Uma Noite, Seu Legado Oculto
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Capítulo 4

Clara POV:

O mundo girou ao meu redor enquanto eu lutava para me equilibrar. A mão de Marcos Dantas, um borrão de raiva, vinha direto para o meu rosto. Mas antes que ela se conectasse, um borrão de movimento vindo de trás dele. Um baque surdo ecoou pela sala. Dantas engasgou, seus olhos arregalados de choque, e desabou no chão.

Júlio.

Ele estava sobre Dantas, seu peito arfando, seu punho ainda cerrado. Seus olhos, geralmente tão controlados, estavam selvagens, ardendo com uma fúria desconhecida. Ele nem sequer olhou para mim. Seu olhar estava fixo na forma inconsciente de Dantas, depois se voltou para os outros dois homens, que estavam paralisados, claramente intimidados pela selvageria inesperada de Júlio.

"Fora", Júlio rosnou, sua voz baixa e perigosa, um som que eu nunca o ouvira fazer. "Agora."

Os homens, sentindo a violência crua e indomada que irradiava dele, não hesitaram. Eles saíram correndo do apartamento, deixando Dantas em uma pilha no chão.

Júlio não se moveu por um momento, seu corpo rígido, sua respiração irregular. Então, ele se virou lentamente, seus olhos finalmente pousando em mim, depois em Gabi, que estava se levantando lentamente do chão. Seu olhar suavizou, um lampejo de preocupação substituindo a raiva.

"Você está bem, Gabi?", ele perguntou, sua voz ainda áspera, mas recuperando um pouco de seu controle habitual.

"Estou bem, Júlio", ela disse, esfregando o braço. "Graças a você."

Ele assentiu, depois olhou para mim, seus olhos perscrutando meu rosto. "Clara?"

Senti uma mistura confusa de emoções: alívio por ele ter vindo, raiva por suas ações passadas e um estranho medo deste novo e feroz Júlio. Eu ainda estava tremendo, um suor frio umedecendo minha pele.

Nesse momento, Helena, parecendo impossivelmente etérea em uma camisola de seda, saiu do elevador. Seus olhos varreram a cena caótica, depois pousaram em Júlio, sua expressão mudando para uma de inocência de olhos arregalados.

"Júlio? O que aconteceu? Ouvi uma confusão." Sua voz era suave, frágil. Ela apertou um xale delicado em volta dos ombros.

Júlio imediatamente se moveu em direção a ela, suas feições duras suavizando. "Não é nada, Helena. Apenas alguns problemas. Já acabou."

Ela olhou para o corpo inconsciente de Dantas, depois para mim, um sorriso sutil, quase imperceptível, brincando em seus lábios. "Foi... relacionado à informação que encontrei sobre a oferta de aquisição do Grupo Vasconcelos? Aquela que eu acidentalmente encontrei enquanto procurava seus artigos de pesquisa, Júlio? Eu só estava tentando ajudar, mas acho que piorei as coisas." Ela lhe deu um olhar choroso e suplicante. "Sinto muito, Júlio. Eu só queria te proteger, proteger seu trabalho."

O rosto de Júlio se nublou com preocupação e um profundo senso de responsabilidade. Ele colocou o braço em volta dela, puxando-a para perto. "Não, Helena. Não é sua culpa. Você não fez nada de errado." Ele olhou para mim, um aviso em seus olhos.

Helena, aninhada ao lado de Júlio, fixou seu olhar no meu. Seus olhos, geralmente tão inocentes, continham um triunfo arrepiante. Era uma mensagem silenciosa: *Ele é meu. Ele sempre será.* Ela apertou o braço de Júlio, depois permitiu que ele a levasse de volta para a segurança de seu apartamento, deixando-me de pé nos destroços da sala de estar de Gabi, um gosto amargo na boca. Minha raiva, um inferno furioso momentos atrás, era agora uma cinza fria e morta.

Eu os observei ir, um profundo sentimento de desespero se instalando sobre mim. Ele sempre a escolheria. Sempre.

Depois que Marcos Dantas foi levado pela polícia, preso por invasão de domicílio e agressão, Gabi me ajudou a limpar. A adrenalina lentamente drenou do meu corpo, deixando-me totalmente exausta e entorpecida.

"Ele te salvou, Clara", disse Gabi em voz baixa, tentando oferecer algum conforto.

"Ele salvou seu sacrifício", retruquei, a amargura retornando. "Ele não pode deixar nada acontecer com a irmã de Catarina. Ele nunca se perdoaria."

Minha mente voltou para a maneira como Helena falou sobre a "informação" que ela "acidentalmente encontrou". Cheirava a manipulação. Ela era uma mestra em interpretar a vítima frágil, explorando a culpa de Júlio.

Terminei de limpar o vidro quebrado. Uma resolução fria e dura se solidificou em meu peito. Liguei para Caio.

"Pai", eu disse, minha voz embargada por lágrimas não derramadas, "estou voltando para casa. Preciso resolver algumas coisas."

Caio, sempre o irmão mais velho protetor, ficou imediatamente preocupado. "O que aconteceu, Clara? Você está bem?"

"Eu vou ficar", prometi, as palavras com gosto oco. "Mas preciso estar aí. Preciso estar aqui para o papai. E para o Grupo Vasconcelos."

Na manhã seguinte, acordei com uma dor de cabeça latejante e um renovado senso de propósito. Eu tinha que garantir o futuro da minha família. Meu próprio futuro. O Grupo Vasconcelos estava sob cerco, uma aquisição hostil orquestrada por rivais que capitalizavam os recentes problemas de saúde do meu pai. Eu estava escondida no Rio, lambendo minhas feridas, enquanto minha família lutava pela sobrevivência. Não mais.

Fiz as malas, deixando o apartamento do Rio para trás sem olhar. Meu voo de volta para São Paulo foi preenchido com uma determinação sombria. A trivialidade do meu desgosto pessoal de repente parecia insignificante em comparação com a crise que minha família enfrentava.

Horas depois, entrei na sede do Grupo Vasconcelos, o zumbido familiar da atividade um contraste gritante com minha turbulência interna. Caio me encontrou no escritório do meu pai, seu rosto tenso, linhas de preocupação gravadas ao redor de seus olhos.

"Clara", ele disse, me puxando para um abraço apertado. "Estou feliz que você voltou."

"Como está o papai?", perguntei, minha voz tensa de preocupação. Meu pai, um titã da indústria, estava sob imenso estresse.

Caio hesitou, seu olhar se desviando. "Ele... não está bem. Os médicos dizem que o estresse está cobrando seu preço. Ele teve outro derrame leve na noite passada."

Meu coração despencou. Outro derrame. As palavras me atingiram como um golpe físico. A aquisição hostil, a pressão - estava o matando.

"Eu tentei te ligar, Clara", Caio continuou, sua voz pesada. "Mas você não estava atendendo o celular."

Minha mente voltou para a noite anterior, o álcool, a briga com Marcos Dantas, a aparição inesperada de Júlio. Eu estava tão consumida pela minha própria dor, tão desesperada para ignorar o mundo, que perdi o sofrimento do meu pai. Culpa, afiada e fria, me atravessou.

"Preciso vê-lo", eu disse, minha voz mal um sussurro.

"Ele está no Albert Einstein. Eu te levo."

Mas quando saímos do escritório, o telefone de Caio tocou. Seu rosto empalideceu enquanto ele ouvia, seu aperto no telefone se intensificando. "O quê? A reunião do conselho? Agora?"

Ele olhou para mim, um pedido de desculpas desesperado em seus olhos. "Clara, eu tenho que ir a essa reunião. É crucial. Se perdermos essa votação, é o fim da empresa."

"Vá", eu disse, minha voz plana. "Eu pego um táxi."

Ele assentiu, um pedido de desculpas distraído em seus lábios, e se apressou. Fiquei ali, sentindo-me totalmente sozinha, o rugido da cidade de repente ensurdecedor. Chamei um táxi, minha mente uma tempestade de ansiedade e autorrecriminação.

O trânsito era um pesadelo. Cada sinal vermelho parecia um insulto pessoal, cada centímetro uma milha. Agarrei meu telefone, desesperada para falar com alguém, qualquer um, para simplesmente ouvir uma voz reconfortante. Meus dedos pairaram sobre o número de Júlio, depois recuaram. Não. Ele não se importaria. Ele provavelmente estava com Helena, cuidando de sua "emergência acadêmica".

Nesse momento, meu telefone tocou. Era Gabi.

"Clara! Graças a Deus! Tenho tentado falar com você! Seu pai... Caio acabou de me ligar. Ele disse que está ruim, Clara. Muito ruim." Sua voz estava cheia de pânico. "Ele disse que você estava a caminho do hospital, mas não conseguiu te encontrar."

"Estou em um táxi, Gabi", eu disse, minha voz tremendo. "O trânsito está insano. Sinto que nunca vou chegar lá."

"Júlio me ligou mais cedo", disse Gabi, sua voz baixando. "Ele também precisava de uma carona para o hospital. Para Helena. Ela teve outra 'emergência acadêmica', aparentemente. Ele pediu meu carro, mas eu disse que precisava dele para uma emergência com você. Ele parecia furioso, mas pegou um táxi."

Meu estômago se contraiu. Ele precisava de uma carona. E ele foi para Helena. Claro.

"Ele acabou de me ligar de novo", Gabi continuou, sua voz tensa. "Ele disse que te viu na rua, tentando chamar um táxi. Ele disse... ele disse que tentou te oferecer uma carona, mas você simplesmente passou por ele, ignorando-o. Ele parecia tão irritado, Clara."

Minha mente girou. Eu não o vi. Eu estava tão perdida em meu próprio pânico, tão desesperada para chegar ao meu pai, minha visão embaçada por lágrimas não derramadas. Ele me ofereceu uma carona? E eu o dispensei sem um segundo olhar? A ironia era uma pílula amarga. Agora, era ele quem se sentia dispensado.

"Eu não o vi, Gabi", sussurrei, as lágrimas finalmente começando a cair. "Eu estava tão preocupada com o papai, não estava olhando para nada."

"Clara, sinto muito", Gabi começou, mas antes que ela pudesse terminar, um bipe áspero a interrompeu. Uma ligação de Caio.

Meu coração martelava contra minhas costelas, uma batida frenética e aterrorizada. Preparei-me.

"Clara", a voz de Caio estava rouca, quebrada. "Sinto muito. Papai... ele se foi. Ele simplesmente... partiu. Ele estava perguntando por você."

O mundo parou. O táxi, o trânsito, as buzinas estridentes – tudo se desvaneceu em um zumbido sem sentido. Meu pai. Se foi. E eu não estava lá. Perdi seus momentos finais.

O telefone escorregou de meus dedos entorpecidos, caindo no chão com um baque. Lágrimas escorriam pelo meu rosto, quentes e ardentes. Meu pai. Meu pai forte e inabalável. Se foi.

E eu perdi. Por causa do trânsito. Por causa de Júlio. Por causa de Helena.

Uma certeza fria e pesada se instalou sobre mim. Este era o momento. O ponto de virada. A traição não era mais apenas de Júlio. Era minha. Minha noite forçada de paixão, minha perseguição desesperada, minha incapacidade de deixar ir. E a escolha dele. Suas repetidas escolhas. Tudo isso estava entrelaçado, um emaranhado de "e se" e arrependimentos.

Meu coração era uma caverna oca, cheia de dor ecoante e uma raiva latente. Eu nunca o perdoaria. Nunca me perdoaria.

            
            

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