Capítulo 3 Eva

- Talvez devêssemos aceitar- Minha mãe diz no momento em que entramos no apartamento.

Ignoro suas palavras enquanto jogo as chaves na mesa de centro da nossa sala.

- O restaurante já não é o mesmo de antes. - Continua ela. - E a proposta não é tão ruim assim. - Dou uma risada sarcástica ao ouvir a última frase

Finjo por algo na geladeira, enquanto ela fala. Vender o restaurante é uma péssima ideia, e a proposta era ruim, seria basicamente entregar de graça para eles. Levando em conta que só pelo ponto onde estava localizado, ele valeria no mínimo o dobro do oferecido. No mínimo.

Pego uma cerveja na geladeira, e sigo em direção ao meu quarto. Ainda me recusando a responder mamãe.

- Querida, diga alguma coisa. - Pede ela, antes que eu entre no quarto. Sua voz é baixa e cansada, e mesmo assim eu consigo escutá-la com clareza.

- Não. - É tudo que digo em resposta ao seu comentário. Dou um gole na minha cerveja e me encosto na parede do corredor. -Você sabe que a proposta não é boa, provavelmente não daria para abrir nem uma birosca na beira de uma esquina com o que restasse - ela me encara em silêncio, enquanto bebo mais um gole da cerveja. - E é o restaurante do papai, sabe o quão zangado ele vai ficar quando descobrir que estamos tentando vender o restaurante dele? - Vejo pena no olhar da minha mãe no momento em que as palavras saem da minha boca, e só tardiamente noto que citei papai como se ele estivesse ainda entre nós.

- Querida, seu pai se foi. - Sua voz está embargada e sinto raiva de mim mesma por ter dito qualquer coisa. - Somos só nós duas agora. - Conclui.

Em silêncio eu me viro e entro no meu quarto, batendo a porta com força em seguida.

******************

Minha mãe não voltou a tocar no assunto da venda do restaurante, e fui grata a ela por isso. A semana se arrastou sem nenhuma novidade, expulsar o advogado bunda mole do restaurante, parecia ter sido o auge dela. Na de novo voltou a acontecer no restaurante, o velho bêbado ainda era o cliente mais fiel que tínhamos, e eu ainda tinha que me segurar para não expulsá-lo também.

Quando a sexta feira chegou, a última coisa que eu queria era ficar em casa e pensar na discussão com mamãe.

Nos finais de semana, minha mãe não ficava em casa, ela costumava ir para casa da minha tia para poder conversar. Ela fazia isso desde que meu pai se foi, e nesse processo de desabafo dela, eu acabava ficando sozinha em casa. O que no começo era ruim, mas agora era bom, já que eu não precisaria lidar com ela pelo resto do final de semana.

Na sexta, também era comum ela sair mais cedo, não que houvesse algum problema nisso, o número de clientes não havia mudado, então fechar o lugar sozinha era algo simples.

Eu estava terminando de trancar as portas do restaurante quando meu telefone tocou. O nome da minha melhor amiga brilhava na tela quando atendi o aparelho.

- Sim, Lili. - Pergunto assim que ouço o seu "alô" do outro lado da linha.

- E se eu disser para você que hoje é o melhor dia da sua vida e que eu sou a melhor amiga do mundo todo, o que diria? - Sua voz estridente diz no telefone.

- Eu diria que você é uma mentirosa. - Respondo rindo, enquanto me afasto do restaurante.

- Ha ha. Você é uma idiota - fala ela emburrada, enquanto reviro os olhos para aquilo.

- Sabe que estou brincando com você - Digo em uma forma de fazê-la desemburrar -Vamos lá, me conte o que você queria - Peço fingindo empolgação.

Minha voz parece convencê-la, já que ela dispara a falar sobre uma festa qualquer. Desligo meu cérebro enquanto minha amiga fala, entro no carro e aciono o alto falante para continuar ouvindo-a. Lilian era provavelmente a única amiga que eu tinha, a gente se conhecia desde o ensino médio, mas o ensino médio havia acabado há 4 anos atrás, e enquanto Lilian seguiu para a faculdade de direito, eu fiquei e ajudei minha mãe com o restaurante. Na época, eu havia passado para gastronomia, o plano era fazer faculdade no mesmo lugar e vivermos a vida de universitárias juntas, mas na vida nada nunca sai como o planejado. De algum jeito ainda havíamos conseguido manter a amizade entre nós, mesmo que os encontros fossem raros, eles ainda acontecem e isso era bom. Gostava de Lili, adorava sua companhia e conversar com ela, mas quando passamos muito tempo sem nos falar, como é o caso agora, bem, ela dispara a falar sobre tudo que fez durante esse período. E eu estava muito cansada para prestar atenção naquilo.

- Então, o que você acha? Sei que tá em cima da hora, mas não quero ir sozinha - Sua voz estridente chega aos meus ouvidos cortando meus pensamentos.

- Claro - concordo entusiasmada com a chance de poder sair, mesmo não tendo ouvido nada do que havia dito - Você dirige ou eu dirijo? - Pergunto.

- Nenhuma das opções, bobinha - fala ela rindo como se eu tivesse contado uma piada muito engraçada. - O motorista do meu pai vai passar para buscar você - informa. - E vista algo chique! - Avisa, e com um clique ela desliga o telefone.

Eu havia esquecido de mencionar que, além de ser minha melhor amiga, Lilian era rica. Bem, talvez uma informação não seja necessariamente relacionada a outra, mas ainda assim é sempre bom ressaltar isso. Nós estudamos na mesma escola, e na época minha família vivia uma vida confortável, mas nada do que tínhamos, chegava aos pés do que Lilian tinha.

O pai dela é advogado, não, o pai dela é O Advogado. Acho que todo mundo no Brasil inteiro conhece o maior criminalista do país, ou pelo menos conhece a Carlos & Associados.

O problema da minha amiga ser tão rica, é que minha melhor roupa, não chega aos pés da pior roupa que ela tem no guarda roupa. Houve uma época em que talvez eu tivesse peças melhores, mas quando as contas começaram a apertar de verdade, comprar roupas caras parou de ser a opção número 1 para mim.

- Eu disse para vestir algo chique - Lilian fala no momento em que a porta da limusine se abriu.

- Isso é o melhor que o meu guarda roupa consegue fazer - informo, indicando o meu vestido preto justo e simples.

Minha amiga, ri do meu comentário.

- Eu sei, por isso que eu trouxe reforço - Avisa ela, e antes que eu fale qualquer coisa ela puxa uma embalagem de dentro do carro - vamos lá para cima para trocar esse vestido, e eu vou dar uma caprichada nessa maquiagem também.

- O que tem de errado com a minha maquiagem? - Pergunto incerta, mas em vez de obter uma resposta, eu sou rebocada de volta para o meu apartamento.

********

Foi necessário mais uma hora até que eu estivesse apresentável para a festa nos parâmetros de Lilian. Meu vestido preto, simples e justo, foi trocado por outro. Eu vestia agora, um vestido longo, vermelho que moldava toda a minha silhueta. O vestido possuía um decote longo, mas ao mesmo tempo discreto. Na perna havia uma abertura que deixava minha perna esquerda um pouco à mostra, de uma forma provocativa. Felizmente a maquiagem simples e discreta que eu havia feito, não havia sido preciso modificá-lo muito, Lilian escureceu a sombra que eu havia escolhido, e caprichou no delineado que eu havia feito.

- Então, por que é que eu tive que me produzir de novo? - Pergunto enquanto minha amiga finaliza os últimos retoques da maquiagem.

- Eu já te disse, é uma festa importante do papai - ela finalmente se afasta para que eu me olhe no espelho. -Você não ouviu nada do que eu falei hoje mais cedo?- Indaga ela examinando meu rosto em busca de resposta.

- É claro que eu ouvi! - Minto descaradamente, fingindo estar ofendida com sua pergunta- E eu adorei o vestido - Falei em uma tentativa de mudar de assunto.

Felizmente minha tentativa de mudar de assunto, funciona. Depois que eu passo pela aprovação da minha minha amiga, nós descemos em busca do carro. O motorista particular de Lilian está fielmente nos esperando na porta do meu prédio, e assim que entramos no carro ele segue em direção a festa. No caminho para o evento, Lilia me atualiza de cada detalhe da sua vida que eu perdi nos últimos tempos, e quando termina, eu conto a ela sobre o advogado que tentou comprar o restaurante essa semana, minha amiga fica tão revoltada com tudo como eu, e pela primeira vez me sinto amparada por alguém. Quando chegamos ao local da festa, o motorista é quem abre a porta do carro para que possamos descer.

Eu quase tenho vontade de voltar para dentro do carro quando noto a importância do evento para o qual fui convidada. Sinto vontade de bater em mim mesma por não ter prestado atenção na conversa com Lilian mais cedo.

O evento seria sediado no hotel Realeza, que era simplesmente o lugar mais caro de todo o Rio de Janeiro. O hotel era conhecido por eventos importantes como o que o pai de Lilia, Carlos, estava fazendo agora. Ao que parecia, Carlos & Associados estava completando 30 anos desde a sua fundação, então todos os clientes e amigos da firma haviam sido convidados para esse evento de gala.

- Uau- Deixo o som de admiração escapar pelos meus lábios - Seu pai deixou que você me convidasse? - Pergunto preocupada. O Dr. Carlos costumava me adorar quando me via em sua casa, mas não em eventos como esse. Aparentemente eu não tinha o requisito necessário para ir em eventos como os que ele produzia.

- Bem, eu disse que não viria sozinha, e ele permitiu que eu convidasse quem eu quisesse - Minha amiga respondeu com uma piscadinha - E quem melhor que minha amiga para me acompanhar em um evento tão chato como esse? - Indaga ela, e sem esperar por uma resposta minha, Lilian segue confiante para a entrada. E relutantemente, eu a sigo.

            
            

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