Capítulo 3 02 CAPÍTULO 01: SONHO CONCRETO

Era seu. Ao abrir a porta foi a primeira coisa que pensou. Observou dali cada detalhe antes que seu pé direito pisasse porta adentro. O piso de madeira estava ótimo e tinha meio que um toque especial. A escada envidraçada e o corrimão cromado também agregaram um toque interessante ao ambiente. Ela se viu bastante satisfeita com tudo aquilo. Seu olhar foi direto para a sala, realizando seu desejo, olhar pelas janelas, sentir o vento nos cabelos. A 100 metros do chão ela sentia seu mundo completo. Nos seus devaneios via a casa pronta, decorada e sua herdeira brincando sob seu olhar.

Linda menina, com seus cabelos soltos se escondendo atrás dos móveis enquanto a mãe fingia procurar por ela. Elza é seu nome, tem os olhos claros e o sorriso tímido como a mãe e um lindo tom de pele moreno que sem dúvidas herdara de seu pai.

Mas ela resolveu viver e realizar um sonho de cada vez. Este seu maior sonho está realizado, este momento é seu.

- Um sonho de cada vez. - Disse para si mesma

E finalmente entrou.

Já conhecia o lugar. Tanto tempo com as plantas nas mãos que era tudo familiar e ela via tudo com um sorriso de realização em sua face. Algo tão único que ela mesma não se reconheceria.

Os dias que se seguiram foram um tempo de adaptação, afinal não mudou apenas seu endereço, toda sua rotina também mudou. Acordar e fazer café. Teria que se organizar com suas refeições, coisa que nunca teve que fazer, já que seu pai sempre foi o mestre da cozinha, se quer sabia onde se guardam as coisas. Sua mãe e a irmã mais novas sempre cuidaram bem de tudo, da casa e dos serviços domésticos enquanto ela e a irmã do meio trabalhavam fora. Era bem harmonioso, salvos alguns eventos raros

Passou assim o seu primeiro final de semana fora de casa. Descobriu com amigos do trabalho boas opções para entrega de comida e supermercado e montou seu kit de sobrevivência sem vestígios de dona de casa. Frutas, água e um champanhe, algo dentro dela queria celebrar.

Olhando pela casa reparou algo na sua sala, uma adega repleta de bebidas finas e um cartão de boas-vindas. Das palavras que estavam escritas ali, uma expressão lhe fez sentir muito bem e mais uma vez ela sorriu satisfeita, "você merece".

Ela sentia em si que de fato merecia e sabia que aquelas palavras, mesmo tendo vindo de um desconhecido, lhe caiam bem como uma luva. Foi para a cozinha ainda vazia, ajeitou sobre a pia as coisas que havia comprado e aproveitou para beliscar das uvas e beber um pouco de água. Já estava se sentindo em casa, mas a ainda tinha que pôr no lugar as coisas que trouxera. Entre roupas e sapatos, bolsas e lençóis tinha objetos de desejos para ser colocados em algum lugar.

O dormitório principal é imenso. Uma suíte com hidromassagem e vista panorâmica. As poucas caixas e malas que trouxe couberam nele sem problemas. O melhor lugar, visto que ali ela passará muito tempo. Ligou seu rádio, sua playlist de músicas para momentos felizes nunca fez tanto sentido.

- Era para eu vir aqui e ser feliz? Ótimo, então é para isso que venho.

Passou todo o final de semana contemplando e passeando pelas áreas vazias. Entre um ambiente e outro fazia selfies e planos, imaginava decorações, móveis e pinturas para cada um dos espaços, e repetia "Te aguardo e te desejo lar doce lar" várias e várias vezes. Até que parou diante da janela da sala, a vista mais fantástica que já teve. Ali agradeceu olhando para o céu. Estava apresentando a Deus a vitória que suas bençãos trouxeram. Em uma prece em forma de conversa relembrava as coisas de que abriu mão para isso. Sua conversa com Deus era pessoal e íntima, tinha em si que Ele estava próximo, quase que lado a lado, afirmava em oração que se não fosse assim nada seria possível e todo o esforço teria sido em vão.

- Deus, aqui as vitórias Nossas.

Se passou o fim de semana.

Na segunda feira acordou cedo, às 6 da manhã como sempre fazia. Ao abrir os olhos estranhando o ambiente a sua volta, pegou o celular e viu suas conversas, não levou muito tempo para se orientar. Casa nova vida nova.

Seu trajeto para o trabalho levava cerca de uma hora, desde que o trânsito estivesse bom. Com a mudança levaria poucos minutos, os mesmos 15 que ela levava do estacionamento até a empresa. Não mais que um simples passeio pelas calçadas da Avenida Atlântida. Então ela não precisa ter nenhuma pressa, tinha vários minutos extras, os quais decidiu usar para si, fazendo as coisas que vinha planejando há tempos, mas sempre adiava por uma razão ou outra, ou até mesmo sem razão alguma, vontades suas bastante atrasadas que não mais estarão.

Levantou-se então da cama. Bem-disposta e motivada, não era pra menos diante dos últimos acontecimentos. Foi ao lavabo no dormitório e desceu as escadas. Surpresa descobriu ter dali uma vista de amanheceres jamais descritos, um bônus impagável oferecido pela natureza. Foi até a cozinha onde deixou suas compras, ainda está vazia, mas ela sabia exatamente como ela viria a ser, os armários, eletrodomésticos, fogão e geladeira tudo claramente aparecia diante de seus olhos como se estivessem realmente ali.

Tomou nas mãos uma garrafa de água e foi até a sala principal do duplex, abril totalmente as janelas deixando a luz brilhar nas suas retinas. Encheu-se da energia daquela luz e inspirando-se com aquela vista magnífica, iniciou alguns movimentos de ioga, coisa que adotara há muito tempo, mas nunca executava. Uma nova prática a escrever nas páginas em branco desta sua nova vida. 45 minutos de exercícios leves que lhe proporcionaram um bem-estar muito maior do que ela esperava. O que já foi imediatamente associado à sua nova rotina matinal deste momento em diante.

Ainda tinha tempo antes de ir trabalhar, entrará na empresa às 8:45 então por comodidade decidiu sair de casa às 8, com tempo para um café e para folhear um livro no quiosque da Lednom, cantina onde vem tentando uma reserva. Uma fila que parece não andar de maneia alguma.

- É um desejo. Contarei os dias até conseguir esta reserva, é inútil, mas contarei.

Deitou-se diante da janela, para uma pausa antes do banho. Trajava ainda suas roupas de dormir, uma blusa regata e uma calcinha confortável, aqui ela pode se vestir assim e andar pela sala. Na casa dos seus pais isso já não era uma boa escolha. A brisa entrava pelas janelas tocando em sua pele, a sensação é muito boa e faz seu corpo se arrepiar com esse leve toque.

O frio da manhã finalmente a vence, então se levanta e vai se aquecer em um banho. Separou roupas formais e colocou sobre a cama. Então ela se perfumou, não como de costume, mas para uma ocasião especial. Vestiu-se, maquiou-se e fez um belo penteado nos seus cabelos, com detalhes que quase nunca usava

- Estes são meus novos dias. Quero viver tudo como nunca vivi. Tenho deixado muitas e muitas coisas de lado, deixado de viver e experimentar inúmeras coisas. Isso acabou. Estou na pista, peço passagem quero sentir meus sentimentos.

Bolsa, celular, carteira e chaves na mão. Pegou tudo, pronta para sair. Antes de bater a porta deu ainda uma última olhada em sua nova casa. É a primeira vez que ela sai, e deixar o lugar ainda é estranho. Sentia-se como uma criança e seu brinquedo novo, mas neste caso não é possível colocá-lo na mochila do colégio.

Segunda Feira, é melhor correr. É o dia das urgências.

No trabalho foi exatamente isso. Um número absurdo de processos e objetos para serem enviados. Importações e exportações despachados por todo mundo e para todo o mundo. Isso sem tocar em certas coisas. "N´Ela" por exemplo. Yesmim a víbora das víboras. Acredite Nazaré Tedesco, Paola Bracho e Tereza Cristina teriam um certo receio ao lidar com ela. Em seus melhores dias ela é simplesmente insuportável.

Vendo que hoje não é um desses dias mágicos, esperemos pelo fim do mundo nas próximas 8 horas.

Anne pedia que sua presença passasse despercebida. Uma Ilusão. Ela veio como flecha diretamente ao seu encontro.

- Vejo que chegou cedo hoje.

- Cedo não. No horário de sempre.

- As encomendas da Senhora Hope Lednom, mandei que lhe trouxessem. Onde estão?

- Onde estão? Já Foram despachadas por via aérea. São Paulo / Madri e de lá para a Bélgica até ela. Pacotes econômicos e carta simples. O prazo para entrega é de 34 dias juntamente com os postais que a companhia envia a ela. Nestes eu a desejo os parabéns em nome de todos.

- 34 dias? Estamos falando de uma das pessoas mais influentes do mundo, e sem dúvida alguma a mais rica, e você quer que ela espere 34 dias? Quando foi que você perdeu o juízo garota? Este pacote deve estar lá em 34 horas e não dias!

- Mas foi ela mesma quem escolheu este tipo de envio e aceitou formalmente o prazo. Se ela aceitou isso. Não é urgente.

- É aniversário dela. Talvez esse pacote seja um bolo, que vai chegar em 34 dias. Não importa o que ela quer, mas o que podemos oferecer. Se trata de sua vida agora. 34 horas e isso deve estar lá! Nem que você mesma precise ir levar. Entendeu?

Olhei-a enfurecida enquanto ela ia desfilando em seu salto enorme até a entrada. Hora de correr.

Uma entrega pessoal na Bélgica? Não seria a primeira vez que teria que fazer algo assim, há alguns meses fui às pressas para Fernando de Noronha. Tudo para mimar uma modelo ricaça.

- Você não vai abalar minha vida. Não vai mesmo!

Da última vez me custou um voo de 3 horas na ida e 4 na volta, para a tal modelo ter o bikini que amava muito em sua lua de mel. Loucura, mas a tal Gisele falou super bem do serviço em suas redes sociais. Resultado, 34% a mais nas entregas urgentes. Alguns casos podem ser assim. Este não poderá! Cruzar o Atlântico às pressas em uma viagem de mais de 30 horas, isso só para agradar a senhorita que diz sim para tudo. Está fora de cogitação, alguém precisa dizer um grande não para Yesmim, e será hoje.

Refazer a rota das encomendas da manhã e enviar um portador para resgatar o volume do voo agora é prioridade. O pacote está em alguma escala, não vai ser simples fazer com que sejam encaminhados de volta, serão quatro horas até o ter em mãos para despachar novamente num frete particular. Uma manobra rápida, mas que custará uma fortuna que não sei exatamente o tamanho. Além da minha hora de almoço.

Ainda na parte da manhã uma série de outros por menores aconteceram, mais algumas promessas de entregas com prazos irreais que tivemos que fazer serem verdade, já estávamos nos tornando especialistas em fazer a Terra girar ao contrário. Quando não eram os contratos "D´ela" eram as coisas mais rotineiras, pacotes extraviados, endereços inexistentes e volumes violados. Temos que resolver ou cancelar o contrato, mas cancelar é um problema ainda maior no momento atual. Com novas agências sendo abertas, grandes promoções estão sendo oferecidas. Cada contrato abre portas. Tenho 34, mais 6 e minha realidade acontece, ser gerente sênior, fazendo de Yesmim gerente internacional indo trabalhar na matriz. Não sei o que me faria mais feliz.

São quase 5, não fiz minhas pausas. Preciso parar para um lanche, mas ainda está corrido. As pendências do dia se não resolvidas estão solucionadas. Vou até a copa da agência. Me servindo de 2 cafés, sendo 1 expresso e outro com creme, e 1 folheado. Assim eu encerraria meu expediente ali mesmo e já sairia direto para casa. Mas uma movimentação estranha começou a acontecer. Em instantes a lanchonete se esvaziou e todos que matavam tempo se ocuparam. Isso é sinal claro de peixe grande.

Mal terminei meu pensamento e fui surpreendida por uma abordagem nada comum.

- Senhorita Anne! Que bom encontrá-la!

- Procurador Wébano, faz um certo tempo que não vem nos ver.

- A companhia funciona sem mim. Méritos seus. Este é Fabian, da farmacêutica Tarcísio, esta é Anne, Nossa Gerente Internacional. A pessoa por traz do bom trabalho. Suas passagens. Espero que goste da Cidade da Paixão. Consegui a sua volta apenas para sexta. Espero que aproveite bem.

- Isso é realmente necessário? Um frete aéreo já resolveria isso. Estou em um momento delicado. Eu gostaria de não viajar.

- Isso é necessário. Os desejos da empresa neste momento devem vir a frente dos seus. Mas não se aprece em concluir as coisas. Vai ser muito bom para você.

Deixei escapar um "putz grilo" neste momento. Meus olhos já ardiam de raiva. Ela realmente me faria fazer essa viagem? Me despedi e entrei no elevador deixando o prédio, confesso que nada feliz com isso. Estava tão pra baixo que não notava do que havia sido chamada. Eu Gerente Internacional?

Saindo do elevador ao passar por mim as pessoas me parabenizavam,

- Parabéns Anne.

- Anne, você merece.

- Obrigada.

- Bom trabalho, parabéns Anne! Disse um estagiário com olhar apaixonado.

- Obrigada a todos. Vocês também fazem parte disso. Respondi fingindo entender aquilo.

Será possível que fui a última a saber?

- Temos que comemorar. Disse um grupo de bajuladores.

- Me desculpem, viajo amanhã, como veem.

#annevaiprabelgica.

Em um instante isso se tornou o acontecimento do ano, quando dei por mim a animação de todos já estava grande de tal forma que já me parecia impossível negar a ideia, o meu desejo era dizer não e ir para casa, mas eu também tinha meus motivos para comemorar, ainda mais agora com esse indício de promoção. Então acabei cedendo. Eu não sou disso, o que chamam de happy hour nunca me agradou muito, pelo menos não com pessoas assim que eu mal conheço. Mas levando em conta que teria que parar em algum lugar para jantar, farei como desejam.

Assim que chegamos o primeiro contato não foi uma experiência ruim, o lugar é agradável e o atendimento bom, manobrista e mesas reservadas o suficiente para que os grupos não se misturem, pude ver de cara que o que eu entendia por bares e botecos com homens gordos e bêbados de chinelos e camisetas regatas não era exatamente uma realidade. Pelo menos ao princípio da noite, esperar e ver o desfecho disso.

Já acomodados em um grupo de mesas, com uma sinuca disponível trataram logo de pedir bebidas, eu ainda estava faminta então fui direto para o cardápio de petiscos imaginando como os outros iriam se afogar em álcool. Não que eu também não fosse beber, mas achei prudente começar devagar, meu limite com bebidas não é dos mais altos.

A noite foi seguindo, todos desejam mais e mais, eu já desconfiava que a certa altura ninguém mais sabia o que comemorávamos, bebidas eram servidas a todo momento shots, drinks, caipirinhas e batidas das quais também provei e pude ver que tudo isso também tinha o seu nível de prazer aceitável até ali, não tendo por que ser descartado.

Era uma noite de segunda feira e todos curtiam como se isso não importasse, e nessa hora senti em mim o alívio de não trabalhar no dia seguinte. Os mais animados já começavam a passar da conta, os drinks elegantes e a postura das pessoas já iam mudando, isso pra mim era a deixa perfeita.

Já tinha me levantado, estava com a bolsa nos ombros, paguei parte da conta com um presente a todos e ia saindo quando uma voz me impediu.

- Não. Não vá ainda. Você é a única com quem ainda se pode falar.

- Você? Que faz aí sentado? Não devia estar na roda do vira?

- Não mesmo. Eu não bebo. Minha mente não necessita.

- Desculpe a curiosidade, mas então por que veio aqui?

- Por você.

- Já sei, Anne vai pra Bélgica. Que saco!

- Não. Na verdade, Anne vai ser chefe. Isso sim se deve comemorar. Você vai ser a melhor.

- Você é um cara peculiar. Gosto de você. Pena que não vou me lembrar disso pela manhã.

- Eu vou me lembrar de cada detalhe, seus olhos, seu batom, lembrar de você exatamente.

O garoto se aproximou de mim repentinamente, com claras e inegáveis intenções, tocou meu rosto enquanto falava e já tinha seus lábios bastante próximos aos meus para que fosse um julgamento errado, era uma intenção clara, apesar se ser um jovem gentil, aquilo não era aceitável, não naquele momento, não desta forma.

Um estagiário em uma noite de bebidas com todos da empresa é incabível para esta realidade.

- Ótimo, lembre-se disso. Acredito que não vai querer se esquecer da sua posição na empresa e dos elogios que fiz ao seu trabalho. Pense no risco caso escolha mesmo arriscar o próximo passo. Então?

- Me desculpe senhora Anne.

- Foi o que imaginei. Fique mais alguns minutos e depois vá pra casa. Da forma que estão todos aqui, acredito que você seja o único em condições de trabalho esta manhã.

Fui deixando o lugar a francesa, a ideia era realmente não ser vista por ninguém. Mas não pude despistar a todos, aos que não consegui fiz valer o álibi da viagem, afinal é um fato que fui pega de surpresa no meio do expediente com toda essa história. Ainda preciso me preparar, malas documentos e tudo mais para mais esta viagem.

Saindo do bar não via a hora de chegar em casa e pôr um fim neste dia, mas chegando me deparei com um novo problema, o fator mudança. Ainda não trouxe todas as minhas coisas para cá, uma quantidade insana de documentos e roupas ainda estão na casa dos meus pais, é bastante tarde para ir até lá e revirar os armários e gavetas. Procurar por isso amanhã vai ser uma corrida de verdade contra o tempo. Dependendo do horário e do local de embarque eu terei que me virar com o que tenho aqui, ou aproveitar a oportunidade para fazer algumas compras na Europa, o universo apaixonado por moda. Isso não seria nada ruim, e poderia viajar sem bagagem. Ideia adotada.

Com essas coisas resolvidas finalmente é o fim do dia, me preparei para um banho. Estrear minha nova hidromassagem. Sim, o dia foi tenso e eu mereço esse momento. A banheira da suíte principal é imensa, vários jatos de água e uma maravilhosa cascata caindo no centro, após um dia como esse eu me reservo ainda o direito a espuma e aromatizantes, desfrutando assim da compra que fiz ao receber as chaves.

Subo as escadas, tirando os sapatos e as roupas pelo caminho, fim do dia eu declaro.

Sentei na borda da banheira e fui abrindo os misturadores para enche-la, temperei de forma que ficasse fresca, mas não fria, liguei o som no quarto e baixei as luzes, uma ótima atmosfera sem igual foi se criando conforme os aromas se espalhavam no ar, acrescentei um sache para espumas e enquanto elas se formavam fui terminando de me despir, entrei na água, aos 34 anos uma vergonha, É meu primeiro banho de banheira, acho lindo e romântico, as decoradas com pétalas de flores, mais meus relacionamentos nunca chegaram a isso, e eu nunca esbanjei com essas coisas, nem com coisa alguma.

A massagem que a água faz em meu corpo somada ao perfume das essências e o contato com a espuma cremosa acabou resultando em uma combinação magicamente boa, e relaxante como eu estava desejando. Alguns minutos neste banho e já sentia meu corpo se renovar, algo que apenas vivendo para compreender. Para coroar este momento ainda um bom vinho bordeaux, por cortesia da construtora ao me entregar a chave, tenho uma adega com algumas garrafas que decidi destinar a momentos como esse. Seu sabor é esplêndido, algo que estou realmente começando a gostar. Dos diferentes rótulos, todos renomados e premiados, mas cada um com um toque destinto e um sabor único, que quero aprender a apreciar. Finalizando minha taça fico totalmente submersa por um tempo, faço isso algumas vezes como coisa de infância por um momento. Prolongo o banho mais alguns minutos com uma ducha para lavar os cabelos, passaria horas assim, apesar de sempre ser breve nos banhos, mas será numa próxima vez. Preciso saber que horas devo estar no aeroporto.

Saindo do banho fui recolher as coisas que deixei pela casa, a parte mais adulta de se morar só, a bagunça que deixamos ao sair ainda está lá quando voltamos. Caso à parte.

Aproveitando a saída do banho quis experimentar algumas coisas, lingeries, camisolas e uma serie de coisinhas de menina que venho acumulando, aquele enxoval que a gente ama e nunca usa, mas é teu. Hoje eu resolvi experimentar, e certamente será usando algo dentre as peças dele que eu sairei para esta viagem, apenas assumindo o controle e me permitindo ousar, eu posso e eu quero, meu lado que eu ainda não conhecia, mas que não faz sentido mantê-lo anônimo. Não preciso mais ter pudores, receios nem tenho regras a seguir, sou dona de mim por muito tempo eu vivi me segurando, mas hoje mais que independente eu desvinculei minha vida da vida dos meus pais e de seus costumes, não reclamo de como fui criada, mas muitas coisas seriam mais fáceis estando longe de suas rígidas culturas.

Vesti sim uma coisa ou outra, rendas cavadas e conjuntos provocantes com detalhes que valorizam a sexualidades e as curvas do corpo, olhando no espelho enquanto tentava me reconhecer com as mãos, mesmo ainda me achando desengonçada podia ver o reflexo de uma mulher realmente maravilhosa, bonita sim, com o corpo em dia, sem sobras. Discreta e sedutora uma combinação que sem dúvidas atrai olhares.

- Te agradar é difícil Anne, mas olha só para você.

Me deparei com um conjunto vermelho. Incrível em todos os sentidos, suas rendas em sobretons, o caimento perfeito, confortável e lindo. Vesti imediatamente me levando a alguns instantes de confiança e bem-estar. Acariciei meu corpo correndo as mãos pelas pernas e pelos meus seios apreciando o resultado, me sentia tão bem e poderosa vestida assim que resolvi assim em segundos que seria este o que iria usar. Desfilava pela casa me olhando nos reflexos fazendo poses, caras e bocas, me sentia linda, atraente e por que não dizer sensual? Estava aprovando finalmente meus gostos. O melhor disso é que me sentia bem e bonita para quem eu julgava importante estar bonita. Eu mesma.

Andando pela casa vi a bolsa que deixe na entrada para aliviar os braços, junto a ela envelope que recebi na empresa com as informações da viagem. Fui conferir os detalhes, agora que já estava com tudo previamente organizado para ir. O seu conteúdo para minha surpresa e espanto me diz que nada disso será necessário. Ao invés das passagens e o cartão para os custos da viagem e os papéis da hospedagem como eu esperava encontrar uma espécie de título acrescentando mais de 50 mil a minha carta de crédito para ser usado em mobília, decorações e afins. Fiquei completamente sem ação ao ver aquilo, será um engano? Foi meu primeiro pensamento, mas anexo a isso tudo havia um bilhete da empresa explicando tudo.

Anne,

Primeiramente parabéns por sua conquista.

Estamos realmente muito felizes por você.

Reconhecendo o seu trabalho e sua importância em nossa

equipe queremos te dar este presente.

Sabemos o quanto você batalha e conhecemos os seus gostos

malucos, então realize estes gostos.

Aproveite o resto desta semana para pôr sua vida em dia,

mudanças são sempre complicadas.

E nos desculpe a brincadeira com a viagem, foi um meio de

deixar apenas entre nós, para todos você realmente vai viajar.

A Senhora Lendnom também te felicita. Parte do presente

veio pessoalmente dela, por sua dedicação.

Nos vemos na segunda.

Procurador Webano Patriota

Um palavrão me veio a ponta da língua ao ver isso, tudo que pensei hoje desde o momento em que recebi essa notícia, agora você cancela tudo com um bilhetinho desse.

Fiquei "P" da vida por ter que viajar, "Os desejos da empresa devem vir a frente dos seus". Você não faz ideia minha vontade de segurar o seu pescocinho.

Meu sonho e todas as coisas que sempre quis estavam a um passo se acontecer. Vocês são incríveis. As pessoas mais maravilhosas para se trabalhar, mesmo que buscasse não encontraria um pronome adequado para descrever o que sinto.

Já me preparava para ir para a cama após confirmar o embarque e encerrar o dia com #anneprecisadormir, mas com a notícia a ideia simplesmente sumiu da minha cabeça.

A noite estava quente, como o verão. Sozinha ali na sala me servi de uma nova taça de vinho e me pus a observar a noite de luar, uma vista linda e toda minha. As estrelas brilhavam como nunca havia visto, procurava pelas constelações que conhecia enquanto apreciava o sabor da bebida, diminui o brilho das luzes para ficarem quase apagadas, apenas um chamego destacando assim a companheira que brilhava cheia e formosa em seu papel de rainha da noite. Dali podia vê-la intimamente, como em um camarote e me banhar em sua luz. Uma vantagem de estar no 34º andar, minha vista bem panorâmica do horizonte, vista quase total se não fosse pela torre sul que fica no mesmo lote, não chega a impedir a vista, mas está lá, edificadas lado a lado, a namorada vermelha da torre azul onde estou. Enquanto balanço o vinho entre os goles vou passeando os olhos distraídos pelas ruas e os carros que vão e vem nas avenidas abaixo, terminando num gole minha taça volto a completá-la observando um movimento intenso de pessoas que acontecia na cobertura do prédio a frente, acabaram de ligar o som nas alturas começando uma festa grande e animada, com uma mulher vestida para a piscina servindo bebidas, e outras mulheres, digamos não vestidas, circulando de frente as janelas. Alguns grupos pareciam se divertir muito em um clima descontraído mais que o bar onde estava. Sei que festas assim duram a noite toda então esse som será minha trilha de hoje.

Ao fim de mais uma taça já sentia a face corar e os lábios aquecerem, para mim isso parece um abuso, mas julguei merecer mais uma. Um pouco mais de prazer para esta noite, até já me fazia convidada daquela festa, lá eles bebiam e se banhavam com algum tipo de espumante algo bastante sensual, seios amostra desfilavam naturalmente, beijos constantes que não se limitavam apenas aos lábios. Cenas que a princípio me pareceram o cúmulo, mas conforme observava ia parecendo uma prática mais aceitável, bastante louco, mas ali, naquele lugar, naquela festa, era quase comum.

O tempo passava e a festa já durava algumas horas, pessoas saiam e outras chegavam o tempo todo. Aqui meia taça esvaziava a garrafa, mas também desejava continuar, tudo o que via já não me chocava, as garotas nuas já eram comuns e eu seguia poderosa em meu traje vermelho, foi quando eu me notei seminua na janela. São coisas assim que sempre me serviram de freios para noitadas, perder os limites nunca foi para mim.

Retomando a razão e o controle vesti a camisola do mesmo conjunto, transparente, mas que oferece sentimentos de proteção, intimidade e a compostura que eu precisava para esta situação. O vinho já faz efeito eu já seria a pessoa chata na mesa, sem dúvidas.

Levo a taça para a pia, "sinceros votos de voas vindas" diz o tag no gargalo da garrafa que jogo no lixo, não me lembro de alguma vez na minha vida ter tomado uma garrafa toda sozinha, muito menos copos seguidos como acabei de fazer.

- Viver sozinha não é isso Anne, você não precisa desfrutar a vida toda em uma única noite.

Beber me dá sono, principalmente vinho, e já sinto meus olhos pesarem, de um jeito ou outro essa noite está no fim. Vou lavar minhas mãos e meu rosto, para aliviar a sensação de peso, bebo um pouco de água e vou fechar as janelas com um pouco mais de cuidado desta vez. Ainda olho para a festa, mas me policio para não permanecer ali, e me deixar levar por tudo isso outra vez.

Sigo então para o quarto onde eu logo me deito buscando simplesmente adormecer, sinto o sono se aproximar, mas minha mente e meu corpo ainda estão em êxtase, a música alta ainda se faz ouvir e parece que estou lá, "te acalma Anne se tranquiliza" eu repetia para mim mesma enquanto fechava a porta do quarto e ligava o som com algo muito mais calmo. New Age sempre foi a essência do sono. Simplesmente amo.

            
            

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