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Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

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Ponto de Vista de Helena Cardoso:
O galpão zumbia com um tipo diferente de silêncio depois que eles partiram. Um silêncio onde a presença deles ainda cutucava minha pele. Eduardo queria dizer mais, eu sabia. Mas não havia mais nada a ser dito. Para ele, talvez. Para mim? Tudo.
Mas esse "tudo" estava enterrado fundo, sob concreto e aço. Minha vida agora era sobre sobrevivência, não sobre reviver fantasmas. Minhas mãos, calejadas e manchadas, eram um testemunho disso. Eram para levantar caixas, não para segurar mãos.
Meu turno acabou, e o ar frio da noite mordeu minha pele exposta enquanto eu caminhava para casa. Casa. A palavra era uma piada cruel. Era uma quitinete caindo aos pedaços em cima de um boteco pé-sujo, o ar denso com o cheiro de óleo de cozinha velho e desespero. O colchão afundava no meio, um vale perpétuo do meu cansaço. A única janela dava para uma parede de tijolos pichada. Estava muito longe da cobertura elegante que eu dividia com Eduardo nos Jardins, aquela com vistas panorâmicas da cidade.
Uma batida súbita e insistente na minha porta fina me assustou. Meu coração pulou para a garganta. O aluguel venceu ontem. Dona Sônia, a proprietária, era notória por suas cobranças noturnas.
"Só um minuto!", gritei, minha voz rouca. Apertei o cinto do meu roupão gasto, preparando-me para a ladainha de sempre sobre pagamentos atrasados.
Destranquei a fechadura, abrindo a porta apenas o suficiente para espiar pela fresta. Meus olhos se arregalaram. Não era Dona Sônia.
Eduardo estava lá, seu terno caro parecendo ridiculamente fora de lugar no corredor imundo. Ao lado dele, Selene Lacerda, envolta em um casaco de seda que provavelmente custava mais que meu aluguel anual, seu cabelo loiro perfeito brilhando sob a luz fraca do corredor. Ela segurava uma bolsa de grife, e seus olhos, antes predatórios em um tribunal, agora tinham um brilho calculista.
"Helena", Eduardo sussurrou, o rosto gravado de preocupação.
Tentei bater a porta, minha mão ardendo quando o pé de Eduardo se enfiou na fresta. Ele a empurrou com uma força surpreendente, impulsionando a si mesmo e a Selene para dentro do meu minúsculo quarto.
Selene deu um passo para dentro e imediatamente recuou, levando a mão ao nariz. Seu olhar varreu o espaço apertado, o papel de parede descascando, o fogão elétrico de uma boca no chão. Um arrepio percorreu seu corpo, um claro calafrio de nojo.
"Meu Deus, Eduardo", ela sussurrou, sua voz pingando falsa piedade. "É assim que ela vive?"
Eu a encarei, meus punhos cerrados ao lado do corpo. "Fora daqui", sibilei, apontando para a porta. "Os dois."
Selene me ignorou, seus olhos finalmente pousando no meu rosto. Ela soltou um pequeno suspiro teatral. "É você mesmo. Eu e o Edu estávamos comentando... sabe, depois de todos esses anos, sendo dada como morta, o funeral, tudo..."
Meu sangue gelou. O funeral. A zombaria de tudo aquilo. "O que vocês querem?", perguntei, minha voz perigosamente baixa.
Ela sorriu, um sorriso sacarino e venenoso. "Nós só viemos ver se você estava... bem. Afinal, você foi declarada legalmente morta." Seu olhar percorreu meu quarto miserável novamente, um julgamento silencioso. "Embora 'bem' pareça um pouco exagerado, não é?"
Minhas mãos tremiam com uma raiva tão potente que ameaçava me consumir. "Já terminou de se gabar?"
Selene riu, um som frágil e desagradável. "Ah, Helena, não seja tão dramática. Estamos apenas tentando ajudar." Ela fez uma pausa, depois colocou a mão em sua barriga ligeiramente arredondada. "Eu e o Eduardo, estamos esperando um bebê. Um novo começo para nossa família, sabe?" Seus olhos, frios e triunfantes, encontraram os meus. "Uma família de verdade."
Minha respiração ficou presa na garganta. Olhei para ela, depois para Eduardo, que evitava meu olhar, o rosto pálido. A notícia me atingiu como um golpe físico, embora não devesse. O que era mais uma traição em uma vida inteira delas?
"Já acabou?", eu disse, minha voz mal um sussurro, mas tingida com uma frieza que pareceu surpreendê-la. "Então saia."
Selene piscou, pega de surpresa pela minha falta de reação. Ela esperava lágrimas, histeria, uma cena. Em vez disso, não obteve nada.
Eduardo, sua voz rouca com o que soava como arrependimento genuíno, finalmente falou. "Helena, por favor. Deixe-nos te ajudar. Você não precisa viver assim." Ele tirou um bolo grosso de notas de cem reais da carteira, oferecendo-o a mim. "E aqui. Para um novo começo. Eu e a Selene até encontramos uma vaga para você em uma de nossas filiais. É uma página em branco. Uma nova identidade, até."
Selene interveio: "Pense nisso como... velhos amigos se reencontrando. Estávamos preocupados com você, afinal." Seu sorriso era enjoativamente doce.
Olhei para o dinheiro, depois para o elegante cartão de visita que ela estendeu. "Amigos?", ri, um som áspero e seco. "Você chama isso de amizade?"
Selene agarrou o braço de Eduardo, puxando-o em direção à porta. "Vamos, querido. Já fizemos nossa boa ação. Ela claramente não aprecia."
Eduardo hesitou, seus olhos demorando-se em mim, cheios de uma súplica desesperada. "O Caio sente sua falta, Helena. Ele fala de você o tempo todo."
Eu não vacilei. Não mais. Bati a porta com toda a minha força, a madeira frágil tremendo em seu batente.
O silêncio que se seguiu foi um alívio, mas durou pouco. Olhei para o dinheiro que Eduardo havia enfiado na minha mão, depois para o cartão de visita. Com um rosnado de nojo, rasguei o cartão em pedacinhos, deixando-os flutuar até o chão como cinzas. Joguei o dinheiro no fogão elétrico, observando as notas baratas se enrolarem e enegrecerem nas bordas.
A 'ajuda' deles não era ajuda. Era culpa. Uma tentativa de comprar a absolvição pela destruição que causaram. Mas minha vida, minha dignidade, não estava à venda. Não mais. E certamente não para eles.