No meio da tarde, a pequena Maya estava na aula de balé. Evelyne aproveitou para arrumar o quarto da menina. Estava dispersa até que a porta se abriu, deixando-a em alerta. A governanta trazia uma caixa que fora entregue por um mensageiro particular com luvas brancas.
- O senhor Verran mandou trazer alguns vestidos da falecida e espera que você esteja pronta para o jantar.
- Não posso aceitar roupas de uma pessoa que não está mais aqui, Sra. Lúcia. Posso usar o meu uniforme.
A governanta deu um sorriso breve antes de dizer:
- Isso não é um favor. Ele está te dando uma ordem.
- Não! - Ultrajada, Evelyne continuou a se recusar.
"Ele acha que sou o quê? Uma boneca de luxo?" Irritada, Evelyne resmungou mentalmente.
- Eu te avisei pra ficar na ala Oeste, mas você desobedeceu... - sussurrou a governanta. - Agora, se veste antes que ele te entregue para as autoridades.
Evelyne sentiu a bile subir. Gostava de ser babá da pequena Maya, mas odiava ser a substituta falecida. Calma, Evelyne, respira... se for pra derrubar esse homem, eu vou ter que entrar no jogo dele, planejou internamente. Se vestir as roupas de Mariane a colocava mais perto da verdade que procurava para se vingar do bilionário, ela o faria.
A governanta saiu, e Evelyne afastou a caixa. Não queria tocá-la. Quando finalmente se forçou a abri-la, encontrou peças de alta-costura, tecidos finos e caros que nunca haviam sentido o toque de Mariane, mas que estavam carregados de seu perfume. No topo, uma nota seca de Cian: "Vista o azul-marinho e não se atrase. Você é minha convidada."
"Convidada." Mais uma mentira descarada para justificar a obsessão dele. "Sou uma prisioneira desse idiota com figurino caro", pensou, xingando o patrão com desprezo..
O vestido azul-marinho era elegante, com um corte simples que acentuava a cintura. Ao vesti-lo, Evelyne sentiu uma onda de repulsa ao se olhar no espelho. Ela lembrou da foto de Mariane no porta-retratos na mesa de cabeceira de Maya no momento em que via o próprio reflexo. A semelhança era inegável; e aquela roupa a transformava numa cópia mais pálida da memória de Cian.
Foi então que ela percebeu um detalhe. Um pequeno nó de seda costurado discretamente na parte interna do forro, perto da bainha. Curiosa, ela desfez o nó e sentiu um objeto rígido e minúsculo. Não era parte da costura. Era um pendrive ou elegantemente escondido.
Por que um dispositivo eletrônico estaria costurado dentro de um vestido de Mariane? Seria uma armadilha de Cian para testá-la, ou seria uma pista plantada pela própria Mariane antes de sua morte?
Evelyne escondeu o pendrive rapidamente em sua lingerie. "Bingo. Parece que a 'perfeita' Mariane tinha segredos." Constatou Evelyne, animada.
Ela tinha o pressentimento de que o preço da semelhança tinha lhe dado a primeira chave para o passado da falecida.
Participar do jantar era a única chance que ela teria de testar a vigilância e tentar entrar em contato com um mundo externo. Evelyne saiu do quarto anexo para o corredor. Imediatamente, o chefe de segurança, um homem robusto apareceu no final do corredor, como se estivesse esperando por um sinal.
- O chefe está te esperando, Srta. Mendes.
A sala de jantar estava à meia-luz, com a mesa posta apenas para dois. Maya já havia jantado. Era uma refeição privada, íntima e totalmente controlada. Cian estava na cabeceira, vestindo um terno cinza-grafite slim fit. Seus olhos se levantaram no momento em que ela entrou, e a frieza habitual se desfez ao vê-la desfilando graciosamente.
Ele se levantou, caminhando lentamente ao redor da mesa para encontrá-la. Seu olhar não estava fixo nela, mas na roupa, no modo como o vestido de Mariane caía sobre seu corpo.
- Você está perfeita, Evelyne - ele murmurou num barítono aveludado.
- Eu sou só um manequim, senhor Verran.
- Não. Você não é. - Ele finalmente colocou os dedos em suas costas nuas, e o contato causou um calor que se espalhou pelo ombro de Evelyne.
"Tira a mão de mim, seu sádico," ela praguejou mentalmente, mantendo um sorriso falso.
Cian tirou do bolso um delicado colar de diamante. Não era uma joia simples, mas uma gargantilha que parecia sufocar.
- Essa jóia fica perfeita em você.
Cian estava tão perto que ela podia sentir o cheiro de seu perfume amadeirado e a proximidade da sua respiração.
- Não precisa se incomodar. - Evelyne se afastou, tentando extinguir aquela sensação.
- Eu insisto.
Ele a virou e começou a abotoar a joia em seu pescoço.
Evelyne sentiu o toque frio do metal e, em seguida, a pressão quente dos dedos do patrão em sua nuca. Em certo momento, a ponta do nariz dele passou na base de seu pescoço, causando um leve arrepio em sua pele.
- Por que você não usou o perfume que estava na caixa? - Distanciando-se, ele indagou.
- Tinha um cheiro muito doce. Odeio perfumes com aromas adocicados. - Havia um desprezo velado na voz de Evelyne.
- Tudo bem! - Ele grunhiu, puxando a cadeira. - Gosto mais do seu cheiro... - as palavras maliciosas preencheram o ambiente. - Senta aí!
A maneira como seus dedos se fechavam em torno da taça de cristal denunciava a frustração que ela provocou minutos antes.
"Isso mesmo, Cian. Fica bem frustrado, porque o jantar mal começou e eu já tenho o que preciso para acabar com você." divagando em sua mente, ela sussurrou.