Meu celular vibrou na mesa de cabeceira. Uma notificação de rede social. Carla Rocha. Uma foto dela, parecendo delicada e chorosa, aninhada nos braços de Caio em uma praia ensolarada. O braço dele estava protetoramente ao redor dela, o rosto uma máscara de terna preocupação. A legenda: "Curando com meu herói. Ele está sempre lá por mim, mesmo nos momentos mais sombrios. Nosso anjinho estará cuidando de nós."
Meu estômago revirou. A dor física não era nada comparada à nova onda de náusea, à bile queimando em minha garganta. Fechei os olhos com força, lágrimas finalmente escorrendo pelas minhas têmporas, molhando meu cabelo. Meu bebê. Meu precioso, bebê milagre. Eu o perdi. E ninguém estava aqui para lamentar comigo. Ninguém estava aqui para sequer reconhecer sua existência.
Dias depois, um fantasma de mim mesma, dei alta a mim mesma do hospital. A casa parecia estranha. Ao passar pela porta da frente, o cheiro familiar e reconfortante da minha casa fora substituído por um perfume floral enjoativo e doce. Meus olhos pousaram na sapateira. Minhas pantufas de seda favoritas, aquelas que Caio me comprou em Paris, haviam sumido.
Caio estava na sala de estar, o rosto tenso, uma leve carranca nos lábios. Seus olhos caíram na minha saia manchada de sangue, e um lampejo de nojo cruzou seu rosto. "Alícia, você está sangrando por todo o tapete. Vá se limpar."
Meu coração não sentiu nada. Nenhuma raiva, nenhuma dor. Apenas uma dor oca. Ele pensou que era apenas "sangue". Ele não tinha ideia do que aquele sangue representava. Ele não se importaria de qualquer maneira. Lembrei a mim mesma de manter a calma, de não deixar a raiva surgir. O tumor. Minha saúde precária.
Então, ela apareceu. Da cozinha, cantarolando uma melodia alegre. Carla. Usando minhas pantufas de seda. Ela caminhou em nossa direção, um sorriso suave e doméstico no rosto. "Oh, Alícia, você está em casa. O Caio fez seu chá favorito." Ela gesticulou para o bule. O meu. Aquele que eu levei para ele na manhã do nosso aniversário.
"A Carla vai se mudar para cá, Alícia", anunciou Caio, a voz desprovida de emoção, como se estivesse informando a previsão do tempo. "Ela precisa de um lugar seguro para se recuperar. E depois de tudo, eu me sinto responsável."
Carla assentiu com recato. "Eu disse ao Caio que poderia trabalhar de graça, como empregada. Só até eu me reerguer. Não quero ser um fardo."
Eles ficaram ali, uma frente unida, esperando minha reação. Meu sangue gelou, depois ferveu. Mas eu não podia gritar. Eu não podia explodir. Minha cabeça latejava. Eu simplesmente me virei, caminhei até nosso quarto e comecei a arrumar metodicamente uma mala.
Caio me seguiu, a voz baixa e repreensora. "Alícia, não faça uma cena. A Carla já passou por muita coisa. Você precisa ser compreensiva."
"Compreensiva?" Virei-me, a voz tremendo de fúria contida. "Compreensiva com a mulher que matou meu filho? A mulher que você escolheu em vez de mim, em vez do nosso bebê?"
Sua testa franziu. Ele olhou para minha saia novamente, um olhar de vago desconforto no rosto. "Alícia, você não está fazendo sentido. Você precisa descansar. Você não está bem."
Antes que eu pudesse responder, um grito teatral irrompeu do banheiro. "Oh! Minha mão! Eu me cortei!" Carla.
Caio saiu correndo do quarto, me deixando sozinha com minha mala arrumada. Ouvi seus murmúrios frenéticos, o gemido delicado de Carla. Ele voltou, carregando uma pequena bacia de água e um kit de primeiros socorros.
Carla, seguindo-o, o rosto manchado de lágrimas, agarrou o dedo enfaixado. "Oh, Caio, sou tão desajeitada. Eu só estava tentando ajudar, lavar a roupa. Sinto muito."
"Está tudo bem, Carla", disse Caio, a voz suave, gentil. "Você descansa. Eu cuido disso." Ele se ajoelhou e, para meu horror, pegou uma peça de roupa íntima delicada e rendada da cesta de roupa suja - a calcinha de Carla - e começou a lavá-la gentilmente na bacia.
Meus olhos se arregalaram. Caio, com sua higiene impecável, sua limpeza obsessiva, que uma vez recuou de uma gota do meu próprio sangue, agora estava lavando ternamente a roupa íntima de outra mulher. Ele costumava me fazer sentir nojenta por existir, por ser humana, por ter um corpo que às vezes sangrava ou suava. Ele me fizera sentir como um inconveniente. Por Carla, ele quebrou cada uma de suas regras.
Uma risada amarga e sem humor escapou dos meus lábios. Ele realmente a amava. Isso não era apenas luxúria. Era uma conexão profunda, construída sobre a vulnerabilidade fabricada dela e o complexo de salvador dele. Ele finalmente encontrara alguém que o fazia se sentir um herói, alguém que não era forte ou independente como eu, alguém que ele podia "salvar".
Fechei minha mala com um baque. Era isso. Chega.
Voltei para a sala de estar, uma estranha sensação de calma se instalando sobre mim. Tirei os papéis do divórcio, já assinados e autenticados, e os coloquei na mesa de centro. "Assine, Caio. Acabou."
Seu rosto, geralmente tão composto, se contorceu em uma máscara de raiva. Com um movimento violento do braço, ele arremessou uma xícara de chá, que se estilhaçou contra a parede. "Não! Eu não vou! Você está sendo dramática, Alícia! Isso é uma fase!" Carla, assustada, ofegou e correu para ele, tentando contê-lo gentilmente. "Caio, querido, acalme-se!"
"Não ouse tocá-lo, Carla!" rosnei, minha voz finalmente quebrando. "Sua sanguessuga manipuladora! Você pagou minha bondade destruindo minha vida!"
O rosto de Carla ficou pálido. Ela cambaleou para trás, tentando balbuciar uma negação. Mas eu não esperei. Virei-me, peguei minha mala e caminhei em direção à porta.
"Alícia! Se você sair por essa porta, nunca mais volte!" Caio rugiu, a voz grossa de fúria. "Você vai se arrepender disso! Você vai se arrepender de tudo!"
Parei no limiar e, pela primeira vez em que pareceu uma eternidade, sorri genuinamente. Um sorriso lento e arrepiante de liberdade absoluta. "Duvido", eu disse, minha voz clara e forte.
Então eu saí, deixando o caos, a traição, as promessas vazias para trás.