O motorista, um homem estoico chamado Marcos, balançou a cabeça. "Não desde ontem, senhor. O carro dela ainda está na garagem."
"Claro", murmurei, passando a mão pelo cabelo. "Ela só está sendo dramática. Tentando provar um ponto." Mas um lampejo de inquietação se agitou em meu estômago.
Alcancei minha gravata, afrouxando-a, e então notei. Um pequeno e vibrante caco de plástico, mal visível no assento de couro macio. Um pedaço de esmalte. 'Íris da Meia-Noite'.
Meu sangue gelou. Não era meu. Era de Sheron. Deve ter caído da bolsa dela quando ela esteve no meu carro mais cedo. Quando ela foi buscar o Biel.
Não. Alice não podia ter visto isso. Ela não podia saber. Fechei os olhos com força, querendo que a imagem desaparecesse. Ela estava apenas sendo paranoica. Ela sempre tinha essas ideias malucas.
Mas a certeza fria de que ela tinha visto, de que ela sabia, arranhava meu peito. Não era apenas um esmalte. Era a confirmação. Ela não estava adivinhando; ela tinha certeza.
Dispensei o motorista, querendo ficar sozinho. Afundei no assento, minha mente acelerada. Eu não tinha traído de fato. Não fisicamente. Sheron era apenas... conveniente. Um corpo quente, um ouvido disposto.
Eu a usei. Para deixar Alice com ciúmes, sim. Para lembrá-la do que ela tinha. Para fazê-la lutar por mim. Era um jogo. Um jogo estúpido e cruel.
Peguei meu telefone, digitei uma mensagem de voz furiosa: 'Alice, isso é ridículo. Volte para casa. Agora.' Então, meu dedo pairou sobre 'enviar'. Não. Agressivo demais.
Apaguei. Digitei em vez disso: 'Alice, por favor, volte para casa. Precisamos conversar.' Mais suave. Mais atraente.
Cheguei em casa e encontrei uma casa silenciosa e vazia. Nenhuma resposta de Alice.
Biel invadiu a sala de estar, o rosto manchado de vermelho. "Pai! Olha! Eu usei o batom da mamãe! É tão bonito!" Ele ergueu um tubo meio comido, seus olhos arregalados e inocentes.
Peguei-o no colo, tentando sorrir. "Tudo bem, campeão. A mamãe não vai ficar brava." Mas por dentro, um pavor crescente se enrolava no meu estômago. Alice adorava suas coisas.
Então eu vi. O aspirador de pó robô, zumbindo diligentemente pelo chão de mármore, coletando poeira e... pedaços de papel. Pequenos pedaços avermelhados.
Biel uma vez cortou o diploma da escola de artes de Alice, pensando que eram apenas 'figurinhas'. Ela chorou por dias.
"O que é isso, Biel?", perguntei, minha voz tensa.
"Ah! O carteiro trouxe um livro vermelho para a mamãe! Mas não era um livro de histórias, então eu brinquei com ele!" Ele riu, totalmente inconsciente.
Um livro vermelho. Um livro vermelho do carteiro. As palavras ecoaram em minha mente. Certidão de divórcio. Não. Não podia ser. Ainda não. Alice não tinha assinado nada. Eu não tinha assinado nada.
Larguei Biel, correndo para o aspirador. Apertei o botão de parar, depois, com cuidado, meticulosamente, ajoelhei-me para juntar os delicados fragmentos. Meus dedos tremiam enquanto eu os juntava.
'CASAMENTO.' Eu vi a palavra. Uma onda de alívio me invadiu. Apenas nossa antiga certidão de casamento. Ela deve ter jogado fora por acidente. Que descuido da parte dela.
Então, meus olhos captaram um pequeno carimbo escuro, nitidamente impresso no topo. 'DECRETO DE DISSOLUÇÃO. ESTA CERTIDÃO NÃO TEM MAIS VALIDADE.' E abaixo, em tinta preta burocrática: 'PARTES DIVORCIADAS. CERTIDÃO INVALIDADA.'
Minhas mãos tremeram, espalhando os pedaços novamente. Não. Não podia ser. Isso era... impossível.
As palavras duras me encaravam do chão. Nosso casamento havia acabado. Legalmente. Irreversivelmente.