Uma Noite, Seu Legado Oculto
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Capítulo 5

Clara POV:

O funeral foi um borrão de ternos pretos, sussurros abafados e o cheiro sufocante de lírios. Minha mãe, geralmente tão composta, era uma boneca de porcelana quebrada. Caio, minha rocha, parecia duas décadas mais velho, seus ombros pesados com o peso da dor e do império em ruínas que agora herdava. Eu estava ao lado deles, uma casca oca, cada respiração um esforço. Meu pai. Se foi. E eu não estava lá.

O gosto amargo da ausência persistia, um lembrete constante da escolha de Júlio, da 'emergência acadêmica' de Helena. Eu perdi o adeus, perdi suas últimas palavras, perdi de segurar sua mão. Era uma ferida que nunca cicatrizaria completamente.

Quando os últimos enlutados saíram, uma figura se destacou das sombras perto do fundo. Marcos Dantas. O homem que me atacou no apartamento de Gabi. Ele caminhou em nossa direção, um sorriso zombeteiro nos lábios, um envelope na mão.

"Meus mais sinceros pêsames, Sra. Vasconcelos, Caio", ele disse, sua voz pingando falsa simpatia. Seus olhos, no entanto, estavam fixos em mim, um brilho predatório neles. "E a você, Clara. Que tragédia. Especialmente depois de... certos eventos."

Meu sangue gelou. A pura audácia dele de mostrar o rosto aqui, depois do que ele fez.

"Fora", Caio rosnou, dando um passo à frente, o punho cerrado.

Dantas apenas riu, impassível. "Só queria oferecer minhas condolências. E talvez... um pequeno sinal do meu arrependimento." Ele estendeu o envelope para minha mãe. "Para sua família. Vinte e cinco milhões de reais. Um gesto genuíno de boa vontade. Sem compromissos."

Minha mãe, com os olhos vermelhos, pegou o envelope, a mão tremendo. Vinte e cinco milhões de reais. A quantia exata que Caio havia "doado" ao laboratório de Júlio. A ironia foi um soco no estômago. Esta era sua maneira distorcida de nos zombar.

"Não queremos seu dinheiro sujo, Dantas", cuspi, minha voz cheia de veneno.

Ele me ignorou, seu olhar varrendo minha mãe e Caio. "Ouvi sobre o derrame, Sr. Vasconcelos. Trágico. Especialmente com todo o estresse das... recentes dificuldades de sua empresa." Ele fez uma pausa, seus olhos se estreitando ligeiramente. "Sabe, alguns dizem que foi desencadeado por um certo e-mail anônimo. Um muito estressante. Cheio de informações muito prejudiciais."

Meu coração martelou. E-mail anônimo? O rosto de Caio ficou branco. Minha mãe ofegou, agarrando o peito.

"Do que você está falando?", Caio exigiu, sua voz perigosamente baixa.

O sorriso de Dantas se alargou. "Oh, nada. Apenas fofoca. Mas é engraçado como essas coisas escalam, não é? Um pequeno e-mail, e um império poderoso desmorona. E um homem poderoso... cai." Ele olhou diretamente para mim. "Que pena. Se ao menos alguém não estivesse tão... emocionalmente investido em proteger o pequeno projeto de estimação de um certo cientista."

Um arrepio percorreu minha espinha. Ele estava falando de Júlio. De Helena. Ele sabia.

"Você enviou aquele e-mail, não foi?", acusei, minha voz tremendo de fúria contida. "Você enviou um e-mail estressante para o meu pai, sabendo de sua condição!"

Dantas apenas deu de ombros, uma arrepiante falta de remorso em seus olhos. "Anônimo. Intraceável. Apenas... informação." Ele se inclinou para mais perto, sua voz caindo para um sussurro teatral. "Mas veja, Clara, algumas pessoas são muito boas em encontrar 'informação'. Especialmente sobre coisas que deveriam ser mantidas em segredo. Como um certo projeto de neurociência chamado 'A Iniciativa C.V.'. E a paciente muito particular que o projeto foi projetado para salvar."

Meu sangue gelou. Ele sabia sobre Helena. Ele sabia sobre os 25 milhões. Ele sabia de tudo.

"Júlio nunca se importou com você, Clara", Dantas continuou, sua voz mais suave, mais insidiosa. "Ele simplesmente te viu como um meio para um fim. Um meio de vinte e cinco milhões de reais para salvar sua preciosa Helena. Uma triste substituta para sua amada morta."

Uma névoa vermelha desceu sobre minha visão. Ele estava atacando Júlio. Ele estava me atacando. Ele estava profanando a memória do meu pai com suas insinuações grotescas. A dor da morte do meu pai, a traição de Júlio, a manipulação de Helena - tudo convergiu em uma raiva cega e lancinante.

"Você é um monstro!", gritei, minha mão voando para cima, uma onda desesperada e descontrolada de fúria. Minha palma conectou-se com seu rosto, um estalo agudo ecoando no silencioso salão funerário.

Dantas cambaleou para trás, uma marca vermelha aparecendo em sua bochecha. Seus olhos, agora desprovidos de diversão, queimavam com puro ódio. "Sua vadia!", ele rugiu, cuspindo as palavras em mim. "Você acabou de selar o destino da sua família. E o seu. Você vai pagar por isso, Clara Vasconcelos. Você, seu pai morto e seu império em ruínas."

"Fora!", Caio berrou, avançando, mas dois dos homens de Dantas, que haviam se materializado aparentemente do nada, bloquearam seu caminho.

"E quanto ao seu amado Júlio", Dantas zombou, limpando o sangue do lábio, "ele sabe tudo sobre sua pequena escapada com sua preciosa Helena. Ele sabe que você o drogou. Ele sabe que você se forçou a ele. E ele te odeia por isso." Ele sorriu, uma expressão verdadeiramente maligna e triunfante. "Ele vai garantir que você apodreça."

Meu mundo desmoronou. Ele sabia. Júlio sabia. E ele me odiava. A única noite que eu roubei, o único momento de intimidade desesperada, era agora uma arma contra mim.

Antes que eu pudesse reagir, uma figura familiar apareceu na entrada do salão. Júlio. Seus olhos, frios e duros, varreram a cena - Dantas, os homens, minha família perturbada e, finalmente, eu, minha mão ainda levantada, meu rosto manchado de lágrimas e raiva.

Ele viu a marca vermelha no rosto de Dantas, o desafio em seus olhos e a fúria nos meus. Sem uma palavra, Júlio caminhou até mim, seu olhar glacial, e me deu um tapa no rosto com as costas da mão. O golpe fez minha cabeça virar para o lado, um zumbido em meus ouvidos. O gosto de sangue encheu minha boca.

"Como você ousa", ele disse, sua voz plana, desprovida de qualquer calor, totalmente desprovida de reconhecimento. "Como você ousa profanar a memória de Catarina mencionando o nome dela na mesma frase que seus esquemas patéticos. E como você ousa bater em alguém, sua criança mimada e imprudente."

Minha bochecha queimava, mais pela picada da traição do que pela dor física. Ele realmente me bateu. Por Dantas. Por Catarina.

Helena, claro, estava logo atrás de Júlio, seu rosto uma máscara de preocupação angelical. "Júlio, querido, está tudo bem? Ouvi uma confusão." Seus olhos deslizaram para mim, um flash de malícia triunfante substituindo a preocupação por uma fração de segundo. "Ah, Clara. O que você fez agora?"

Júlio, sua mão ainda ardendo do contato com meu rosto, virou-se para Helena, sua expressão suavizando instantaneamente. "Não é nada, Helena. Apenas alguns aborrecimentos. Vamos embora." Ele colocou um braço em volta dela, levando-a para longe.

"Fora!", gritei, minha voz crua, quebrada. "Fora do funeral do meu pai! Você e sua pequena prostituta!"

Júlio parou, de costas para mim, seus ombros rígidos. Ele não se virou. Ele simplesmente continuou a guiar Helena para fora, deixando-me ali, minha bochecha queimando, meu coração gritando, total e completamente quebrado.

Eu os observei ir, as duas figuras se afastando, a mão de Júlio protetoramente em volta de Helena, que se inclinava para ele, frágil e inocente. Minha raiva, minha dor, minha humilhação - tudo convergiu em uma única dor insuportável no meu peito. Senti como se estivesse me afogando, sufocando sob o peso de tudo isso.

Caio correu para o meu lado, seu rosto uma mistura de choque e fúria. "Clara! Você está bem? Ele-"

"Estou bem", engasguei, empurrando-o para longe, minha mão cobrindo a marca ardente em minha bochecha. "Apenas tire-os daqui. Tire todos eles daqui."

O funeral, um espaço sagrado para o luto, havia sido profanado. A memória do meu pai, manchada. E o homem que eu uma vez amei, o homem que eu uma vez acreditei que poderia salvar, me derrubou, defendendo as mesmas pessoas que causaram tanta dor à minha família.

Meu coração endureceu, transformando-se em um bloco de gelo. Não havia mais volta agora. Nenhuma redenção. Apenas vingança.

            
            

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