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Eles queriam apenas voltar a ver suas famílias e ter sua velha vida de volta, todos eram cientistas renomados tanto no seu país quanto em toda a Europa. Tinham uma vida boa e eram bem remunerados, até que um dia um coronel os chamou para conversar. Sequer fez um pedido, apenas comunicou o que iria acontecer, jogou na mesa os projetos e disse que imediatamente iriam iniciar. Naquele momento, soldados entraram na sala e eles foram colocados em um caminhão.
Primeiro foi o doutor Falkenberg e depois o doutor Vogt. Depois de alguns dias chegou o doutor Altman e por último o chefe da pesquisa, o doutor Baumann. E foram nesses dias as últimas vezes que eles viram outras pessoas, com exceção de Baumann que todas as terças a noite ele encontrava os soldados por alguns minutos. Na verdade, aquilo tudo era uma grande porcaria do ponto de vista de como as coisas foram feitas, mas tinha que ser feito daquela forma, no exato dia que aquele projeto ficasse pronto, a guerra seria vencida pela Alemanha.
Sem sombra de dúvida aquele era o projeto mais audacioso que a humanidade teria visto. Era algo inimaginável até mesmo para aqueles quatro cientistas que ali estavam, mas eles precisam terminar aquilo de uma forma ou de outra, ou suas vidas iriam acabar ali mesmo, naquele subsolo. E que forma mais estupida de morrer, esquecidos no meio do nada em um projeto que parece que ninguém se importa. Todos os quatro sabiam que a postura daqueles dois soldados que levavam comida e tudo que eles precisavam refletia a postura de todos os seus superiores, a postura de indiferença. Com certeza mandavam os dois irem entregar as coisas sem sequer falar o que estava acontecendo, mas isso parecia ser normal, soldados de baixo escalão quase nunca sabiam de nada, apenas cumpriam ordens e pronto.
O projeto caminhou de uma forma bem considerável nos primeiros dois anos, mas depois as coisas ficaram mais complicadas, era preciso algo que eles não tinham, ou pelo menos não tinham ali naquele lugar. E foi preciso pedir ajuda, na verdade foi preciso pedir uma tecnologia mais avançada. O doutor Baumann fez um relatório extenso sobre todos os avanços que tinham conseguido, e do que precisavam e porque precisavam de mais tecnologia para terminar o projeto.
Naquela terça feira o doutor subiu as escadas, exatamente as sete da noite, já estava escuro, provavelmente era inverno. Se nenhum deles esqueceu de riscar o dia no calendário já eram meados de janeiro, e o frio era rigoroso naquele ano, ficar ali parado esperando os soldados chegarem era algo torturante. os fundos do prédio as vezes era maçante e sempre solitário. Eram minutos agoniantes de solidão ali sozinho, pelo menos era assim no inverno. E saber que a pessoas mais próximas estava a muitos quilômetros de distância. Apenas ele era autorizado a pegar a comida, se os soldados encontrassem outra pessoa ali, qualquer um dos outros três cientistas, suas ordens eram de fuzilar a pessoa. E na verdade eles nunca viram os outros três, apenas conheciam o doutor Baumann, tudo era mesmo um mistério para aqueles dois soldados.
Naquela noite de janeiro, que achavam se tratar do dia vinte e três, já faziam quase um mês que eles estavam praticamente parados em termos de avanço nas pesquisas. O natal e o ano novo tinham sido até mais tranquilos, pois tinham tido tempo para preparar o que puderam chamar de ceia, não porque não tinham o que comer, na verdade tinham muita coisa. Mas queriam o que todo mundo queria, apesar do fato de estarem em guerra, queriam estar com sua família.
Uma vez tentaram estabelecer uma linha telefônica para tentarem ligar para suas famílias, mesmo que escondido, até conseguiram, mas o número não era mais aquele. Eles não sabiam mais onde estavam suas famílias, tiveram vontade de construir uma bomba e mandar tudo aquilo pelos ares. Mas voltaram atrás, e trataram de destruir o telefone improvisado que construíram.
Até que enfim os soldados chegaram.
E como sempre foi tudo a mesma coisa, uma freada brusca, a caixa atirada no chão e depois outra e mais outra. Em silêncio eles apenas fizeram mais uma vez o que tinham feito todo aquele tempo. Nem desligavam o jipe, tamanha era a pressa, o único momento que o doutor Baumann tinha para falar alguma coisa era enquanto o soldado subia e descia da parte de trás do jipe. Pois quando ele voltasse para o banco do carona não daria mais tempo de falar, só na próxima semana. Era só o tempo de ele fazer o que precisava que o soldado que dirigia acelerava e saia em disparada. E como Baumann já tinha decorado como tudo acontecia foi até fácil entregar o relatório, quando ele jogou a última caixa no chão e pulou de cima do jipe, era a sua deixa. Apenas esticou o braço e colocou o envelope na sua frente, pois ele iria ter que passar pela frente do doutor para subir no jipe novamente.
- Entregue para o Coronel Krüger. São coisas que ele precisa saber imediatamente.
E se tinha uma coisa que aqueles cientistas sabiam era que sempre que um envelope era entregue para os soldados, na outra terça chegariam mais mantimentos e outro envelope com a resposta. Ou mais caixas com mais equipamentos, nunca chegava um comunicado ou uma carta do coronel Krüger, apenas o que foi pedido. E sempre uma resposta técnica.
E eles sabiam que os soldados deveriam ter ordens expressas de pegar qualquer envelope que fosse entregue pelo doutor, pois nunca se recusaram a receber e parecia que davam muita importância. Todas as vezes que foi entregue um envelope eles tratavam de na mesma hora colocá-lo em uma caixa de ferro, que provavelmente seria entregue diretamente ao coronel.
E assim os soldados foram embora, e na outra semana trouxeram muito mais mantimentos que as outras vezes, parecia que traziam comida para um batalhão inteiro. E dessa vez parece que o coronel ficou feliz, pois mandaram roupas novas, charutos, bebidas. Tudo teve que ser transportado de caminhão, pois tinham equipamentos novos a serem entregues, até desceram da caçamba quatro moças para divertir os cientistas.
- Vocês têm duas horas - disse rispidamente o soldado enquanto as moças desciam do caminhão - vamos esperar aqui.
É claro que as moças desceram até o subsolo, não era certo aquilo que eles fizeram, na verdade eles não queriam. Eram todos casados. Mas o que iria pensar o coronel Krüger se eles recusassem? E se elas dissessem que apenas desceram e os cientistas não fizeram nada? Aquilo soava como uma ordem silenciosa. "Aproveitem as moças, é uma ordem". O coronel Krüger pareceu ser uma pessoa muito rude e sádica, daquelas pessoas que não se pode esperar coisas boas quando ele escuta um "não". Nas poucas vezes que os cientistas o viram, e foram só duas ou três, ficava claro que era uma situação bem particular, o coronel fala e você escuta, depois obedece sem questionar o que ouviu.
E assim eles fizeram o que o coronel quis, se divertiram por duas horas com aquelas moças, talvez ele estivesse os agradecendo pelos avanços consideráveis. Apesar de ser um homem rude o coronel sempre demostrou ter um senso de justiça muito apurado e uma lei bem clara que era: "Faça o que eu mando e você será muito bem recompensado". Os que desobedeceram a suas ordens se arrependeram profundamente, disso todos sabiam, mesmo antes da guerra começar, nos jornais as vezes ele aparecia em alguma notícia. E nunca eram noticias boas, ia de soldados desaparecidos até tropas extintas.
E sempre em letras garrafais, era estampado para todos verem o que acontecia com aquele que desobedecia ao poderoso coronel Krüger. Junto com tudo aquilo que eles puderam chamar de "agrados" concedidos pelo coronel veio um envelope bem grosso, que parecia ter bastante folhas ali dentro, mas naquela hora eles não tinham com ver. Tinham que "cuidar" do assunto mais urgente, as moças.
No fim daquela noite eles abriram o robusto envelope, e se depararam com novas coisas, folhas e mais folhas, projetos ilustrados com todas as instruções que pediram, e o mais inusitado era que tudo estava em japonês e traduzido. Todos aqueles ideogramas e as figuras detalhadas de tudo que precisavam estavam ali. E com sua folha correspondente grampeada e traduzida, era questão de apenas colocar em prática.
Pela primeira vez eles tinham mais de duas mil instruções complexas para cumprir, e aquilo parecia cada vez mais longe de acabar. E assim foram os dois anos depois daquela noite fria de janeiro de 1943, e chegaram aos quatro completados dentro daquele subsolo. Foram quatro anos longos e árduos, de uma pesquisa que parecia não ter fim, ou quando achavam que estava no fim sequer estavam na metade. Até para eles aquilo parecia uma incógnita, cada vez alguma coisa nova era adicionada aquela pesquisa, e a guerra parecia não ter data para acabar.
E assim chegaram ao final de agosto de 1945, ou alguma perto disso, pelo menos em suas contas estavam no máximo no início de setembro. As coisas estavam há meses um pouco mais estranhas, as visitas dos soldados eram adiadas, na verdade eles nem apareciam naquela semana, só na próxima. E as entregas passaram a ser a cada quinze dias, eles não falavam nada sobre isso, apenas uma vez disseram em tom bem impaciente que eram ordens do coronel.
E depois sem mais nem menos voltaram a entregar toda semana, sob o mesmo discurso de antes, apenas as poucas palavras de sempre, resumida em uma frase e nada mais que isso.
- São ordens do coronel.
E era isso e ponto final. As vezes o doutor Baumann sequer perguntava muito, apenas quando iria ser a próxima entrega e nada mais. Ele até achou estranho que os soldados estavam mais tensos do que o de costume, e tudo começou a ficar assim depois de maio de 1945. O doutor Baumann não sabia o porquê, e não tinha uma resposta para aquela pergunta. Na verdade, ele não se importava com aquilo, pois estavam finalmente chegando ao fim do projeto. Eles sabiam que era hora de concluir aquilo, mesmo que eles achassem extremamente repulsivo. Era hora de irem embora, ou pelo menos era o que achavam.