Capítulo 5 Saburo o que é voce

Para Baumann e sua equipe tudo mudou muito rápido, toda a perspectiva que tinham já não valia mais nada naquele momento, era como se tudo que tinham acabasse de ruir. O fato de terem sido esquecidos em um porão que nem mesmo eles sabem onde fica foi realmente a gota d'água, nada mais importava. Eles iam sair dali e voltar as suas antigas vidas, só não sabiam o que iam fazer com Saburo, mas já não havia outro jeito.

Os dias passam lentamente, enquanto tinham o projeto eles se ocupavam com coisas técnicas, agora precisam arrumar um jeito de sair dali. Depois de muito pensarem e conversarem, uma coisa foi descartada, não havia nenhuma possibilidade saírem a pé dali e caminhar até a próxima cidade. Eles não tinham sequer alimentados para completar a viagem e sequer condições de passar um tempo indeterminado caminhando sem direção. Mas isso era uma coisa que eles ainda não estavam tão preocupados, tudo girava sobre o fato do que iriam fazer com Saburo.

- Vamos colocar a camada dérmica nele - sugere Baumann - pelo menos assim existe a chance de ninguém perceber que ele é um androide.

E o doutor Baumann estava certo, todas as características de Saburo eram notáveis, sua tecnologia era algo jamais visto até aquele momento. Mas o que mais chamava a atenção era que com a pele artificial dele era idêntica à de um humano, mesmo de perto era necessária muita atenção para perceber que não se tratava de uma pessoa de verdade. E assim fizeram, mas antes teriam que reprograma-lo, Saburo precisava se comportar como uma pessoa normal.

E isso iria levar mais do que os poucos dias que faltavam até os soldados chegarem, e então eles chegaram a uma conclusão, e pelo menos nisso eles concordavam, precisariam ter paciência. Mas uma coisa era certa, o fim estava perto, aquele lugar iria se transformar apenas em uma amarga lembrança. E então trabalharam duro, refizeram todas as conexões, todos os circuitos foram reprogramados, precisavam dar uma nova personalidade a Saburo.

Os primeiros dias foram difíceis, parecia que ele havia internalizado aspectos antigos, pois achava que tudo se travava de uma guerra, de que não havia mais nada no mundo além dos conflitos para que foi programado. Falkenberg tratou de garantir que as memorias antigas seriam apagadas por completo, foram dias árduos.

Com Saburo deitado na mesa ele aperta um parafuso para esquerda e pergunta qual a percepção que Saburo tinha do mundo e recebia sempre a mesma resposta, que nada se tratava de paz, que tudo uma guerra e deveria ser vencida. Então ele gira o parafuso para o outro lado e altera a frequência, mas tudo continua do mesmo jeito. Saburo esboça a mesma reação, continua acreditando que é um soldado programado para lutar, e só.

O doutor Vogt se aproxima e estica sua cabeça para olhar dentro dos mecanismos no peito aberto de Saburo, mexe um fio para o lado e aponta para um circuito no fundo, tudo sob os olhos atentos de Falkenberg que percebe que isso poderia ser um novo caminho.

- Já tentou reconfigurar aquele sensor? - pergunta Vogt - talvez seja um caminho possível que nos leve a uma solução.

- Não havia pensado nisso, acho que pode funcionar - responde Falkenberg intrigado.

Então ele retira o sensor e os olhos de Saburo se fecham. O doutor ainda curvado sobre o peito do androide analisa o sensor em frente aos seus olhos. Uma pequena chapa quadrada de cinco centímetros de largura, e começa a pensar se a chave das memorias estariam ali. E para isso precisariam religar os circuitos. Depois de algumas soldas o androide abre os olhos de novo.

- Saburo, o que é você? - pergunta Falkenberg olhando por cima dos óculos.

Eles não ouvem nenhuma resposta, é como se agora ele fosse apenas um brinquedo a pilha. Então o doutor conecta o sensor na bancada e muda a frequência, o sensor se acende novamente, porém a intensidade da luz é menor que antes. Bastava saber se ainda funcionaria. E o único jeito de saber era recolocando o sensor dentro do peito de Saburo. Novas sodam são feitas, tudo é religado com a nova configuração, os olhos do androide apenas se mexem para a esquerda e para direita.

Uma pequena faísca sai dos contatos, mas nada que pudesse assusta-los, era algo normal, Saburo fecha os olhos por um instante e depois os abre. Aquele rosto exatamente igual ao de um humano agora parece um pouco menos artificial, suas novas reações parecem ser mais espontâneas, ele chega até a torcer o pescoço em direção ao doutor Falkenberg. Naquele momento eles presenciam algo que os faz ficarem emocionados. Pela primeira vez Saburo sorri.

- Olá doutor Falkenberg! - diz o androide - que bom vê-lo novamente!

Todos eles ficam estáticos e acima de tudo surpresos, pois não tinham a mínima suspeita que Saburo poderia um dia dar um sorriso, por menor que fosse, mas ele o fez. Alguma coisa naquele sensor continha a programação principal de Saburo, ali ficava o seu cérebro. Naquele pequeno sensor de cinco centímetros estavam as conexões que comandavam exatamente tudo naquele androide.

- Saburo, qual o seu propósito? - pergunta Falkenberg.

Ele gira o pescoço novamente em direção ao doutor, pisca os olhos duas vezes e volta a olhar para o teto.

- Eu não sei - responde calmamente - o arquivo não pode ser encontrado.

A equipe respira aliviada, agora bastava apenas fazer com ele aprendesse as coisas certas e sua programação seria reconstruída.

- Sintonize o rádio - ordena Baumann.

Em poucos instantes o autofalante em seu peito começa a transmitir um programa de culinária, fazendo com que o androide mexa os olhos rapidamente como se estive procurando algo no teto em branco. A equipe espera alguns minutos e se sentam em volta da mesa, os cinco escutam pacientemente todas as instruções de como fazer um bolo de morango. Tudo para Saburo parece ser mágico, como se ele fosse uma criança em um parque de diversões, suas sobrancelhas fazem um movimento cadenciado de sobe e desce, assim como suas pupilas que se dilatam toda vez que escuta algo novo.

Falkenberg pede que ele fique escutando o rádio em modo interno, pois agora eles precisavam achar onde ficava o núcleo que comandava seus movimentos. No caderno de instruções o texto é claro e objetivo, mas apenas diz como inserir as instruções e não como modifica-las. E isso caberia ao doutor Altman descobrir, pois tinha sido ele que havia configurado essa parte das instruções anteriormente.

- Bem, está claro onde fica o núcleo psicomotor, mas não está claro onde devo modificar as instruções - responde Altman remexendo os fios dentro do peito de Saburo com uma chave de fenda.

E outra coisa acontece e os deixa extremamente perplexos, pois ouvem algo que os deixa realmente empolgados novamente. O próprio Saburo os indica a solução.

- Arquivo encontrado. Conecte o cabo sensorial - ordena o androide.

A equipe olha para ele com cara de estranheza e pede para que ele explique o que acabou e falar.

- Explique melhor Saburo - ordena Altman.

- Conecte o cabo sensorial para realizar a manutenção desejada - repete a voz robotizada.

- É claro! - exclama Vogt com o dedo esticado - só pode ser um cabo que está na primeira caixa onde vieram as primeiras instruções, eu não o considerei por achar que não iriamos precisar.

- Faz todo o sentido! - concorda Baumann - as instruções eram muito objetivas, aquele cabo não fazia sentido nenhum.

Então Vogt corre até o outro lado do laboratório, abre uma caixa e espalha seu conteúdo no chão, em meio a porcas, parafusos e componentes eletrônicos um cabo serial de cor vermelha parece o esperar no canto daquele amontoado de coisas. O doutor volta para perto da mesa como se estivesse carregando o prêmio Nobel em suas mãos, aquele cabo que parecia sem utilidade agora parece ser a chave para seus problemas.

- Porque ele não nos disse isso antes? - pergunta Falkenberg intrigado.

- Deve ser porque agora ele foi reiniciado, esse deve ser o conjunto de informações iniciais dele - aponta Baumann - como não o conseguimos ligar da forma habitual da primeira vez não passamos por essa etapa.

Vogt conecta uma ponta do cabo no núcleo psicomotor dentro do peito de Saburo e a outra ponta em seu pescoço fazendo com que ele feche os olhos por um longo instante. Um frio sobre pela espinha dos cientistas e o medo toma conta deles, o fato de estarem mudando as configurações os deixa apreensivos, pois são características de Saburo que não tiveram tempo de estudar a fundo.

Os segundos se passam e cada vez mais eles ficam nervosos, o silêncio parece ser ensurdecedor, mentalmente cada um deles torce para que os olhos do androide se abram novamente. E depois de um longo instante os olhos se abrem. Aquela voz robotizada parece ser música para os seus ouvidos.

- Altera a voltagem do sensor para doze mil miliamperes caso deseje reiniciar o conjunto de códigos relacionados a psicomotricidade.

Eles escutam aquela voz que mais parece uma secretaria escolar falando ou uma aeromoça de mau humor, mas apenas fazem o que acabaram de ouvir. O doutor Vogt coloca cautelosamente uma chave de fenda dentro do peito de Saburo e dá duas voltas, e lentamente reconecta uma nova célula da bateria no sensor. Novamente os olhos de Saburo se fecham, mas dessa vez se abrem rapidamente, o rádio volta a tocar e Saburo abre e fecha as mãos.

- Os movimentos foram reiniciados. Com toda a certeza ele agora não irá esperar que alguma ameaça aconteça para se movimentar - afirma Baumann esticando o polegar em direção a equipe.

No mesmo momento Saburo levanta o antebraço e também estica o polegar, olha para Falkenberg e depois volta a sua posição inicial. Agora ele estava pronto para aprender a se movimentar. A equipe coloca a mesa na posição vertical, os olhos de Saburo se mexem rapidamente acompanhando todos os movimentos que os cientistas fazem. Com o compartimento em seu peito aberto todos conseguem ver as pequenas luzes piscando em uma velocidade extremamente elevada.

Depois de algumas horas Saburo ainda permanece parado, ainda de pé e imóvel nos suportes que o seguram, o que causa grande estranheza em todos da equipe. Nas ultimas horas eles fizeram vários movimentos, caminharam de um lado para outro arrumando as coisas no laboratório, mexeram os braços enquanto encaixotavam coisas que precisariam quando saíssem dali. E acima de tudo fizeram coisas normais, almoçaram e até se espreguiçaram, tudo que uma pessoa normal faria.

Mas Saburo continuava parado.

                         

COPYRIGHT(©) 2022