Tentei falar, mas minha garganta estava seca, irritada. Uma dor surda irradiava do meu baixo-ventre. "O que... o que aconteceu?"
O sorriso da enfermeira vacilou. "Você teve um episódio grave, Dra. Tavares. Perdeu a consciência na gala. Estivemos monitorando você de perto." Ela verificou meu soro. "Há outra coisa que precisamos discutir."
"O que é?" Um novo medo, frio e agudo, perfurou a névoa da dor.
A enfermeira fez uma pausa, seu olhar suavizando. "Dra. Tavares, você estava grávida. De cerca de oito semanas."
Minha mente ficou em branco. Grávida? Fechei os olhos com força, uma onda de náusea me invadindo. Grávida. Um bebê. O bebê de Caio.
"Sinto muito, Dra. Tavares," ela continuou, sua voz gentil. "Fizemos tudo o que podíamos, mas... você teve um aborto espontâneo."
As palavras pairaram no ar, pesadas, sufocantes. Aborto espontâneo. A criança que eu nem sabia que tinha se foi. O mundo inclinou. Um choro rasgou através de mim, um lamento primal de dor e desespero.
"Você está bem, Dra. Tavares?" A enfermeira me olhou com preocupação. "Gostaria que eu ligasse para o seu marido? Ele ainda não apareceu."
Minhas lágrimas fluíram livremente, quentes e amargas. Meu marido. O homem que me empurrou, que descartou minha dor como teatro, que me deixou sangrando no chão para cuidar de sua amante. Ele era a razão.
"Não," engasguei, balançando a cabeça violentamente. "Não ligue para ele."
Ela assentiu, sentindo minha angústia. "Tudo bem. Apenas tente descansar. Você passou por muita coisa. Emocional e fisicamente."
Fechei os olhos, mas o sono não veio. Minha mente repassava os últimos dias, fragmentos de nossa vida juntos. Caio. O homem que um dia foi meu tudo.
Nos conhecemos na faculdade. Ele era ambicioso, charmoso, destinado à grandeza. Eu era apenas uma estudante de ciências de olhos brilhantes, sonhando em mudar o mundo. Ele me conquistou.
"Ayla, meu amor por você é eterno, sem limites. Sempre confiarei em você, sempre a protegerei." Ele sussurrou essas palavras para mim no dia do nosso casamento, seus olhos brilhando com o que eu pensei ser afeto genuíno.
Lembrei-me da vez em que meu laboratório pegou fogo, um fio defeituoso soltando faíscas. Ele correu para dentro, me tirando das chamas ele mesmo, um herói em todos os sentidos da palavra. Ele arriscou a própria vida pela minha.
Depois houve a bolsa de estudos. Eu quase a perdi, minha família lutando financeiramente. Ele silenciosamente pagou minhas dívidas, garantiu meu futuro, tudo sem que eu soubesse até muito mais tarde. "Você merece seguir seus sonhos, Ayla," ele disse, segurando minha mão. "Sempre."
O dia do nosso casamento. Seus votos, ecoando no grande salão. "Prometo te amar, te valorizar, construir uma família com você, Ayla. Para sempre."
Tudo aquilo tinha sido uma mentira? Cada palavra, cada gesto, cada momento compartilhado? Meu coração, já estilhaçado, se partiu ainda mais. O homem que eu amava, o pai da criança que acabei de perder, havia se tornado um monstro.
Uma batida suave interrompeu minhas memórias dolorosas. A porta rangeu ao abrir. Era Caio.
Ele parecia... abatido. Seu cabelo geralmente perfeito estava desgrenhado, seu terno amassado. Ele caminhou em direção à cama, sua expressão indecifrável.
"Ayla," ele disse, sua voz baixa, tingida com uma estranha mistura de preocupação e algo mais que eu não conseguia identificar. "Eu soube. Você está bem?"
Eu o encarei, meus olhos ardendo. Como ele podia perguntar isso?
"Caio," disse a enfermeira, dando um passo à frente, seu tom mais afiado do que antes. "A Dra. Tavares acabou de sofrer uma perda muito traumática. Um aborto espontâneo. Ela precisa de descanso e, francamente, precisa de apoio. Ela não deveria estar sozinha."
Caio pareceu surpreso, então seu olhar se voltou para mim, um lampejo de algo parecido com culpa em seus olhos. "Um aborto espontâneo?" ele repetiu, sua voz mal um sussurro.
Nesse momento, seu celular vibrou. Ele olhou para ele, e seu rosto endureceu instantaneamente. "Droga," ele murmurou. "Amanda está tendo outro ataque de pânico. Eu tenho que ir."
Ele se virou para sair. Meu sangue gelou. "Caio!" gritei, um apelo cru e desesperado rasgando minha garganta. "Caio, por favor! Meu estômago... o sangramento..."
Ele parou, olhando para trás, sua expressão impaciente. "Ayla, eu já disse, pare com o drama. Amanda precisa de mim. Você vai ficar bem. Apenas durma um pouco."
E então, ele se foi.
Ele saiu. De novo. Por ela. Enquanto eu estava aqui, sangrando, perdendo nosso filho.
Minha visão se estreitou. O mundo ficou preto.
Quando abri os olhos novamente, o quarto estava mal iluminado. Minha cabeça latejava. A dor no meu abdômen era uma dor surda agora, um lembrete constante do que foi perdido.
A médica, uma mulher mais velha e gentil, sentou-se ao lado da minha cama. Ela cruzou as mãos, sua expressão grave. "Dra. Tavares, tenho os resultados dos seus exames."
Meu coração batia forte. "O que é?"
"Você estava grávida, Ayla. Mas... também encontramos outra coisa durante o exame." Ela fez uma pausa, seu olhar encontrando o meu. "Você tem hematomas internos significativos. Especialmente ao redor do seu abdômen. Parece ser consistente com trauma por força contundente."
Trauma por força contundente. Caio me empurrando. O empurrão. Não foi apenas uma discussão. Foi violência. Foi abuso físico. E levou a isso.
"Também detectamos vestígios de um sedativo em seu sistema," a médica continuou, sua voz clínica, objetiva. "Um forte. O suficiente para deixá-la inconsciente, mas talvez não notado se você já estivesse angustiada."
Um sedativo? Minha mente girou. Amanda tinha feito algo? Ou Caio?
A médica suspirou. "Escute, Ayla. Sou médica, não detetive. Mas já vi o suficiente. Você precisa se cuidar. E precisa considerar seriamente o ambiente em que está. Isso não é saudável."
Suas palavras foram um banho de água fria, cortando minha dor e choque. Ele me manipulou. Me fez duvidar da minha sanidade. Me machucou fisicamente. E agora, eu havia perdido nosso bebê.
Uma raiva silenciosa começou a ferver sob minha dor. Isso não era mais apenas tristeza. Era fúria. Era uma determinação para sobreviver. E para fazê-lo pagar.
Olhei para a médica, minha voz firme apesar do tremor. "Doutora," eu disse, "preciso fazer algumas ligações. E preciso sair daqui."
Eu não iria quebrar. Eu não o deixaria vencer.
Um aceno leve, quase imperceptível, passou entre nós. O olhar da médica era de quem entendia. "Cuide-se, Ayla," ela disse, antes de me deixar sozinha no quarto branco e estéril.
Mais tarde naquela noite, depois que as enfermeiras trocaram meu soro e verificaram meus sinais vitais, um Caio diferente apareceu. Ele estava impecavelmente vestido, um buquê dos meus lírios brancos favoritos na mão. Ele parecia o marido atencioso e dedicado que um dia foi.
"Ayla, meu amor," ele disse, sua voz suave, contrita. "Sinto muito, muito mesmo. Eu deveria ter estado aqui. Lamento de verdade ter te deixado." Ele se sentou ao meu lado, buscando minha mão.
Eu puxei minha mão, meu olhar inabalável. "Não me toque."
Sua expressão vacilou. "Ayla, por favor. Eu sei que errei. Mas a Amanda... ela estava mal. Você sabe como ela é sensível."
"Sensível?" Minha risada foi áspera, quebradiça. "Ela é uma sociopata manipuladora, Caio! E você é o protetor dela. Você a defende, você a permite, você acredita nela em vez de mim!"
Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo. "Ayla, você não está pensando com clareza. Toda essa situação, com o prêmio, sua irmã... realmente te afetou. Você está imaginando coisas."
"Imaginando coisas?" repeti, minha voz se elevando. "Eu perdi nosso bebê, Caio! Nosso bebê! Porque você me empurrou! Porque você se importou mais com o ataque de pânico fabricado dela do que com a minha dor real! E você me fez duvidar da minha sanidade, dizendo que eu estava sendo exagerada!"
Seus olhos se arregalaram, fingindo choque. "Te empurrei? Ayla, eu mal te toquei! Você estava histérica! E você perdeu o bebê porque está estressada, não por algo que eu fiz. Não se atreva a me culpar por isso!" Sua voz estava cheia de uma autojustificação arrepiante. "E além do mais, podemos ter outro bebê. Quando você estiver pronta para ser uma boa mãe."
Meu coração virou gelo. Ele estava além da redenção. Não havia mais volta.
Eu queria gritar, protestar contra sua crueldade. Mas uma estranha calma se instalou sobre mim. Ele não valia minhas lágrimas. Ele não valia minha raiva. Ele simplesmente... se foi. O Caio que eu amava, o Caio com quem me casei, era um fantasma.
Minha mente voltou ao nosso começo. O jovem apaixonado que acreditava nos meus sonhos. A maneira como ele costumava me olhar, como se eu tivesse as estrelas nos olhos. A maneira como ele segurava minha mão, uma promessa silenciosa de para sempre. Ele era uma memória, uma mentira.
Ele mudou, Ayla. O pensamento ecoou em minha mente, nítido e inegável. Ele não é o homem com quem você se casou.
Eu tinha que sair. Tinha que acabar com isso.
Encontrei minha voz, calma, firme. "Caio," eu disse, "eu quero o divórcio."
Ele congelou, sua compostura cuidadosamente construída se quebrando. "Ayla, não seja ridícula. Você está apenas chateada."
"Não," eu disse, encontrando seu olhar de frente. "Não estou chateada. Eu cansei."
Ele fez um movimento para me tocar novamente, sua mão buscando a minha. Eu recuei como se estivesse queimada. "Não," avisei, minha voz fria.
Ele pareceu perplexo, depois com raiva. "O que é isso, Ayla? Algum tipo de jogo?"
Eu o ignorei, pegando o celular na mesa de cabeceira. Ele o havia deixado. Rolei pelos meus contatos. Eu sabia para quem ligar. Henrique Queiroz. Um homem que sempre foi gentil, sempre me respeitou, sempre viu meu valor.
Assim que encontrei seu número, uma batida suave veio da porta.