Capítulo 2 A clínica

O carro parou me fazendo abrir os olhos, que já estavam inchados devido ao choro incessante.

Um homem vinha em direção ao carro. Era alto, loiro, cabelos bem penteados, aparentava ter por volta dos 40 anos, vestia calças brancas, botinas brancas e usava um jaleco branco que ia até suas canelas. Tinha cara de psiquiatra. Suspirei. Esse devia ser o "cara" que meu pai conhecia.

O homem parecia nervoso.

- Olá, Senhor Strabauer, senhora. - Fez um aceno à minha mãe.

- Obrigada Dr. Galates por aceitar nossa filha assim tão em cima da hora.

- Ok, sem problemas. Onde ela está? - Disse olhando para dentro do carro, onde eu havia me encolhido.

- Venha aqui Laura. - Minha mãe falou com voz firme.

Sai do carro em silêncio, ergui a cabeça encarando o médico, que me olhou e franziu o cenho.

- O que há de errado com ela mesmo ? - Virou-se para meu pai.

Mas quem respondeu foi minha mãe. - O senhor não vê? - Ela falava com um ar incrédulo e enojado.

O Dr. pigarreou. - Bem, às vezes precisamos de mais detalhes. - Antes que terminasse minha mãe bradou.

- Está gorda. - Apertou minha bochecha. - Veja!

- Acho que vocês estão no lugar errado então. - Dr. Galates dizia abrindo um leve sorriso, que lhe dava um ar de jovialidade, mas mais uma vez foi interrompido, desta vez por meu pai.

Não quero ter de te lembrar, Dr. Galates, o porquê você ainda é chamado de Doutor...

A ameaça pairou no ar, fazendo o médico empalidecer.

- Quanto tempo querem deixá-la ? - Ele disse obviamente incomodado.

- Um mês! - Minha mãe dizia. - Ela precisa perder pelo menos 10 kg.

- Ok! - Disse o médico passando as mãos pelos cabelos.

Meu pai foi até o porta malas do carro e tirou uma pequena mala.

- Aqui estão seus objetos pessoais para esse mês, tudo que precisar estará aqui.

Ele passou as mãos nos meus cabelos, seu olhar se suavizando. - Se comporte minha menina.

Não consegui responder. O que ele queria que eu dissesse? Obrigada papai? Bufei inconformada.

Foi em direção ao carro. - Tem meu telefone Ricardo, qualquer coisa ligue.

Então o nome do médico era Ricardo Galates, não podia me esquecer, quando eu saísse daqui o denunciaria. Era um absurdo internar uma pessoa sem ela ter nada de errado.

Minha mãe nem se despediu, entrou no carro e logo meu pai deu partida.

O sol estava forte, não era meio dia ainda, mas mesmo com o calor eu sentia-me tremer.

Ouvi a respiração pesada do Dr. Galates. Me virei para ele.

- Você sabe que o que estão fazendo comigo é crime né ? - Eu disse ainda tentando me livrar dessa situação.

- Olha garota... como é seu nome mesmo ?

- Laura. - Falei com os olhos fervendo de raiva.

- Laura... ok... - Passou as mãos nos cabelos novamente. Ele fazia bastante isso. - Eu devo uma a seu pai, preciso devolver um favor. Mas sei que é loucura o que estão fazendo. - Olhou para os lados. - Venha comigo ao meu consultório, para conversarmos.

Segui atrás dele sentindo meus pés formigarem, era como se eu estivesse dez anos mais velha, um peso sobre meus ombros. Minha garganta parecia se fechar e uma náusea me embrulhando o estômago.

Ao adentrar na clínica, vi vários pacientes. Tinham pessoas de todas as idades, jovens, de meia idade, velhos. Tinha homens e mulheres, uns de cadeiras de rodas, outros em pé fazendo movimentos repetitivos, e ainda uns jogando futebol de botão ou cartas. Grades nas janelas, enfermeiras por todo canto, portas de acesso para todos os lados. A cada passo que eu dava para dentro daquele lugar, era como se eu perdesse mais um pouco da minha sanidade mental.

- Entre.

Ouvi o Dr. Galates dizer quando chegamos a uma sala, que tinha uma plaquinha prateada com o nome dele. Psiquiatra. Ele era mesmo um psiquiatra então, pensei fechando os punhos. Entrei na sala e me sentei na cadeira à frente a sua mesa.

Ele sentou-se à minha frente. - Laura né... - Passou as duas mãos no rosto. - Vamos fazer um trato ok ?

Mas o que ele queria ? Um trato ? Me agarro à esperança, quem sabe ele não seja tão ruim quanto parece.

- Que trato ? - Falo por fim, estranhando minha própria voz, que sai baixa e rouca.

- Eu sei que você não quer estar aqui, e nem devia... - Ele diz erguendo as sobrancelhas e desviando o olhar. - Mas está. - Suspira - Esta clínica é para pacientes graves, com insanidade mental, demência, esquizofrenia, psicose, dependentes químicos graves e outras coisas desse tipo.

Levo a mão a boca, é pior do que eu imaginava. Podem me matar enquanto durmo. lágrimas voltam a escorrer no meu rosto.

- Acalme-se, por favor... - Ele se levanta de sua cadeira e se agacha a meu lado. - Vai ficar tudo bem...

- Você vai me dopar de remédios ? Eu não quero me tornar viciada em remédios, eu estudei que isso é muito perigoso... - Comecei a falar entre às lágrimas, tentando ver por entre aqueles olhos límpidos e azuis do Dr. Galates, se eu podia confiar nele, pois eu não tinha muitas opções.

Ele suspirou. - Você tem razão, são muito perigosos, e facilmente viciantes. Não vou lhe dar nada forte, mas aqui, todos são mantidos sob vigilância, e medicados. Se não medicar você com algo, vão desconfiar.

Um soluço escapa de meus lábios, enquanto abaixo a cabeça. Não consigo raciocinar direito, toda minha vida perfeita, com boas notas, amigos legais, e até um possível namorado escorrem por minhas mãos, como água da chuva.

- Aí entra nosso trato. - Ele fala e ergo a cabeça para olhá-lo. - Você vai ganhar cápsulas manipuladas de placebo. Um frasco com seu nome, de uso exclusivo seu. Eu trabalho durante o dia, um colega trabalha durante a noite e outra colega nos finais de semana. Então por favor, pelo seu e o meu bem, me prometa que ficará longe de problemas, pelo menos a noite e aos finais de semana. - Ele suspira pesado. - Ou vão te medicar com o que quiserem, para acalmar... - Ele olha bem fundo nos meus olhos. - É permitido medicar os pacientes quando estão agitados.

Entendo o que ele quer dizer. Assinto com a cabeça.

- Tenho uma amiga nutricionista, vou conversar com ela para ajustar suas refeições. E pelo amor de Deus, emagreça, para que seus pais loucos a tirem daqui.

- Porque você está aceitando fazer isso ? O que deve a meu pai?

Ele sorri de maneira triste. - Cometi um erro, e seu pai descobriu. Disse que não contaria a ninguém, até ontem... quando me ligou e disse que ou eu te aceitava aqui ou destruiria minha carreira.

Levei a mão no peito, pensando do que meu pai era capaz. Meu pai e minha mãe, nunca os perdoarei por isso.

Dr. Galates interrompe meus pensamentos.

- Vou te apresentar ao pessoal da clínica, para os médicos e enfermeiras você terá ansiedade e depressão grave, então o que você precisa fazer, é só ficar quietinha e ninguém te incomodará, ok ?

Ok. - Digo imensamente agradecida. - Obrigada por me ajudar dentro do possível.

- Eu que peço desculpas por fazer parte disso. - Gesticula com as mãos mostrando ar. Eu podia estar vulnerável, triste, sozinha, ser jovem, mas uma coisa eu não era: Burra! Ele podia estar me ajudando agora, por culpa talvez... mas eu ainda assim o denunciaria quando saísse daqui. Por ora me comportaria para sair daqui viva.

- Agora venha. - Me puxou pela mão e me levou para a sala por onde entrei.

- Atenção pessoal. Temos uma nova integrante na clínica. - Todos pararam para olhar para ele... bem nem todos, alguns simplesmente pareciam não notar sua presença. - Laura Strabauer. Sejam gentis com nossa nova amiga.

Ele me olhou e me indicou uma mesa em um canto. Sussurrou para mim. - Fique lá até a hora do almoço, depois volte para lá.

Concordei com a cabeça.

- À tarde temos atividades, faça-as como der, e se mantenha quieta.

Assenti mais uma vez. Era só um mês, ia dar certo.

Caminhei lentamente me sentando na mesa ao qual o Dr. Galates me indicou. Era um bom lugar, dali eu conseguia visualizar a sala inteira, todos os cantos, portas e janelas. Em cima da porta de entrada que dava no pátio por onde entrei, tinha um relógio que marcava 11:53. Meio-dia em ponto era o almoço. Apesar de eu não ter comido nada até agora, não tinha fome, tudo que eu queria era me deitar e dormir. Esperava que os dias passassem rápido

Aproveitei os minutos restantes para observar as pessoas que estavam ali, naquela grande sala.

Próximo a mim estava uma mulher com seus 30 anos, que segurava uma boneca como se fosse um bebê, acariciava a cabeça dela e conversava baixinho. Me esforcei para ouvir. Ela dizia: mamãe não vai te deixar, calma meu bebê, mamãe não vai deixar ninguém te pegar. E repetia novamente, embalando a boneca em seus braços.

Tive uma sensação de melancolia, uma tristeza me tomando, senti pena da mulher, gostaria de saber sua história. Talvez eu perguntasse ao Dr. Galates na próxima vez que o visse.

Mais a frente um senhor em uma cadeira de rodas que ficava repetindo palavras sem sentido. A seu lado um rapaz que se embalava para frente com os olhos arregalados, uma vez por outra fungava e olhava para os lados como se estivesse sendo perseguido.

Uma campainha tocou. Uma enfermeira falou alto: - Hora do almoço! - Várias enfermeiras passaram a ajudar os pacientes, direcionando-os para o refeitório. Me levantei e fui devagar, ficando por último, melhor estar atrás e ver tudo, do que na frente e não ver nada.

Fui a última a entrar no refeitório, tinha poucos lugares. Como eu saberia onde era mais seguro ?

Olhei ao redor com receio, então vi um rapaz que parecia ter pouco mais que minha idade, cabelos castanhos, pele branca, magro e não muito alto, talvez 1,70 de altura, ele não estava na sala grande antes. Ele estava quieto e de cabeça baixa. Fui até ele e me sentei a seu lado.

            
            

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