Parecia totalmente inútil. Tudo isso. Os anos, os sacrifícios, o amor. Tudo foi reduzido a uma batalha que eu estava cansada demais para lutar.
Então, meu telefone, que Bruno havia jogado de lado mais cedo, vibrou. Era Evelyn. "Alice? Confirmei com o cartório. Os papéis do divórcio que você assinou, com base no acordo pré-nupcial original, foram processados esta manhã. Você está oficialmente divorciada."
Bruno tinha assinado, todos aqueles anos atrás, um grande gesto romântico para provar seu amor. Um acordo de divórcio assinado, selado e efetivo, guardado em um cofre, apenas para ser ativado por um simples pedido. Ele havia esquecido. Eu não.
Olhei para Bruno, que ainda me encarava, seus olhos ardendo de possessividade. Meu rosto, eu sabia, era uma máscara de calma. "Está feito, Bruno", eu disse, minha voz firme. "Estamos divorciados."
Levantei-me, minhas pernas estranhamente leves. Cada passo era um passo em direção à liberdade.
Ele olhou, perplexo. "Onde você vai?", ele perguntou, sua voz tingida de uma confusão quase cômica.
"Para o hospital", respondi, minha mão tocando a linha vermelha fraca onde a flecha havia arranhado meu olho. "Para verificar isso."
Biel, sentindo a mudança no ar, hesitantemente puxou a camisa de Bruno. "Pai, posso... posso eu e o Caio brincar mais?"
Então ele olhou para mim, seus olhos arregalados. "Mãe, você ainda pode encomendar o bolo de aniversário da Sheron? Aquele com flocos de ouro de verdade? Ela vai adorar!"
Eu não me virei. Não conseguia. Meu coração era uma paisagem árida, incapaz de sentir outra ferroada.
Bruno não me seguiu. Uma mensagem de texto chegou alguns minutos depois, um seco 'Você está bem?'. Parecia vazio, uma mera formalidade.
Foi perfeito. Sem apego, sem súplicas desesperadas. Apenas uma ruptura silenciosa e limpa. O peso que me sufocou por tanto tempo se ergueu, substituído por uma estranha e frágil leveza.
Na emergência, o médico me garantiu que o corte era superficial. Alguns tratamentos a laser e não haveria danos permanentes. Senti uma onda de gratidão. Minha visão, física e metafórica, estava clara.
Mais tarde, uma ligação de Breno. "Alice, é verdade? Você realmente vai seguir com o divórcio?" Sua voz estava tensa, traindo sua preocupação, ou talvez, sua irritação.
"Sim, Breno", eu disse, minha voz firme. "Eu vou."
Ele suspirou, um som longo e cansado. "Sua mãe... ela teria encontrado uma maneira de fazer funcionar. Ela suportou coisas muito piores, sabe. Às vezes, uma mulher tem que ser pragmática."
Minha garganta se apertou com uma fúria fria. "Minha mãe está morta, Breno. E eu não estou." As palavras foram afiadas, cortando o verniz confortável de seu conselho.
A voz de Bruno interrompeu ao fundo. "Quem era, Alice?"
Desliguei na cara de Breno sem dizer uma palavra. "Ninguém importante", murmurei para Bruno, passando por ele em direção à cozinha.
Biel, ao me ver, correu imediatamente, o rosto contraído em um beicinho desafiador. "Mãe, você não está machucada! Você só estava fingindo para fazer a Sheron se sentir mal! Você é tão má!"
As palavras pareceram golpes físicos. Minha respiração falhou. Abri a boca para falar, mas nenhum som saiu. Meu próprio filho. Meu próprio filho acreditava que eu era essa vilã.
Bruno, para minha surpresa, gritou com Biel. "Biel William! Peça desculpas para sua mãe agora mesmo!"
Biel cruzou os braços, balançando a cabeça teimosamente. "Não! Ela é má!"
A voz de Bruno baixou, tingida de uma ameaça sutil. "Se você não pedir desculpas, não pode ir para a casa da Sheron neste fim de semana. Sem brincadeiras com o Caio."
Os olhos de Biel se arregalaram, e ele imediatamente murmurou: "Desculpa, mãe." O pedido de desculpas foi forçado, o medo de perder a companhia de Sheron superando em muito qualquer remorso genuíno.
Então, ele olhou para Bruno, seus olhos brilhando. "Pai, posso ir para a casa da Sheron neste fim de semana? Posso dormir lá? Vai ser tão divertido!"
Encontrei o olhar de Bruno, uma calma fria e vazia se instalando sobre mim. "Sim, Biel", eu disse, minha voz plana. "Você pode."
O maxilar de Bruno se contraiu. Ele não esperava que eu concordasse tão prontamente.
Biel sorriu, um sorriso largo e inocente. "Eba! É como um presente de Natal antecipado, mãe! Não ter você por perto!" Suas palavras, afiadas como cacos de gelo, cortaram os últimos resquícios do meu coração materno. Não havia mais nada a ser salvo.