Ele parecia exausto. Havia olheiras escuras sob seus olhos, e seu terno estava coberto de poeira cinza.
"Você acordou", disse ele.
"Onde estou?" Minha voz era um arranhado seco.
"Hospital de campanha", disse ele. "A propriedade está comprometida. A tempestade derrubou a rede elétrica."
"Minha perna", eu disse.
"Fratura de tíbia e fíbula", ele recitou. "Fratura limpa. Você vai mancar por um tempo, mas vai andar."
Ele disse isso como se estivesse lendo um boletim meteorológico. Clínico. Distante.
"E a outra coisa?", perguntei.
Ele franziu a testa. "Que outra coisa?"
Ele não sabia.
Os médicos não tinham contado a ele.
Ou talvez contaram, e ele não ouviu.
"Por que você foi embora?", perguntei. "Por que me deixou lá?"
"A janela de evacuação estava se fechando", disse ele. "Sofia é um ativo de missão crítico. Ela controla a narrativa na imprensa. Se ela entrasse em pânico, a missão falharia. Foi uma escolha estratégica."
"Um arranhão", eu disse. "Ela tinha um arranhão."
"Ela tem um baixo limiar de dor", disse ele, seu tom mudando para defensivo.
"Eu estava esmagada", eu disse. "Eu estava soterrada."
"Você é forte, Elena", disse ele. "Sempre foi. Sofia é... frágil."
"Eu perdi o bebê", eu disse.
Não era minha intenção dizer isso.
Simplesmente saiu da minha boca.
Dante me encarou. A cor sumiu de seu rosto.
"O quê?"
"Eu estava grávida", eu disse. "Dez semanas. Perdi debaixo da estante. Enquanto você colocava um Band-Aid na Sofia."
Sua boca se abriu, mas nenhum som saiu.
"Você... por que não me contou?"
"Eu ia contar", eu disse. "Mas você estava muito ocupado planejando uma festa."
"Elena, eu..." Ele estendeu a mão para a minha.
Eu me afastei.
"Não", eu disse. "Não me toque."
De repente, a aba da tenda se abriu e um médico entrou correndo.
"Sr. Carvalho! A Srta. Rizzo está perguntando por você. Ela diz que a umidade a está deixando tonta."
Dante olhou para o médico.
Depois olhou de volta para mim.
Ele olhou para o espaço vazio onde um bebê deveria estar.
"Diga a ela para respirar em um saco", disse Dante, a voz tensa.
"Ela está ameaçando chamar a imprensa, senhor. Diz que se sente insegura."
Dante fechou os olhos. Um músculo se contraiu em sua mandíbula.
Ele se levantou.
"Eu já volto", ele me disse. "Só preciso acalmá-la."
"Vá", eu disse.
"Volto em cinco minutos", ele prometeu.
"Vá", repeti.
Ele saiu.
Ele saiu da tenda.
Ouvi vozes lá fora. Os tons baixos e entediados de voluntários internacionais.
"Aquele é o Príncipe de Gelo?", um perguntou.
"Sim. Carregando a jornalista por aí como se ela fosse feita de vidro."
"E a esposa? Aquela com a perna quebrada?"
"Casamento político", disse a outra voz. "Ela é só um móvel na casa. Ele está claramente apaixonado pela outra. Pagando uma dívida de sangue ou algo assim."
"Triste", disse a primeira voz. "Ela parece que é feita de pedra agora."
Olhei para minhas mãos.
Elas tremiam.
Não de medo.
De clareza.
Meu coração não se partiu.
Ele se calcificou.
Transformou-se em uma coisa dura e fria que não precisava de sangue para bombear.
Eu não era mais o Canário na Gaiola.
A gaiola foi destruída.
E o pássaro estava morto.
O que restou foi outra coisa.
Algo afiado.