Capítulo 5 Baixaria

Meg foi muito legal comigo, ela não fez perguntas ou tentou me conter. Só me abraçou e esperou eu melhorar. Chorei por pouco tempo, não podia cair agora. Ainda faltavam muitos dias para poder sair dali. Tomei um banho morno como eu gostava, mas não demorei muito, não me sentia a vontade com alguém ali me "vigiando". Mesmo que fosse a Meg.

Coloquei o único pijama que tinha na minha mochila. Era uma calça e uma blusa de manga curta, de um tecido fino, branco com bolinhas azuis. Suspiro insatisfeita com minha visão no espelho, mas teria de me acostumar, pelo menos por enquanto.

- Estou pronta.

- Venha, vou te mostrar onde você vai dormir.

Caminho ao lado de Meg, observando tudo ao meu redor. Só um mês, mentalizo para me acalmar.

Meg me indica um quarto grande, com grandes janelas que também possuem grades. O quarto é comprido e escuro, não que esteja com as luzes apagadas, mas que tem uma cor escura. As paredes são de um verde musgo, e penso que não deveriam pintar quartos dessas cores. O quarto tem cerca de 12 camas, 6 enfileiradas uma ao lado da outra, e as outras 6 a frente dessas. As camas são com estruturas de metais, como de hospitais e colchões finos. Ao lado de cada cama tem um bidê, para colocar os itens dos pacientes.

Sua cama é a última da fileira.

Me encaminho em silêncio e me sento na cama que será a minha, ouvindo ela ranger. Ergo meus olhos e vejo Meg saindo do quarto. - Meg! - Chamo-a antes que ela saia.

- Diga Laura.

- O Cássio dorme aqui também ?

Meg me olha com uma cara engraçada, como se estranhasse a minha pergunta, e me apresso em explicar. - Ele é meu único amigo aqui...

Ela me dá um sorriso. - Cássio dorme em um quarto individual. Boa noite Laura. - E sai apressada. Por certo demorei no banho e ela tem que ir auxiliar outros pacientes.

Fico sentada observando as camas vazias ao meu redor. Aos poucos o quarto vai se enchendo, outras pessoas chegando e se deitando em suas camas. Enfermeiros entregando remédios para pacientes, que tomavam e já adormeciam. Continuei sentada até apagarem as luzes.

- Quer algo para dormir garota? - Ouço uma voz áspera falar comigo.

- Não, já estou com sono. - Falo para o enfermeiro parado próximo a minha cama, me deitando rápido e virando para a parede ao lado da cama. Só um mês, repito mentalmente para mim mesmo.

Ouço ele sentando-se em uma cadeira que estava no quarto. Será que ele ficaria ali a noite toda? Esperei, esperei... e por fim percebi, ele não sairia dali.

Eu podia ouvir as camas rangendo com os pacientes se virando, podia ouvir a respiração pesada do enfermeiro que cuidava do quarto, podia ouvir palavras soltas de alguns pacientes sonhando, podia ouvir o vento batendo na janela... Levei as mãos aos ouvidos, fechando os olhos bem forte. Nunca que eu conseguiria dormir com esses barulhos.

Tentei pensar em algo bom. Mas nada vinha em minha mente. Forcei minha mente a pensar na escola, em como eu queria que Gabriela, minha melhor amiga estivesse aqui comigo, mas de repente... os olhos azuis vieram a minha mente, aqueles enormes olhos azuis. A voz suave e insegura, sorri ao pensar em nele. Ele estava ali por algum motivo, que eu não sabia ainda, mas ia descobrir. Cássio era diferente, ele parecia de verdade, como se fizesse todos os outros parecerem fantoches, ele era o único real ali. Adormeci pensando que amanhã eu teria a companhia dele novamente.

Acordei com uma sineta batendo. Em que mundo essa gente vivia? Me sentei esfregando os olhos e com uma dor horrível nas costas. Um mês nessas camas, e não poderia dançar por problemas na coluna e não por estar gorda!

Abri a boca me espreguiçando. - Que horas são?

- 7:30 - A voz do enfermeiro idiota me respondeu.

- Ah... - Respondi vendo que ele já estava ali tão cedo.

- Pode ir indo para o banheiro feminino escovar os dentes e trocar de roupa, tem uma enfermeira aguardando no corredor.

Assenti, me abaixei para pegar uma roupa no bidê ao lado da minha cama. Que engraçado, dizer "minha cama" de uma cama horrível de metal que rangia. Ri de mim mesma, já devia estar ficando louca mesmo, rindo do nada e sozinha. Saí de cabeça baixa sem encarar o enfermeiro idiota. Tinha que descobrir o nome dele!

Caminhei por aqueles corredores que agora, iluminados pela luz do dia, não pareciam tão assustadores. Uma enfermeira me levou até o banheiro, em uma parte que eu não tinha visto ontem. Era uma parede inteira cheia de pias e espelhos e a frente tinham vasos sanitários. Pelo amor de Deus, teria que fazer xixi na frente de todo mundo!

- Sua escova de dente e creme dental, Laura. Escove os dentes e me devolva, nós guardamos para vocês.

Me coloquei ao lado de uma mulher e comecei a escovar os dentes. Em outras pias tinham enfermeiras auxiliando algumas pacientes. Eu não me lembrava que tinha tanta gente, ontem pareciam ser poucos naquela sala.

Entrego minha escova de dentes a outra enfermeira ao lado de um grande armário, e vejo-a colocar minha escova em uma caixinha com o meu nome. Sigo para fora, onde outra enfermeira manda eu ir para o refeitório. Chega a ser estranho, gente me mandando pra tudo que é lado. Tá certo que estamos em uma clínica psiquiátrica, mas quanto controle de todo mundo.

Entro no refeitório e encontro Cássio sentado em seu lugar, sigo para me sentar ao lado dele, mas um outro rapaz se antecipa e senta em meu lugar. Fico parada olhando, sem saber o que fazer a seguir. Me viro para o lado, buscando um novo lugar para sentar, mesmo que contrariada, não posso arrumar confusão.

- L.a.u.r.a.

Escuto a voz de Cássio. Me viro e o encontro em pé olhando para minha direção, mas sem focar em mim.

- Este lugar é da Laura. - Ele repete, e percebo que não é comigo que ele está falando, mas com o rapaz que sentou a seu lado.

Sinto um arrepio me percorrer ao lembrar do que fizeram com ele quando me sentei em seu lugar. Não quero que o machuquem, ou que ele tenha uma crise, ou seja lá o que for que ele tem, quando pegam o lugar dos outros.

- Cássio... - Falo baixo me aproximando dele. - Tudo bem, tem outros lugares, eu sento ali óh... - Aponto para uma mesa a frente.

- Este lugar é da Laura. - Ele repete como se não me ouvisse.

Olho para o rapaz sentado no meu lugar, e ele parece alheio ao que acontece ao redor. Engulo seco. - Oi. - Digo para o rapaz, que pelo jeito era bem alto, e bem magro. - Eu sou a Laura, qual o seu nome ? - Eu sinto minha voz rouca, devido ao medo que eu estou.

- Luan, faz favor de ir pro seu lugar! - Escuto a voz do Dr. Galates alta atrás de mim, me viro, encontrando seus pequenos olhos azuis.

O rapaz se levantou sem nem mesmo questionar e foi em direção a mesa oposta.

Fiquei parada o olhando.

- Este lugar é da Laura. - Cássio repetiu, balançando a cabeça afirmativamente e se sentando, como que confirmando que agora as coisas estavam certas.

Dr. Galates me encarou surpreso. - Já fez amizades?

- É... - Eu disse baixo, desviando os olhos.

- Depois do seu café da manhã vá ao meu consultório. - Ele suspirou pesadamente. - Já avisei os enfermeiros para te liberarem para ir lá.

- Ok, e obrigada.

Ele apenas balançou a cabeça em concordância, virou as costas e se retirou.

Me sentei ao lado de Cássio tremendo. Foi por pouco que não tinha virada um caos aquele refeitório. Eu estava aqui fazia pouco tempo, mas já vi que tem coisas que não podem ser alteradas, ou os ânimos se elevam.

Olhei para Cássio e sorri. Ele gostava de mim também. - Obrigada Cássio. - Sussurrei para o lado dele.

Ele me olha, e mais um pouco me sinto derreter. - Seus olhos são lindos... - Digo sem pensar.

- Seus olhos, são lindos. - Ele repete pausadamente, me fazendo perceber que falei em voz alta. Ele sorri. Pela primeira vez o vejo sorrir. É breve, sem mostra os dentes, um leve sorriso. Mas ele sorriu. E com isso eu sorri também.

O enfermeiro idiota, me leva até a sala do Dr. Galates, bate na aporta e abre. - Doutor, Laura está aqui.

- Pode deixar ela entrar, obrigado Leonardo.

Hummm... descobri o nome do idiota. Leonardo. Um nome tão bonito para um homem tão carrancudo...

- Sente-se Laura.

- Ah, tá... - Digo me dando conta que estou parada em pé olhando em direção a porta em que o enfermeiro Leonardo idiota saiu. Me sento e o encaro.

- Então Laura, o que está achando?

- É sério isso? Está me perguntando o que estou achando?

Ele bufa e passa as mãos nos cabelos. - Falei com seu pai.

- E ele vai vim me buscar? - Digo dando um salto da cadeira. Mas pela expressão do doutor vejo que não. Me sento lentamente. - Doutor, eu não vou aguentar... - Sinto as lágrimas querendo descer.

- Laura, você sabe que não tenho escolha... - Ele mexe no computador. - Conversei com Margarete, a enfermeira que lhe deu a medicação ontem a noite. Ela é minha melhor enfermeira, pode confiar nela, coloquei você sob a responsabilidade dela a noite, enquanto não estou aqui.

- Obrigada. - Digo engolindo o choro.

- Bem, já acertaram sua dieta de ontem.

- Me deram banana com granola agora de manhã! Não tem como eu sobreviver só com isso até o meio dia! - Lembro-me indignada do café da manhã que me deram.

O Dr. Galates riu, o que me deixou mais irritada.

- Vocês tem outro lanche as 10 horas. Então fique tranquila.

Ergui as sobrancelhas, pensando que era o mínimo né!

- Te chamei aqui para te pesar e tira suas medidas. Depois te chamarei dia sim, dia não para ter um controle.

Bufei. - Ok!

Subo na balança e aguardo ele tirar minhas medidas. Isso é constrangedor. Aproveito o momento para perguntar algumas coisas.

- Doutor...

- Diga.

- O que o Cássio tem ?

Ele para e me encara. - Ele gostou de você. - Ele me responde, não respondendo minha pergunta. - Ele não costuma gostar de ninguém.

- Ele gosta de Meg! - Digo como que o defendendo.

Dr. Galates ri. - É, dela ele gosta. E só.

- O senhor não me disse o que ele tem ainda... - Falo educadamente, tentando persuadi-lo a me dizer.

- Autismo.

- Autismo? - Digo fazendo uma careta.

- Autismo nível de suporte 3.

- Mas porque ele está aqui? - Retomo minha pergunta. Autistas não precisam ser internados em hospitais psiquiátricos! Não são loucos!

Ele ergue as sobrancelhas. - Uma longa história. Mas resumidamente... - Ele volta a sua cadeira. - Ele tem pais mais loucos que os seus.

Levo as mãos ao peito. Então ele também estava sendo injustiçado! - Porque aceitaram ele aqui?

O doutor vira a cabeça de lado. - Não está querendo saber demais sobre ele?

- Ele é meu amigo, e quero saber ué. - Digo de cenho franzido.

- Os pais dele são muito ricos, pagaram para aceitarem ele aqui, e ele é considerado incapaz, dessa forma, era legalmente aceitável ficarmos com ele.

- Que baixaria isso aqui! - Falo fazendo cara de nojo.

Dr. Galates me olhou com um ar cansado. - Você não imagina o quanto...

                         

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