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Cerca de meia hora depois nos chamaram. De novo. Ô chatice!
- HORA DO CAFÉ DA TARDE, TODOS PARA O REFEITÓRIO.
Me levantei e em silêncio me encaminhei para o refeitório. Observei o lugar onde havia me sentado antes e fui para lá. Mas o lugar ao meu lado ficou vazio, me causando uma sensação de náusea. Mas o que eu poderia ter feito por ele? Gritado junto? Isso só me causaria problemas. Cássio, porque estamos aqui Cássio? Eu estava sentindo aquela pressão no peito novamente. Soltei o ar forte, querendo me livrar da angústia.
Uma xícara de chá foi colocada a minha frente, juntamente com uma fatia de pão integral e uma maçã. Ergui os olhos e encontrei o enfermeiro de antes, com aquele sorriso idiota no rosto. Acenei como agradecimento e me pus a comer. Era o que me restava.
- Você terá uma dieta balanceada, diferente dos outros pacientes. Espero que não cause problemas por isso.
A voz dele demonstrava que ele queria me provocar. Mas porque? O que eu havia feito a ele? Não respondi. Afinal, eu só tinha perguntas a fazer, e sabia que elas não seriam respondidas.
Vendo que eu não responderia ele saiu, indo atender os outros pacientes. Senti um movimento a meu lado e virei-me rápido, e para meu espanto e alegria era ele. Cássio. Com seus enormes olhos azuis.
- Cássio... - Murmurei em direção a ele, que para minha surpresa me encarou. Mas por poucos segundos, então desviou o olhar e aguardou sua refeição.
O café da tarde dele era um sanduíche com o que parecia ser requeijão e presunto, e assim como eu ele recebeu uma xícara de chá. Pelo que tinha reparado todos tomavam café com leite, com sanduíches e bolos ou biscoitos dispostos nas mesas. Somente os dois tinham o lanche diferente. Será que ele também seguia uma dieta? Observei-o mais um pouco. Ele parecia bem, não tinha marcas visíveis e não estava chorando. Fiquei aliviada. - Que bom que está bem... - Falei bem baixinho, quase que eu mesma não me ouvi. Mas ele me ouviu.
- Eu gosto de chá.
Cássio falou apontando para o seu chá e depois para o meu. Sorri para ele.
- Eu também gosto de chá. - Disse suavemente e baixo para não assustá-lo. Fiquei feliz de ele falar comigo. Simpatizei com ele, ele não me parecia perigoso, mesmo depois da cena de mais cedo, ele parecia mais alguém que precisava de ajuda do que alguém que oferecesse riscos.
Comemos em silêncio, mas o ambiente tinha melhorado, pelo menos para mim.
Depois do café da tarde, nos encaminharam novamente para a grande sala, pelo jeito ficaremos muito por aqui. As luzes estavam mais baixas, e a televisão estava ligada passando um filme, estilo sessão da tarde. Me sentei na mesma mesa que eu estava antes, mas em outra cadeira, e Cássio sentou-se ao meu lado, no lugar que era dele.
Desde que cheguei nessa clínica me senti acuada e encurralada. Me senti impotente, e desprotegida. Mas com Cássio ali do meu lado, pela primeira vez desde a manhã de hoje, me senti calma e de certa forma, não me senti sozinha.
O filme era Cartão de Natal, um filme clichê sobre romance e o significado do natal. Tinha um pouco de comédia que me fazia rir em algumas partes, inclusive percebi que só eu ria nas cenas engraçadas ou fofas. O filme terminou e me fez reparar que a noite vinha chegando, me causando uma sensação de medo.
Nunca fui medrosa, mas hoje tinha sido um dia desesperador. Nunca em minha vida, que não era grande coisa, afinal eu tinha só 16 anos, imaginei estar a mercê de pessoas estranhas, ainda mais por meus próprios pais. Será que eles não se arrependeriam e voltariam para me buscar? Olhei para fora, por onde entrei. Mostrando o gramado verde, o portão grande, que dava em uma longa e isolada estrada. Suspirei, inconformada com a situação. Mas ao mesmo tempo eu estava impressionada comigo mesma, afinal qualquer adolescente em meu lugar já teria surtado, e eu estava conseguindo me controlar muito bem até.
Virei o rosto em direção de Cássio, que olhava para fora, na mesma direção que eu estava olhando.
Eu quero conversar com ele, mas não sei se eu realmente posso, ou se ele vai realmente me entender. - Cássio... - Chamo baixinho, olhando-o fixamente. Espero um momento, mas ele não me olha. - Meu nome é Laura. - Digo ainda o encarando.
Ele baixa os olhos para encontrar os meus. - L.a.u.r.a. - Ele fala pausadamente, como se fosse difícil pronunciar.
Repito com um sorriso. - Laura. Isso mesmo. Prazer.
Ele volta a olhar para a janela que dá para o pátio da frente, que está atrás de mim. - Laura. - Ele repete sem me olhar.
Continuo sorrindo. - Podemos ser amigos Cássio? - Espero pelo tempo que parece ser uma eternidade e quando acho que ele já não vai mais me responder ele me olha. E seus olhos estavam diferentes do que das outras vezes, tinha um brilho, um brilho que faziam com que ficassem mais límpidos.
- Laura. - Ele repete me olhando. Eu entendi isso como um sim.
- Ok. Cássio. - Repeti o nome dele também. Sei lá, vai que era uma forma de ele entender que agora éramos amigos. Virei-me para a janela e fiquei olhando a noite cair, até nos chamarem novamente para ir para o jantar.
Minha marmita dessa vez, também estava diferente das dos meus colegas. Possuía muitos legumes cozidos e saladas. Um pedaço de frango grelhado picado, e nada mais. Peguei a colher e olhei para meu prato. Eu odiava comer de colher. Balancei a cabeça e comecei a comer, mesmo com pouca vontade, visto que essa comida era horrível, parecia não ter nem sal.
- Você gosta da comida Cássio? - Murmurei para ele, mas ele não me respondeu. Olhei de canto e vi que ele remexia no prato e mas não comia. - É, eu também não gosto. - Disse a ele. Voltando minha atenção ao meu prato.
Uma enfermeira parou a meu lado com um copo com água e um comprimido. - Hora dos remédios Laura.
Senti que meu sangue estava se esvaindo de mim. Olhei para ela com o pote na mão, lembrei-me que o Dr. Galates prometeu me dar placebo. - É, o remédio que o Dr. Galates me receitou? - Pergunto temerosa.
- Sim. - Ela vira o frasco e lê o rótulo. - Manipulado com medicamentos específicos para você. - A mulher sorriu simpática.
- Tá bom. - Peguei o copo e o remédio, fiquei olhando por um momento sem ter coragem de tomar. Mas então um sussurro soou ao meu lado.
- Enfermeira Meg.
O olhei espantada, para encontrá-lo me olhando e então olhei para a enfermeira que sorria em direção a Cássio.
- Somos amigos, não é Cássio? - A enfermeira falou com ele.
Sorri. Então eu tinha entendido! Ele era meu amigo também. E estava me dizendo que Meg também era amiga. Fechei os olhos, sentindo uma onda de lágrimas querendo vir. - Ok. Meg. - Repeti em direção a ele. Tomei o comprimido com a água, com a convicção de que ela estava me dando os remédios certos, que o Dr. Galates tinha mandado.
Depois que ela já estava longe de nós, virei-me para ele. - Obrigada Cássio. Muito obrigada. - Eu não sei se ele sabia, mas tinha me ajudado muito e eu queria que ele soubesse. Mas mais uma vez não tive resposta. Mas tudo bem, dessa vez eu sabia que ele estava ali, que ele tinha me ouvido e era meu amigo.
Na saída do refeitório nos encaminharam para outra ala da clínica que eu ainda não tinha visto. Passamos por portas enormes com placas indicando que eram banheiros e mais a frente enormes portas que indicavam os dormitórios. Nos colocaram em uma outra sala grande como a da frente, só que esta não tinha mesas nem cadeiras, apenas sofás, pufs e almofadas pelo chão. Tinha também uma enorme prateleira em uma das paredes, contendo milhares de livros, e do outro lado enormes janelas que davam para um pátio interno que tinha um enorme e lindo jardim. Caminho até lá fascinada, quem sabe uma hora não deixavam a gente ir até lá. Seria bom caminhar entre aquelas flores.
Volto-me a sala onde todos já estavam acomodados, procuro por Cássio mas não o encontro. Droga! Devia ter caminhado com ele. Observo os enfermeiros sentados pelos cantos apenas observando-nos. Não teria chance de sair dali para procurá-lo. Me encolho no chão, próximo a janela que dá para o jardim. E assim fico até ouvir meu nome sendo chamado.
- Laura Strabauer.
Ergo-me de imediato e encontro os olhos da enfermeira Meg. Ando até ela. - Onde está o Cássio? - Pergunto sem nem saber porque ela me chamou.
Ela sorri de lado para mim. - Ele está tomando banho, depois vai para o quarto dormir.
- Ah... - Digo meio sem jeito.
- Inclusive está na sua hora também.
- Minha hora de que? - Pergunto meio distraída.
- Tomar banho e ir para cama. - Ela não estava sendo grossa como muitos dos outros foram.
- Ah tá... - Digo meio sem jeito ainda. Eu queria confiar nela, mas ainda estava um pouco receosa.
Ela me encaminhou até as portas do grande banheiro.
- Este é o banheiro em que vocês tomam banho. Tem vários como esse, para irmos dando banho em vários ao mesmo tempo. Sempre são acompanhados na ida ao banheiro.
Faço uma careta de horror, que a faz rir.
- Mas... tem alguns pacientes, assim como você, que conseguem usar o banheiro sozinhos. Então acompanhamos, somente por precaução. Mas vocês mesmos fazem as coisas sozinhos.
- Pelo amor de Deus! - A olho de olhos arregalados. - Obrigada, Meg né?
- Isso. Na verdade é Margarete. Mas Cássio me chama de Meg. - Ela riu com carinho.
- Ah... posso te chamar de Meg, ou prefere Margarete? - Digo tentando fazer amizade com ela.
- Pode me chamar como preferir. Meg ou Margarete, sempre responderei.
- Obrigada. - Falo de maneira agradecida.
Ela aponta para um local fechado com um box fosco, que não deixava ver totalmente lá dentro, mas deixava ver um pouco.
- Ali é onde você vai tomar banho. Te esperarei aqui fora. Como eu ainda não te conheço, trouxe sua mochila para cá, para você pegar suas roupas, como preferir.
A olhei com respeito. Por isso Cássio era amigo dela, ela respeitava a gente. Mesmo que muitos não entendessem, ou estivessem dopados. Ela conversava como se fossemos pessoas, e não doentes ou loucos, como muitos dos outros enfermeiros estavam fazendo.
- Muito obrigada Meg, mesmo. - Não segurei o choro. Estava o dia inteiro sendo forte, mas eu já não aguentava mais segurar as lágrimas. Me sentei no chão e abracei minhas pernas, sentindo os soluços me sacudirem pelo choro. Senti-a sentar-se no chão a meu lado e passar o braço por meus ombros.
- Tudo bem criança... tudo bem...
Só consegui chorar mais, porque não estava tudo bem, e eu nem sabia se um dia voltaria a estar.