Eu não levantei o olhar. Foquei no padrão sinuoso do mármore.
"Boa viagem, Don Moretti."
Ele hesitou. Eu podia sentir sua irritação irradiando dele como calor. A formalidade o incomodava. Ele não queria uma serva; ele queria que eu implorasse. Ele queria a antiga Sera, aquela que teria se agarrado às suas lapelas, com os olhos arregalados de preocupação, suplicando para que ele ficasse seguro.
Mas aquela Sera estava morta. Ela havia morrido na escuridão fria do porão.
Sem outra palavra, ele se virou e saiu. A porta pesada se fechou com um clique, selando meu destino pelas próximas setenta e duas horas.
Elena não perdeu tempo.
Ela se sentou à cabeceira da mesa de jantar para o almoço, posando como uma rainha em um trono roubado. Ela tocou a pequena sineta de prata, o som agudo e exigente.
"Limpe a mesa", ela ordenou.
Levantei-me, enxugando as mãos úmidas no avental, e caminhei até a mesa. Estendi a mão para sua tigela de sopa de tomate meio comida.
Assim que meus dedos tocaram a porcelana, ela moveu o pulso.
A tigela caiu no chão.
A porcelana se estilhaçou com um estalo violento. A sopa de tomate espessa e vermelha espirrou pelo tapete branco imaculado, parecendo perturbadoramente com um jato arterial.
"Oh, céus", disse ela, sua voz pingando falsa simpatia, seus olhos dançando com malícia. "Você é tão desastrada. Limpe isso. De joelhos."
Eu a encarei por um instante. Leo observava da cadeira ao lado, sorrindo enquanto mastigava uma barra de chocolate, seu rosto manchado de açúcar.
Lentamente, ajoelhei-me. Comecei a pegar os cacos maiores e irregulares.
Leo pulou da cadeira. Ele se aproximou, seus movimentos rápidos e erráticos, e antes que eu pudesse me preparar, ele me empurrou com força.
Caí para frente.
Minhas mãos bateram nos cacos de porcelana.
A dor rasgou minhas palmas, quente e aguda. O sangue brotou instantaneamente, escuro e rico, misturando-se com a sopa vermelha até que eu não conseguia mais distinguir onde a comida terminava e eu começava.
Eu ofeguei, sentando-me sobre os calcanhares, sem fôlego. Cacos de porcelana fina estavam cravados em minha pele, brilhando sob a luz do lustre.
Leo riu, batendo as mãos pegajosas. "Mamãe, olha! Ela está sangrando!"
Elena bebeu seu vinho, impassível. "É isso que acontece quando você é inútil, querido."
Algo se quebrou.
Não foi um estalo alto. Não foi um grito. Foi um clique metálico e silencioso no fundo da minha mente, como a trava de segurança de uma arma sendo desativada.
Eu me levantei.
O sangue pingava de minhas mãos, atingindo o chão imaculado com um rítmico *tap, tap, tap*.
Caminhei em direção a Elena.
Ela vacilou. O olhar morto e vazio em meus olhos deve ter finalmente perfurado sua arrogância, porque ela pousou sua taça de vinho com um tremor.
"O que você está fazendo?", sua voz ficou mais aguda. "Afaste-se! Ou eu direi a Dante que você me atacou de novo!"
Inclinei-me sobre a mesa. Coloquei minhas mãos ensanguentadas e laceradas sobre a toalha de mesa branca.
Pressionei, deixando duas impressões carmesim perfeitas manchando o linho.
"Você acha que venceu", sussurrei, as palavras arranhando minha garganta. "Você acha que porque tem o ouvido dele, tem a alma dele. Mas você não conhece o Dante. Você não sabe o que ele faz com as coisas que mentem para ele."
"Eu não estou mentindo!", ela gritou, encolhendo-se.
Eu sorri. Parecia irregular, uma coisa quebrada em meu rosto.
"Destruição Mútua Assegurada, Elena. É onde estamos", disse suavemente. "Você pode brincar de Rainha enquanto o Rei está fora. Mas quando ele voltar... certifique-se de que sua história se sustente. Porque meu silêncio é a única coisa que te mantém viva agora."
"Saia!", ela gritou, apontando um dedo trêmulo para a porta. "Saia da minha frente!"
Virei-me e fui embora, deixando o sangue e o medo para trás.
Fui para o quarto dos empregados. Sentei-me na cama estreita e arranquei os cacos de minhas mãos com uma pinça, sufocando cada gemido. Enfaixei as feridas com bandagens limpas, apertando-as bem.
Então, ajoelhei-me ao lado da cama e levantei a tábua solta do assoalho. Puxei o celular descartável que a secretária de Lorenzo me entregou na Gala.
Uma mensagem piscava na tela.
*O barco sai à meia-noite de sexta. Esteja nas docas. Píer 4.*
Sexta-feira. Era o dia em que Dante voltava.
Olhei para minhas mãos enfaixadas. Olhei para o uniforme cinza que me marcava como propriedade.
Eu tinha quarenta e oito horas.
Eu tinha quarenta e oito horas para queimar seu império até o chão.
E eu não ia usar fogo. Eu ia usar a verdade.
E então, eu ia desaparecer como fumaça.