Eles roubaram tudo: Agora eu tomo
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Capítulo 3

Um grito cru e gutural rasgou minha garganta, um som que eu não sabia que era capaz de fazer. Era uma mistura de dor e raiva pura e não adulterada. A bengala, minha última aparência de independência, jazia em dois pedaços quebrados no chão, espelhando os fragmentos estilhaçados da minha confiança.

Jade, no entanto, parecia se deleitar com minha agonia. Ela se virou para Maria, que estava congelada na porta, segurando o copo d'água.

- Maria! Tire-a daqui! Não quero ouvir mais nenhum som dela. Coloque-a no pequeno depósito lá embaixo. É lá que as coisas quebradas pertencem, não é?

Os olhos de Maria dispararam entre mim e Jade, o terror gravado em seu rosto. Suas mãos tremiam, derramando água no chão.

- Mas, Srta. Jade, aquele quarto... é frio. E escuro.

O rosto de Jade endureceu, sua voz baixando para um sussurro ameaçador.

- Você quer se juntar a ela, Maria? Ou talvez perder seu emprego? Seus filhos não vão comer se você estiver na rua, vão?

A ameaça pairou pesada no ar. Maria, com os ombros caídos em derrota, assentiu entorpecida. Dois seguranças corpulentos, convocados pelo sinal silencioso de Jade, entraram no quarto. Eles me levantaram, não gentilmente, da minha cadeira de rodas, ignorando meus protestos, e me carregaram pelas escadas sinuosas, passando por retratos familiares e lustres brilhantes, para as profundezas esquecidas do porão.

O depósito era uma caixa apertada e sem ar, cheia de móveis antigos empoeirados e caixas esquecidas. A única luz vinha de uma única lâmpada suja pendurada precariamente no teto. Estava frio, úmido e cheirava a mofo e decadência. Eles me colocaram em uma poltrona gasta e comida por traças, minha cadeira de rodas quebrada abandonada no corredor. A porta bateu, mergulhando-me na escuridão.

As horas se arrastaram. O frio se infiltrou em meus ossos, fazendo minhas pernas já dormentes doerem com uma dor nova e mais aguda. Meu estômago roncava de fome, minha garganta seca. Eu chamei, minha voz rouca, mas apenas o silêncio ecoante respondeu. Sem comida, sem água, apenas a escuridão opressiva e a percepção arrepiante de que minha vida havia descido a um pesadelo. Eles queriam me punir. Me quebrar completamente.

Finalmente, a porta rangeu, admitindo uma fresta de luz. Jade estava lá, uma sombra alta e imponente, seu rosto cuidadosamente desprovido de emoção, mas seus olhos continham um brilho triunfante. Ela segurava uma bandeja de comida, mas era apenas um adereço para sua performance.

- Ainda aqui, Helena? - ela ronronou, sua voz escorrendo falsa preocupação. - Pensei que um pouco de tempo sozinha poderia te fazer ver a razão. Ricardo é um homem muito importante, e ele precisa de uma esposa que entenda seu lugar. Alguém que não cause problemas. Alguém que seja... grata. Ele pensa em tudo, sabe. Ele é tão leal.

Encontrei seu olhar, meus olhos queimando com um desafio silencioso e inabalável. Eu não lhe daria a satisfação de me ver quebrar. Minha dor era uma coisa privada, uma fornalha que alimentava minha resolução.

Um brilho de irritação cruzou seu rosto. Minha resistência silenciosa claramente a enervou.

- Não me olhe assim, Helena - ela retrucou, uma pitada de desespero em seu tom. - Você não é nada. Você não tem nada. - Ela fez uma pausa, então um sorriso cruel retornou. - Ricardo quer você de volta lá em cima. Ele está se sentindo misericordioso. Não o faça se arrepender.

Os guardas voltaram, me levantando mais uma vez. Enquanto subíamos as escadas, os sons familiares da casa, antes reconfortantes, agora pareciam estranhos, uma zombaria da vida que eu conhecera. Assim que chegamos ao patamar, a porta da frente se abriu e Ricardo entrou. Ele parecia cansado, mas seu rosto se iluminou quando me viu.

- Helena! Aí está você! - ele exclamou, correndo em minha direção, uma ternura forçada em sua voz. Ele estendeu uma pequena caixa de veludo. - Eu trouxe algo para você. Apenas uma pequena bugiganga para mostrar o quanto eu me importo. Você tem estado tão quieta ultimamente, meu amor. - Ele abriu a caixa, revelando um pingente de diamante brilhante, uma peça grande e ostensiva que parecia totalmente fora de lugar. Era cafona, um contraste gritante com as peças delicadas que ele costumava me comprar. Uma oferta de paz, um pacificador. Um suborno.

Pelo canto do olho, vi o corpo de Jade enrijecer. Seus lábios se afinaram, e seu olhar, geralmente tão calculado, vacilou por um momento, um flash de ciúme puro e venenoso em seus olhos. A máscara de indiferença que ela usara para mim rachou, revelando a mulher crua e possessiva por baixo.

- Ora, Ricardo - eu disse, minha voz cortando sua fachada sacarina. - Que atencioso. Mas mal acho que isso pode compensar a maneira como a Jade me tratou lá embaixo. Ou pela bengala quebrada. - Meu olhar se voltou para Jade, uma acusação silenciosa.

A expressão de Ricardo mudou instantaneamente. A ternura fingida desapareceu, substituída por uma mistura de irritação e raiva mal velada.

- Do que você está falando, Helena? A Jade nunca te machucaria. Ela se importa com você. - Ele se virou para Jade, um olhar questionador em seu rosto.

Jade, sempre a manipuladora, rapidamente se adiantou. Seus olhos se encheram de lágrimas e seu lábio inferior tremeu.

- Oh, Ricardo, ela só está chateada. Eu... eu só tentei ajudá-la, para garantir que ela estivesse confortável. Mas ela estava tão zangada, tão confrontadora. Acho que ela entendeu mal. - Ela colocou uma mão trêmula em seu braço, seus olhos arregalados e inocentes. - Eu nunca a machucaria intencionalmente. Você sabe disso.

Meu estômago se contraiu. Sua fácil credulidade, sua fé cega nela, era doentia. Ele queria acreditar nela. Era mais fácil do que enfrentar a verdade de suas próprias ações monstruosas.

- Viu, Helena? - disse Ricardo, sua voz mais suave agora, dirigida a Jade, cheia de segurança. - Ela só está tentando ajudar. Você é sempre tão rápida em acusar. - Ele se virou para mim, seu tom endurecendo. - Talvez você esteja apenas sendo dramática. De novo.

Jade me lançou um olhar triunfante, uma torção sutil de seus lábios que falava volumes. Ela havia vencido esta rodada, e ela sabia disso.

- Ricardo, ela quebrou minha bengala - afirmei, minha voz plana, recusando-me a deixá-lo descartar isso. - Aquela que você me comprou.

Ele suspirou, um som de profunda impaciência.

- Helena, é apenas uma bengala. Eu te compro outra. Uma melhor. Por que você está tão fixada em trivialidades? A Jade não fez nada além de tentar te ajudar. E você continua fazendo essas acusações. - Seu olhar estava cheio de exasperação, como se eu fosse uma criança petulante.

- É assim que você chama, Ricardo? Trivialidades? - perguntei, uma risada amarga me escapando. - Minha mobilidade, minha dignidade, o bem-estar da sua esposa... tudo trivial?

Ele passou a mão pelo cabelo, claramente exasperado.

- Helena, você precisa entender. A Jade passou por muita coisa. A família dela... o pai dela... eles enfrentaram imensas dificuldades. Eu devo a eles. - Ele fez uma pausa, seu olhar distante, perdido em alguma narrativa auto-servil. - Quando eu era criança, minha família estava lutando. O pai dela, Horácio, uma vez me fez uma grande gentileza. Um favor enorme, quando ninguém mais faria. Sempre me senti em dívida com ele. Com eles. Apoiar a Jade, garantir a segurança do pai dela, é meu dever. Minha honra.

Meu queixo caiu. A audácia. A pura e não adulterada hipocrisia. Ele estava transformando seu hediondo encobrimento em um ato de caridade nobre, usando uma dívida de infância fabricada como um escudo para sua traição. Ele queria que eu entendesse suas razões para destruir minha vida, para proteger o mesmo homem que me aleijou.

- Você espera que eu entenda que você tem me drogado, sabotado minha recuperação e escondido um criminoso por causa de alguma dívida de infância fabricada com a filha dele? - perguntei, minha voz subindo, perdendo sua calma cuidadosamente construída. Meu corpo tremia com o esforço de conter um grito.

- Não é fabricada, Helena! - ele retrucou, sua voz afiada e fria. - E eu não estou te 'drogando'. É medicação para te ajudar a relaxar, a controlar sua dor. Você sempre foi tão frágil, tão nervosa. Isso só te ajuda a lidar. - Ele estendeu o pingente de diamante novamente. - Agora, pare com essa bobagem. Pegue o presente. E pare de fazer cena.

Olhei para os diamantes brilhantes, depois para seus olhos frios e insensíveis. Meu coração se estilhaçou em um milhão de pedaços irreparáveis. Não foi apenas uma traição; foi uma tortura ativa e prolongada. Ele não me via como uma esposa, ou mesmo um ser humano. Eu era um obstáculo, um problema a ser gerenciado, um fardo a ser suportado e, finalmente, uma coisa a ser substituída.

Uma risada histérica borbulhou do meu peito, crua e quebrada, rapidamente seguida por soluços que sacudiram todo o meu corpo. Era um som de luto profundo, não por ele, mas pela mulher bonita e confiante que eu fora, pelo amor em que eu tão tolamente acreditara. Era o som da minha alma sangrando.

Enquanto ele se afastava com nojo, vislumbrei-me refletida no chão de mármore polido: uma mulher, quebrada e chorando, presa em um corpo que não a obedecia, sua vida roubada pelo mesmo homem que jurou amá-la. E naquele momento, algo mudou. As lágrimas secaram. Os soluços cessaram. Uma resolução fria como aço preencheu o vazio onde meu coração estivera.

Ele me prometeu recuperação. Ele me prometeu um futuro. Ele me prometeu amor. Tudo mentira. E eu, Helena Monteiro, herdeira do império Monteiro, paguei o preço final por seu engano. Mas ele havia esquecido um detalhe crucial. A família Monteiro não esquece. Nós não perdoamos. E nós sempre, sempre cobramos nossas dívidas. Ele me fez sofrer por sete anos. Era hora de ele pagar.

Ricardo, você não tem ideia do que você libertou.

            
            

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