinadas. - Seu olhar varreu minhas pernas imóveis, um sorriso condescendente nos lábios. - Estou apenas pensando na reputação do Ricardo. Ele não pode ter sua esposa parecendo menos do que perfeitamente cuidada, pode? Isso reflete mal nele.

Meu estômago se revirou. A pura audácia, a manipulação fria. Ela estava sugerindo que eu era um passivo, uma mancha em sua imagem perfeita. Por um momento fugaz, senti uma onda familiar de desespero, o peso esmagador de sua influência, os anos de gaslighting sutil que me fizeram duvidar da minha própria sanidade. Isso se instalou profundamente em meu âmago.

Meu olhar instintivamente se voltou para Ricardo, um apelo silencioso por apoio, para que ele visse a verdade, para me defender. Ele estava ao lado de Jade, seu braço ainda casualmente em volta dela, seu rosto uma imagem de neutralidade fingida. A esperança, uma brasa minúscula e tola, morreu instantaneamente.

- A Jade está certa, Helena - disse Ricardo, sua voz firme, não deixando espaço para discussão. Ele até deu um aperto tranquilizador no braço de Jade. - Ela só está cuidando de você. Você tende a... pensar demais nas coisas. E sua condição, você sabe, pode ser bastante desgastante. Nós só queremos que você fique confortável. - Ele se aproximou, sua voz baixando para um sussurro condescendente. - Não faça um escândalo, querida. Não pega bem.

As palavras eram um estrangulamento invisível, roubando meu fôlego. Minha condição. A mesma coisa que ele havia causado. A traição final. Meus olhos arderam, mas me recusei a deixar as lágrimas caírem. Eles não valiam a pena. Ele não valia a pena.

Uma clareza profunda me invadiu. Isso não era sobre mal-entendido, ou um lapso momentâneo de julgamento. Esta era uma campanha deliberada e calculada para me destruir, orquestrada pelo homem que eu amava, auxiliada pela mulher cujo pai me aleijou. Eles eram um par de víboras, enroladas e prontas para atacar. O desespero se transformou em uma raiva fria e dura, uma fornalha queimando profundamente em meu peito.

Respirei fundo, suavizando conscientemente as arestas cruas de minhas emoções.

- Claro, Ricardo - eu disse, minha voz calma, quase serena. - Você está certo. Peço desculpas. Apenas um copo d'água, Maria, por favor.

Ricardo olhou para mim, um brilho de surpresa, depois alívio, cruzando seu rosto. Ele realmente acreditou em mim. Acreditou na minha submissão. Ele estava tão cego por sua própria arrogância, por seu senso de controle, que não conseguia ver o vulcão se formando sob minha aparência plácida. Tolo.

- Viu, Jade? - disse Ricardo, um sorriso presunçoso voltando ao seu rosto. - Ela entende. Sempre entende, eventualmente. - Ele deu a Jade um olhar triunfante, como se tivesse acabado de domar uma fera selvagem.

Jade retribuiu o sorriso, depois voltou seu olhar para mim. Um brilho de triunfo puro e não adulterado dançou em seus olhos, uma declaração silenciosa e viciosa de vitória. Ela inclinou a cabeça, um sorriso suave e malicioso brincando em seus lábios.

Foquei no papel de parede estampado, nas pequenas imperfeições do gesso, qualquer coisa para manter meu olhar longe do rosto triunfante de Jade, do rosto complacente de Ricardo. Minha mente era um turbilhão de memórias, promessas quebradas e revelações arrepiantes. Ele havia prometido para sempre, prometido cuidado, prometido uma vida. Todas palavras vazias, projetadas para me manter confinada, tanto física quanto emocionalmente.

Assim que Ricardo saiu do quarto, presumivelmente para lidar com algum negócio urgente de CEO de tecnologia, o comportamento de Jade mudou imediatamente. O sorriso doce desapareceu, substituído por um sorriso cruel e predatório. Ela pegou uma delicada estatueta de porcelana da minha mesa de cabeceira, um presente da minha avó, um pequeno pássaro empoleirado em um galho. Ela a examinou, virando-a na mão, seus olhos brilhando com malícia.

- Sabe - ela disse, sua voz baixa e venenosa -, esta casa, estas coisas... em breve, serão todas minhas. Cada pedacinho. - Com um movimento do pulso, ela deixou a estatueta cair. Ela se estilhaçou no chão de mármore, um som agudo e violento que ecoou no quarto silencioso. Ela nem sequer se encolheu. - Assim como todo o resto.

Eu assisti, imóvel, um grito silencioso preso no meu peito. Ela estava desmantelando sistematicamente minha vida, peça por peça, bem na minha frente.

- Diga-me, Jade - perguntei, minha voz mal um sussurro, mas carregada de uma nova e arrepiante resolução. - Como está o Horácio? Seu pai.

O nome pairou no ar, uma nuvem venenosa. Jade congelou, seu rosto perdendo a cor. Seus olhos, geralmente tão confiantes, dispararam pelo quarto, um brilho de pânico em suas profundezas.

- Do que você está falando? - ela gaguejou, sua voz fina, forçada. - Não conheço ninguém com esse nome.

Meu olhar permaneceu fixo nela, inabalável. Uma satisfação fria se espalhou por mim. Minhas suspeitas foram confirmadas.

- Não se faça de boba, Jade. Horácio Tavares. O homem que me atropelou e me deixou para morrer. Seu pai.

Sua compostura se estilhaçou. Seus olhos, arregalados de medo, de repente se estreitaram com a raiva desesperada de um animal encurralado.

- E se for? - ela cuspiu, sua voz subindo, perdendo toda a pretensão de calma. - Ele te fez um favor, sua aleijada patética! Você era apenas um empecilho para o Ricardo, um brinquedo quebrado que ele foi forçado a manter! - Ela deu um passo mais perto, sua voz um silvo. - E o Ricardo? Ele sempre te odiou. Ele se casou com você pelas conexões da sua família, mas ele me amava. Sempre. Ele encobriu o acidente do meu pai, não por causa dele, mas por minha causa. Para me manter segura, para me manter ao seu lado. Você nunca foi mais do que um inconveniente temporário!

As palavras, embora confirmando meus piores medos, não tinham mais o poder de me estilhaçar. Eram meramente peças de um quebra-cabeça, agora totalmente montado, revelando uma imagem de depravação total. Senti uma onda de náusea, mas foi rapidamente substituída por uma calma gélida.

- E o império que você acha que está construindo com ele? - perguntei, minha voz perigosamente suave. - É um castelo de cartas. Construído sobre mentiras e meu sofrimento.

- Meu império, Helena - ela corrigiu, um sorriso distorcido retornando. - Ricardo me prometeu tudo. Ele está construindo para nós. Você é apenas um fantasma na máquina, uma memória esquecida. Em breve, você estará fora desta casa, fora de nossas vidas, e ninguém sequer se lembrará que você existiu. - Ela pegou minha bengala prateada, um símbolo da minha frágil independência, e com um escárnio, a quebrou sobre o joelho. O estalo agudo ecoou no quarto, uma pontuação brutal para sua crueldade. - Vê isto? Isto é o que resta da sua vida patética. Nada.

            
            

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