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Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

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Ponto de Vista de Helena Cardoso:
Não respondi à mensagem. O convite ficou no meu celular pré-pago, uma brasa brilhante de um passado que eu estava tentando extinguir. Fui trabalhar no dia seguinte, a mesma rotina. Meu corpo doía, um companheiro constante da minha nova vida. Era uma dor surda nos meus ombros, um torcicolo persistente no meu pescoço, a queimação familiar nos meus músculos. Esta era minha penitência, minha realidade.
Eu estava empurrando um carrinho carregado de caixas pesadas pelo chão do galpão quando o vi. Caio. Ele estava parado sem jeito na entrada, vestido com uma camisa branca impecável e jeans escuro, parecendo deslocado em meio ao caos industrial.
Ele tinha dezoito anos agora. Alto, magro, mas ainda com aquela inclinação leve, quase imperceptível, da cabeça quando estava inseguro. Sua condição cardíaca congênita, antes uma sombra constante sobre sua infância, parecia ter recuado. Ele parecia saudável, vibrante. O dinheiro de Selene, sem dúvida, comprou-lhe o melhor tratamento. Era um eco doloroso, porque eu costumava cuidar dele exatamente assim.
Ele me viu, e seus olhos, arregalados e esperançosos, se fixaram nos meus. Ele deu um passo hesitante para a frente. "Mãe?", ele sussurrou, a voz falhando.
Continuei empurrando o carrinho, meu olhar fixo à frente. Meu coração era uma pedra no peito. Eu não podia olhar para ele. Ainda não. Talvez nunca.
"Mãe, por favor", ele implorou, correndo para me alcançar, agarrando a alça do meu carrinho. "Eu sei que você recebeu minha mensagem. Você vem?"
O carrinho parou bruscamente. Olhei para a mão dele no metal, depois, lenta e deliberadamente, a removi. "Eu disse ao seu pai", falei, minha voz plana, "que estou ocupada."
Seu rosto desabou. "Mas são meus dezoito anos. É importante." Seus olhos estavam cheios de lágrimas. "Eu realmente quero você lá."
Lembrei-me de lágrimas semelhantes, de súplicas semelhantes. *Mãe, por favor, não fique brava. Eu não quis quebrar.* Essas lágrimas sempre funcionavam comigo. Naquela época, elas rasgavam minha determinação, deixando-me impotente a cada capricho dele. Mas aquela Helena estava morta há muito tempo.
"Eu estarei lá", ouvi-me dizer, as palavras um eco oco no vasto espaço. Não era uma promessa, não de verdade. Era uma rendição. Uma concessão a um fantasma. Eu precisava ir até o fim, para finalmente fechar este capítulo, de uma vez por todas.
Um lampejo de esperança brilhou em seus olhos. Um sorriso pequeno e hesitante tocou seus lábios. "Sério? Você vai?"
"Não se atrase", eu disse, minha voz ainda desprovida de calor, e passei por ele, retomando meu trabalho.
Ele apenas ficou lá, me observando, uma mistura de alívio e confusão em seu rosto.
O trajeto até o Salão Imperial do Hotel Unique pareceu interminável. Caio sentou-se ao meu lado em seu carro elegante e caro, tentando puxar conversa. "Mãe, você está... diferente. Mas bem. Muito bem."
Mantive meu olhar fixo nas luzes da cidade que passavam. "A vida muda as pessoas, Caio", respondi, minha voz seca.
Ele tentou novamente. "Tenho me esforçado muito na escola. Papai disse que talvez eu consiga entrar na USP."
Não ofereci parabéns, nem elogios. Apenas mais silêncio. Cada palavra que ele dizia parecia uma tentativa desesperada de preencher um abismo que há muito tempo engolira qualquer esperança de conexão.
O Salão Imperial do Hotel Unique. Um edifício grandioso e opulento, gotejando ouro e cristal. Não era exatamente o local para uma simples festa de 18 anos. Quando paramos no valet, notei os arranjos florais elaborados, o quarteto de cordas tocando uma melodia romântica. Isso parecia menos um aniversário e mais... outra coisa.
"Caio", eu disse, uma premonição fria subindo pela minha espinha. "O que exatamente é isso?"
Seu rosto ficou pálido, seus olhos desviando dos meus. "É... é uma surpresa", ele murmurou, a voz tensa de desconforto.
Uma surpresa, com certeza. Uma surpresa para mim, sem dúvida.
Quando entramos no luxuoso salão principal, meu sangue gelou. Meu olhar varreu os convidados elegantemente vestidos, as mesas intermináveis carregadas de comida fina e champanhe. Pousou no palco central, banhado por uma luz suave e dourada.
Eduardo estava de joelhos, uma caixa de veludo aberta na mão, um diamante deslumbrante brilhando sob os holofotes. Selene estava diante dele, a mão pressionada contra a boca, lágrimas escorrendo pelo rosto. Um pedido de casamento perfeito.
Meu maxilar se contraiu, uma risada amarga borbulhando na minha garganta. Então era isso. Não a celebração de Caio. Mas a deles. Uma declaração pública de seu amor distorcido, construído sobre as cinzas da minha vida. O tapa final na minha cara.
A música romântica cresceu, depois vacilou, quando minha presença foi registrada. Uma ondulação percorreu a multidão. Sussurros surgiram, transformando-se em um murmúrio baixo que varreu o salão. Todos os olhos se voltaram para mim, parada ali como um fantasma em meu vestido simples e gasto, um espectro indesejado em seu conto de fadas cuidadosamente orquestrado.
A cabeça de Selene se virou bruscamente. Seu rosto, antes radiante de alegria, perdeu toda a cor. Ela tropeçou um passo para trás, a mão ainda pressionada contra a boca, mas desta vez em choque genuíno.
Eduardo, ainda de joelhos, também notou minha presença. Seus olhos se arregalaram e ele instintivamente, quase imperceptivelmente, tentou esconder a caixa do anel atrás das costas. O covarde.
"Helena?", ele gaguejou, levantando-se desajeitadamente, o rosto uma máscara de falsa surpresa. "O que você está... fazendo aqui?"
Os sussurros ficaram mais altos, mais ousados. "Aquela é... Helena Cardoso?", uma mulher sibilou, sua voz se destacando no silêncio repentino. "A advogada com a licença cassada? A que falsificou provas?"
"Ouvi dizer que ela tentou fugir da justiça", murmurou outra voz. "E então ela simplesmente desapareceu. Dada como morta, certo?"
"Ela era uma praga", cuspiu um homem. "Ameaçou minha família com um processo por uma patente trivial. Já foi tarde, eu digo."
Minha mente voltou sete anos, para o processo de patente que foi minha ruína. Era um caso complicado, um dispositivo médico inovador. Eu havia derramado meu coração e alma nele, lutando por meu cliente, uma pequena startup cuja inovação prometia salvar vidas, contra uma gigante corporativa poderosa. Eu acreditava na justiça, na verdade.
Eu havia reunido evidências meticulosamente, construindo um caso sólido como uma rocha. Meu cliente era inocente, sua patente válida. Eu estava à beira da vitória. Até que descobri quem era a advogada da outra parte. Selene Lacerda. A namorada de faculdade de Eduardo, a mulher por quem ele sempre suspirou secretamente.
No dia do julgamento, apresentei minha última e irrefutável prova - um memorando interno provando a descoberta independente do meu cliente e o roubo descarado do cliente de Selene. Era uma vitória clara e concisa.
Então, Selene se levantou. Com um sorriso presunçoso, ela apresentou um contra-documento. Um memorando forjado. Idêntico ao meu, mas com mudanças sutis, mudanças condenatórias, que faziam minha evidência parecer uma fabricação. E a fonte? O servidor da minha própria firma. Meu computador pessoal.
Meu sangue gelou. Meu mundo girou em seu eixo. Eu soube, naquele instante, que haviam armado para mim.
Meus olhos, arregalados de horror, instintivamente se voltaram para a galeria de espectadores. Eduardo estava sentado lá, pálido, o olhar fixo no chão. Ele não conseguia me encarar. Naquele momento, as peças se encaixaram. Suas noites tardias, seu comportamento distante, as perguntas veladas sobre os arquivos do meu caso. Ele estava trabalhando com ela. Seu primeiro amor. Para me destruir.
O veredito veio rapidamente. Licença da OAB cassada. Condenada por má prática jurídica. Três anos de prisão. Minha reputação, minha carreira, minha vida, tudo em ruínas. A pior parte? Meu cliente, a startup inocente, foi esmagada. Seu CEO, um homem brilhante e apaixonado, arrasado pela injustiça e pela reação pública, tirou a própria vida semanas depois. Sua morte pesava sobre mim, um fardo esmagador de culpa.
E agora, aqui estavam eles. Comemorando. No dia em que Caio deveria estar comemorando seu aniversário. Uma zombaria distorcida de uma reunião, um monumento à sua traição.
Eu estava presa, cercada por seu julgamento, seus sussurros. O ar parecia denso, sufocante. Minha cabeça girava. A traição era tão profunda, tão absoluta. Senti a raiva familiar e ardente começar a ferver. Era a hora. A hora do conto de fadas deles terminar.