Uma Noite, Seu Legado Oculto
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Capítulo 6

Clara POV:

As semanas seguintes ao funeral do meu pai foram um borrão de batalhas legais, estratégias de defesa corporativa e um peso esmagador de luto. O Grupo Vasconcelos estava sangrando, e Caio, apesar de seus melhores esforços, lutava para conter a maré. O e-mail anônimo de Dantas, juntamente com outros que ele continuava a vazar, desestabilizou a empresa, assustando investidores e desencadeando investigações. O legado do meu pai estava à beira do abismo.

Eu também lutei. Invadi reuniões do conselho, minha voz rouca, meus argumentos afiados. Encontrei-me com advogados, estrategistas e potenciais aliados. Mas o mundo, ao que parecia, já havia se decidido sobre a família Vasconcelos. Estávamos manchados.

Em uma reunião tensa com um investidor crucial, o Sr. Medeiros, um homem conhecido por seu pragmatismo implacável, me vi diante de um muro de ceticismo.

"Senhorita Vasconcelos", Medeiros disse arrastado, seus olhos varrendo-me com desdém, "a reputação de sua família está em frangalhos. E sua vida pessoal... bem, dificilmente inspira confiança." Ele gesticulou vagamente, sua implicação clara. Meu noivado rompido, os rumores sobre meu comportamento escandaloso, a rejeição pública de Júlio a mim – tudo era lenha para a fogueira.

"Minha vida pessoal é irrelevante para a saúde do Grupo Vasconcelos", retruquei, minha mandíbula tensa.

"É mesmo?", ele zombou. "Uma mulher que não consegue segurar seu noivo, que é publicamente humilhada pelos negócios duvidosos de seu irmão envolvendo um certo Dr. Brandão... não é exatamente a imagem de estabilidade, é?"

Antes que eu pudesse soltar a resposta mordaz que se formava em minha língua, as portas da sala de reuniões se abriram. Júlio.

Ele estava ali, impecavelmente vestido, sua presença comandando atenção. Seus olhos se fixaram em mim, depois varreram Medeiros, um lampejo de algo indecifrável em suas profundezas.

"O que você está fazendo aqui, Júlio?", exigi, minha voz afiada. "Esta é uma reunião privada."

"Parece, Clara, que seus assuntos 'privados' têm um jeito de se tornarem bastante públicos", ele disse, sua voz fria. "Ouvi dizer que você estava tentando fazer um acordo com o Sr. Medeiros. Um acordo que não posso permitir."

Medeiros ergueu uma sobrancelha, um sorriso zombeteiro nos lábios. "Dr. Brandão. A que devemos esta visita inesperada? Você está aqui para apoiar a Senhorita Vasconcelos?"

Júlio deu uma risada sem alegria. "Apoiar? Dificilmente. Estou aqui para garantir que nem meu nome, nem minha pesquisa, sejam mais manchados pelas tentativas desesperadas da família Vasconcelos de se agarrar à relevância." Ele olhou para mim, seus olhos duros. "E para lembrar a Clara que nosso 'noivado' acabou. Permanentemente. Não haverá mais transações financeiras, nem mais aproveitamento do meu trabalho para o benefício de sua família."

Meu coração martelava contra minhas costelas. Ele estava cortando os laços. Publicamente. De novo. Ele estava garantindo que eu não tivesse nenhuma vantagem, nenhuma reivindicação.

"Você está cometendo um erro, Dr. Brandão", disse Medeiros, um brilho astuto em seus olhos. "Cortar os laços com o Grupo Vasconcelos agora pode ter... consequências. Especialmente com certas investigações sobre a origem do financiamento de sua pesquisa."

A mandíbula de Júlio se contraiu. "Minha pesquisa está acima de qualquer suspeita, Sr. Medeiros. E minhas fontes de financiamento são claras. Ao contrário de certos negócios corporativos que envolvem e-mails anônimos e táticas questionáveis." Ele olhou para mim de forma pontual.

Helena, claro, escolheu aquele momento para aparecer, como se fosse ensaiado. Ela estava do lado de fora da sala de reuniões, parecendo pálida e frágil, a mão apertando o peito. "Júlio? Você já terminou? Não estou me sentindo bem. Meu coração..."

A expressão feroz de Júlio instantaneamente derreteu em preocupação. Ele olhou de Helena, para mim, para Medeiros, e de volta para Helena. "Eu tenho que ir", ele disse, sua voz suavizando, toda a sua raiva anterior esquecida. "Helena precisa de mim." Ele passou por mim sem um olhar, indo direto para Helena, que se inclinou para ele, uma imagem de dependência delicada.

"Viu, Sr. Medeiros?", eu disse, minha voz tremendo de fúria contida. "As lealdades dele são claras. Sempre foram."

Medeiros apenas sorriu, um brilho predatório em seus olhos. "De fato, Senhorita Vasconcelos. De fato." Ele se levantou, sinalizando o fim da reunião. "Acredito que temos todas as informações de que precisamos. Bom dia."

Ele saiu, deixando-me sozinha na sala de reuniões, os ecos da rejeição pública de Júlio e da aparição manipuladora de Helena soando em meus ouvidos. Senti um desespero frio, uma sensação de derrota total.

Mais tarde naquela noite, entorpecida pela decepção, me encontrei no escritório do meu pai. O cheiro de livros antigos e seu perfume característico ainda pairavam, uma lembrança agridoce. Servi-me um copo de seu uísque caro, o líquido âmbar queimando minha garganta.

Peguei uma foto antiga de sua mesa. Era do meu pai, minha mãe, Caio e eu, anos atrás, em uma viagem de família. Estávamos todos sorrindo, despreocupados. Um eco doloroso de uma felicidade que parecia irremediavelmente perdida.

"Pai", sussurrei, minha voz embargada por lágrimas não derramadas. "Sinto muito. Eu falhei com você. Eu falhei conosco."

A empresa estava em queda livre. Caio estava fazendo o seu melhor, mas o dano era muito extenso, os tubarões muitos. Senti uma necessidade desesperada de lutar, de salvar algo, qualquer coisa, dos destroços.

Pensei em Dantas, em seu rosto presunçoso, nos e-mails anônimos que desencadearam o derrame final do meu pai. Uma resolução fria e dura começou a se formar dentro de mim. Eu não apenas defenderia. Eu atacaria.

Lembrei-me da provocação de Marcos Dantas no funeral: "Ele sabe que você o drogou. Que você se forçou a ele. E ele te odeia por isso."

A memória era uma marca quente, queimando minha mente. A vergonha, a humilhação, o puro desespero daquela noite. Tinha sido imprudente, impulsivo, nascido de um amor distorcido. Mas agora, era uma arma que poderia ser virada contra mim.

Um arrepio repentino percorreu a sala. Senti uma presença. Olhei para cima e vi Helena parada na porta, seus olhos arregalados, seu rosto pálido. Ela carregava um medalhão de prata familiar em sua mão, aquele que Júlio sempre usava, nunca tirando.

"Clara", ela sussurrou, sua voz mal audível. "O que você está fazendo aqui?"

Meu sangue gelou. Como ela entrou? E por que ela estava segurando o medalhão de Júlio?

"O que você está fazendo aqui, Helena?", retruquei, minha voz afiada. "E por que você está com o medalhão de Júlio?"

Seus olhos se moveram nervosamente. "Ah, isso? Eu... eu o encontrei. No escritório dele. Ele deve ter deixado cair." Ela o apertou com mais força, um brilho possessivo em seus olhos. "Ele é tão descuidado às vezes. Mas eu cuido dele."

"Isso é mentira", rosnei, minha raiva explodindo. "Ele nunca tira isso. Pertenceu a Catarina."

A fachada inocente de Helena rachou, revelando uma lasca de malícia. "Importa? Ele me deu. Ele confia em mim. Ele me ama." Ela abriu deliberadamente o medalhão, revelando uma pequena e desbotada fotografia de Catarina. "Ele me disse que eu o lembro tanto dela. Tão inocente. Tão pura. Não como... algumas pessoas." Seu olhar piscou para mim, pesado com acusação implícita.

Minha visão embaçou de raiva. Aqui estava ela, na minha casa, segurando sua posse mais querida, exibindo sua vitória, ousando se comparar a Catarina. E então, suas palavras me atingiram. "Ele sabe que você o drogou."

As palavras ecoaram a provocação de Dantas. Então Júlio sabia. E Helena sabia que eu sabia.

Uma nova onda de fúria, fria e implacável, me invadiu. Era isso. A provocação final. Meu pai estava morto, minha empresa estava desmoronando, e meu suposto noivo estava me rejeitando publicamente enquanto sua nova mascote exibia minha humilhação.

Avancei sobre ela, impulsionada por uma raiva crua e incandescente. "Me dê isso!", gritei, arrancando o medalhão de sua mão.

Helena gritou, tropeçando para trás. "Júlio! Me ajude!"

Nesse momento, Júlio invadiu o escritório, seus olhos varrendo a cena. Eu, respirando pesadamente, o medalhão apertado em minha mão. Helena, encolhida, seu rosto uma máscara de terror. E o escritório do meu pai, uma testemunha silenciosa do caos.

Seu olhar endureceu, fixando-se em mim com um desprezo que me gelou até os ossos. "Clara", ele rosnou, sua voz um grunhido baixo, "que diabos há de errado com você?" Ele me empurrou para longe de Helena, sua força me fazendo cambalear para trás, minha cabeça batendo na borda da pesada mesa de mogno do meu pai. Uma dor aguda atravessou meu crânio, e minha visão nadou.

"Ela roubou!", protestei, agarrando minha cabeça, o medalhão ainda em minha mão. "Ela estava exibindo o medalhão de Catarina!"

Júlio me ignorou. Seus olhos eram apenas para Helena. Ele a embalou em seus braços, seu toque gentil, tranquilizador. "Você está machucada, Helena?"

Ela olhou para ele, seus olhos cheios de lágrimas. "Eu só queria ter certeza de que seu medalhão estava seguro, Júlio. Eu o encontrei em seu escritório. Fiquei preocupada que você o perdesse." Ela me deu outro olhar fugaz e triunfante. "Mas a Clara... ela está tão irritada. Tão violenta."

Júlio olhou para mim, seus olhos cheios de nojo. "Saia, Clara. Agora mesmo."

"Esta é a minha casa!", gritei, as palavras cruas, rasgando minha garganta. "A casa do meu pai!"

"Não mais", ele disse, sua voz fria e dura. "Você é um perigo para todos ao seu redor. Para Helena. Para si mesma."

Uma risada amarga escapou dos meus lábios. "Um perigo? E os e-mails anônimos que levaram meu pai ao túmulo? E a descoberta 'acidental' da sua querida Helena de informações prejudiciais sobre o Grupo Vasconcelos? Você sabia que ela os enviou, Júlio? Você sabia que ela orquestrou tudo isso?"

O rosto de Júlio permaneceu impassível. "Não se atreva a tentar desviar, Clara. Isso não tem nada a ver com Helena. Você está apenas descontando."

"Você é cego, Júlio!", engasguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. "Ela está te manipulando! Ela está destruindo tudo!"

"Chega!", ele rugiu, sua paciência claramente no fim. Ele agarrou meu braço, seu aperto machucando, e me arrastou em direção à porta do escritório. "Você precisa de ajuda, Clara. Você está instável."

"Instável?", ri, um som quebrado e histérico. "Eu estou instável? Você é quem está mimando uma cobra venenosa! Você é quem deixou meu pai morrer, Júlio! Você a escolheu em vez dele! Em vez de mim!"

Ele não respondeu. Ele apenas continuou me arrastando, sua força avassaladora. Minha cabeça latejava, meu corpo doía, e meu coração parecia um nervo exposto e cru.

Nesse momento, meu telefone tocou, um som estridente e insistente. Júlio parou, irritado, mas o identificador de chamadas queimou em minha visão: Caio.

Júlio o ignorou, continuando a me puxar em direção à saída. Mas Helena, sempre oportunista, falou. "Júlio, espere! Talvez seja importante. É o irmão da Clara."

Júlio hesitou, depois arrancou o telefone da minha mão. Ele atendeu, segurando-o no ouvido, seu rosto uma máscara de irritação. Ele ouviu por um momento, então seus olhos se arregalaram, um olhar de choque genuíno se espalhando por suas feições.

"O quê?", ele disse, sua voz de repente afiada de preocupação. "Vazamento de dados? A Iniciativa C.V.? Quem? Como?"

Ele olhou para Helena, um horror crescente em seus olhos. O rosto dela, geralmente tão composto, estava agora pálido, seus lábios tremendo. Ela parecia aterrorizada.

Ele encerrou a ligação abruptamente, seu olhar dardejando entre Helena e eu. "Os dados do meu projeto da Iniciativa C.V. foram vazados. Todos eles. Pesquisa confidencial, dados de pacientes... tudo. É catastrófico."

Helena choramingou, seus olhos arregalados com inocência fingida. "Oh, Júlio! Não! Quem faria uma coisa dessas?"

Os olhos de Júlio se estreitaram, um lampejo de suspeita em seu olhar enquanto ele olhava para ela. Mas então, quase imediatamente, seu foco mudou para mim. Sua mandíbula endureceu.

"Clara", ele disse, sua voz fria e firme, "você vai pagar por isso."

"Do que você está falando?", murmurei, a incredulidade lutando com o terror.

"Você estava me ameaçando, ameaçando meu trabalho", ele disse, sua voz cheia de acusação. "Você estava aqui agora mesmo, furiosa com a empresa, sobre como você destruiria tudo. Isso tem suas impressões digitais por toda parte."

"Não! Júlio, eu não-"

Ele não me deixou terminar. Ele me arrastou para fora do escritório do meu pai, seu aperto inflexível. "Você acabou, Clara. Você foi longe demais."

Ele me soltou do lado de fora do escritório, depois se virou para Helena, seus olhos cheios de uma mistura aterrorizante de proteção e culpa mal direcionada. "Helena, sinto muito. Vou consertar isso. Eu prometo."

Fiquei ali, balançando, o mundo girando. Vazamento de dados. A Iniciativa C.V. O escritório do meu pai. E Júlio, acreditando que eu era a culpada.

Era isso. O golpe final e devastador. Ele estava me incriminando. Para protegê-la.

                         

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