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Não havia mais motivos para ele continuar na aclamada Ecstasy, sem ter coragem de romper com seus colegas pessoalmente, ele apenas enviou uma mensagem de texto a eles avisando que não iria mais fazer parte da mesmo, o que deixou eles furiosos por sua falta de consideração, mais ainda ficou seu agente que teve de desmarcar diversos shows e contratos. Não demorou e um advogado apareceu lhe informando que ele estava sendo processado por sua antiga banda, mas isso não importava mais, nada importava, ele finalmente ia ter a paz que tanto queria.
Ele assinou os papéis do divórcio, dando metade de tudo que tinha a Christi, que não quis nem o ver nas audiências, mas isso não importava mais para Gustav, tanto que havia ido dopado ao julgamento.
Algumas mansões foram o suficiente para o acordo com a banda, que após o ressentimento inicial, ficaram aliviados com o término da problemática Ecstasy que apenas estava cansando e estressando a todos, ao ponto que queriam apenas romper todos os laços sem ter de arrastar isso por mais alguns anos com amarrações jurídicas de advogados sabichões.
Os meses seguintes do grandioso Gustav foram em bordéis e bares, a mente sempre longe, levada em insanas viagens pelas mais variadas drogas e o corpo viciado no prazer carnal que o sexo com prostitutas lhe proporcionava, logo suas economias estavam secando, provavelmente morreria de overdose antes, esse era o caminho certa para uma ex estrela do rock.
Estava largado em meio a sacos de lixo na sargenta de uma boate, seu olho esquerdo estava roxo e inchado, mas não doía mais. O soco que o segurança havia lhe dado foi suficiente para o desmaiar. Estava sujo, fedia horrores pois não tomava banho a um certo tempo, além de que ter dormido em meio a sacos de lixo não ajudavam em nada com seu cheiro, a barba havia crescido muito, assim como seus cabelos, estava quase irreconhecível a seu ex melhor amigo de infância, Trenty, o rapaz mais solidário que ele já havia conhecido em sua vida.
Ao saber da situação do velho amigo, ele saiu em sua procura e não desistiu até encontrar aquele que um dia considerou um irmão.
- Gustav? - ele perguntou ao ver ele caído ali, sua mente ainda estava grogue, não conseguia lhe responder. - Você tá bem, cara? - como se fosse um bicho, ele gruniu algo incompreensível ao amigo, que o levantou, passando o braço por seu pescoço e o ajudou a caminhar até seu carro.
- Como você veio parar aqui? - ele abriu a porta e colocou o amigo no banco de trás, que deitou e apagou.
Ao acordar novamente, estava deitado numa cama, suas roupas trocadas e não fedia mais como um gambá, algumas memórias desconexas invadiam sua mente, a lembrança de Trenty o tirando do meio do lixo fez sua cabeça doer, junto da vergonha que o tomou. - Droga! - ele falou socando a cabeceira da cama com a mão. Logo depois disso, seu amigo abriu a porta, para ver ser ele havia acordado ou continuava delirando com febre como nos dois últimos dias.
- Olha quem acordou!
- Sem piadinhas por favor. Não aja como se fosse quinze anos atrás.
- Se eu tivesse agindo como se fosse quinze anos atrás tinha raspado sua cabeça enquanto dormia. - por mais que quisesse se manter sério e estivesse envergonhado, Gustav não aguentou e caiu na gargalhada junto de seu colega, ele era sempre engraçado, não importava quantos anos se passassem. - Pelo jeito você me deu banho, lavou bem minhas bolas?
- Dona Maria fez isso por mim, ela deve até ter passado hidrante. - Gustav se sentou na cama, tirando o lençol de cima de si, olhando para seu corpo que estava esquelético, as tatuagens pareciam deformadas, uma visão deplorável do que já havia sido um dia um grande homem, desejo de quase todas as mulheres da América. Ele tentou segurar o máximo que pode mas algumas traiçoeiras lágrimas caíram, revelando sua fragilidade emocional. - Eu perdi tudo, cara. Você devia ter me deixado morrer.
- Como eu poderia deixar um velho amigo morrer? Quando te conheci você não tinha uma banda nem uma loirona, o que mudou?
- Eu não tenho mais família, casa, nada. Eu tô quebrado, em todos os sentidos.
- Eu posso te ajudar.
- Não! - ele quase gritou, não havia a menor possibilidade dele aceitar isso, sentia no fundo de seu ser que não merecia ajuda de ninguém. Ele era alguém podre e maldoso, havia feito mal a tantas pessoas, de tantas formas, agora era hora de colher tudo que havia plantado todos esses anos.
- Qual é, eu não vou te adotar. Não estou fazendo caridade, estou dando a mão para um amigo. Eu sou arquiteto, passo a maior parte do tempo viajando, preciso de alguém cuidando da minha casa.
- Você ainda mora naquela cidade do interior?
- Jamais venderia meu primeiro apartamento.
- Você é sentimental demais, cara. - ele tentou rir novamente mas suas costelas doíam absurdo.
- E não é "aquela cidade do interior", o certo é "essa cidade do interior". Não tá sentindo o cheiro de caipiras no ar, senhor estrela do rock?
Anos atrás, Gustav começou a se afastar do amigo, primeiro as visitas diminuíram, ambos eram muito ocupados, depois as mensagens e ligações começaram a ser raras e superficiais, até que nem isso mais existia entre eles, por que ele estava agora lhe ajudando? Para ele não fazia o menor sentido.
- Por que cara?
- Você faria o mesmo por mim.
Isso soou como uma facada em sua barriga, ele tinha a certeza de que não faria o mesmo por ninguém, ele não era tão bom quanto seu amigo, mas o que mais doeu foi ver a sinceridade nos olhos de Trenty, seus olhos castanhos bobões realmente acreditavam que ele teria feito o mesmo.
- De qualquer forma, eu não tenho como me sustentar mesmo em sua casa.
- É por isso que você precisa se sair bem para o diretor da escola comunitária daqui dois dias, caso contrário vai ser o primeiro pedinte de semáforo de Hillston Bay.
- Vamos com calma escoteiro, que história é essa?
- O centro contrata professores de atividades diversas, acho que uma super estrela do rock consegue dar umas aulinhas de música, o que me diz?
- Eu não sei o que dizer.
- Sem problemas, quem cala consente.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, Gustav estava assimilando as coisas, era estranho e repentino, primeiro estava numa mansão, logo veio a sarjeta e agora uma casinha simples do interior com uma vaga para professor, quantas voltas mais sua vida daria? O silêncio então foi interrompido por Trenty que não sabia como dizer isso mas era necessário.
- Só fica longe das drogas. Se você fizer isso, vai estar retribuindo tudo que fiz por você.
Ele apenas balançou a cabeça, estava envergonhado demais para responder, sequer conseguia olhar em seus olhos, estava decidido que não passaria nem perto do menor baseado do mundo em respeito a seu amigo.
Foi como um acordo sem palavras, eles apenas se olharam e balançaram a cabeça. Quando achou que sua vida havia acabado, o Gran finale de Gustav, se tratava de uma chance de recomeço, muito diferente do que esperava.
Infelizmente seu grande amigo estava de saída no mesmo dia, tinha um compromisso urgente na costa leste do país, o mínimo que ele podia fazer era levar suas malas até o táxi, e assim o fez, contra a vontade de Trenty que insistia em levar ele mesmo.
- Se cuida, estrelinha. - ele disse dando um abraço forte e alguns tapinhas em suas costas.
- Cuidado com a estrada, escoteiro. - ele entrou no carro, abaixando o vidro, acenando enquanto o motorista ligava o motor.
- Daqui dois meses eu devo voltar para Hillston Bay, qualquer coisa me liga, mas não me ligue por qualquer coisa.
- Frase por Para-choques de Caminhões S.A.
Ambos deram uma última risada e então o carro partiu, Gustav permaneceu ali o observando até virar na rua seguinte e sumir em meio as casas da quadra seguinte. Uma cidade nova com pessoas estranhas, algo que já estava acostumado devido as diversas turnês e shows que acumulou durante a carreira.
Ele se virou para ver o local que seria sua casa por um tempo. Se tratava de uma casinha simples feita de madeira, com gramado e pequenas cercas de madeira circulando a mesma, era agradável, apesar do estilo dele ser mais mansões e hotéis de luxo.
A casa ao lado lhe chamou a atenção por uma garota que estava na janela lhe observando com o queixo apoiado nas mãos, o sol refletia seus cabelos dourados e seus lábios eram tão vermelhos que pareciam ter sido tingidos por batom em spray, apesar de serem sua coloração normal. A garota permanecia lhe observando com um olhar totalmente sonhador sem se dar conta que ele havia a notado, até que finalmente Gustav acenou e ela se assustando, regalou os olhos e fechou a janela, ele achou aquilo engraçado e estranho ao mesmo tempo.
Ele caminhou até a porta da casa, dando três batidas rápidas na porta, que foi aberta rapidamente, mas não era a garota quem abriu para ele e sim uma moça que aparentava ter a mesma idade que ele, de cabelos longos e loiros, vestindo um avental branco. Ao lhe ver ela soltou um pequeno gritinho e fechou a porta em sua cara, ele começou a se perguntar o que estava acontecendo, não se considerava alguém tão mal encarado ao ponto de fecharem janelas e portas na sua cara.
Enquanto refletia sobre tal, a porta se abriu novamente, estavam juntas a mulher e a garota, que agora uma do lado da outra ele conseguia notar uma semelhança incomum, uma era cópia da outra, os mesmos olhos azuis e bochechas carnudas, sem falar na altura e no sorriso bobo, a única diferença era que uma parecia ter vinte e a outra quarenta.
- Oi, você deve ser o vizinho novo! - a mulher mais velha falou, como num passe de mágica, os quinze segundos que a porta haviam ficado fechados, deu tempo dela tirar o avental, pentear os cabelos e retocar a maquiagem, o mesmo podia ser dito da garota que até mesmo de roupa havia trocado, usando agora um vestido prateado que claramente não era uma veste de se usar em casa para ficar sentada na janela.
- E que vizinho. - falou a mais nova o puxando para dentro pelo braço.
- Cadê seus modos, Harley? - a mulher a repreendeu - muito prazer, eu sou Chanice, sua nova vizinha, Trenty nos contou sobre você e essa é minha filha desmiolada, Harley.
- É um prazer conhecer as duas, Trenty não fez o dever de casa completo e esqueceu de me contar que as vizinhas eram duas moças encantadoras. - talvez ele tivesse forçado um pouco a barra dizendo "encantadoras", pensou consigo mesmo, afinal, estava apenas querendo ser gentil e cortês.
- Vamos para a cozinha, quer tomar algo?
- Para a cozinha não! - disse Chanice já os empurrando na direção da sala.
- Mamãe não quer que você veja a cozinha que ela deixou suja. - a menina falou próximo ao seu ouvido e saiu dando alguns Lukinhas na frente, em direção a sala.
A casa era muito simples, pensou Gustav consigo mesmo se sentando no único sofá, ao lado de Harley, principalmente se comparada a de Trenty.
- Irei trazer algo para beber, aceita um vinho?
- Um café está bom. - ele falou querendo evitar ao máximo começar a beber três horas da tarde de um sábado, seria muito desleixo com a promessa que havia feito ao seu amigo, não que a bebida fosse o problema mas não era assim que ele começaria a mudança de sua vida.
- Irei trazer um e alguns biscoitos e enquanto isso você - ela apontou para sua filha - se comporte.
Harley apenas revirou os olhos, esperando sua mãe sair e então puxou um canivete do canto do sofá, o que assustou Gustav, o fazendo pular do sofá, a garota ao ver sua reação começou a dar risada.
- A única que corta pessoa é minha mãe, sabia que ela esfaqueou meu pai? Ele era um babaca, ela pegou só três anos de prisão.
Ela cruzou as pernas e pôs as mãos sobre os joelhos, piscando os olhos de forma doce e inocente.
- Por que você precisa sair contando para todo mundo está história, Harley? - a mãe dela apareceu carregando uma bandeja e revelando em seu rosto que estava extremamente furiosa - esqueceu a parte que você estava na clínica de reabilitação e não pode ir no funeral dele.
Ela praticamente obrigou Gustav a se sentar, colocando a bandeja em seu colo, servindo uma xícara de café enquanto sorria para ele.
- Mas eu não sou uma mulher violenta, meu querido, ele realmente merecia por se meter com aquela lambisgoia.
- E o que aconteceu com a tal lambisgoia? - perguntou Gustav, querendo demonstrar que não estava se sentindo com medo ou acuado, o que pegou ambas de surpresa pois a está altura da conversa, a maioria das pessoas já teria ido embora e quem fosse tímido demais para simplesmente levantar e sair, ficava como um animalzinho amedrontado. Muito satisfeita, Chanice entregou a xícara a ele pegando a bandeja de seu colo e se sentando no branco do sofá, muito próxima a ele.
- A piranha teve que usar peruca! Sorte dela que esfaquear me enquadraria como tentativa de homicídio e aumentaria minha pena em cinco anos.
Apesar das terríveis primeiras impressões, as duas eram muito agradáveis e Gustav ficou feliz em telas como vizinhas, apesar de toda loucura que envolvia suas vidas.
A conversa e as risadas fizeram o tempo passar rápido de modo que eles não notassem até ficar escuro o suficiente para se ter que ligar as luzes e com uma despedida, ele foi embora para sua casa, prometendo voltar outro dia para poderem conversar mais, talvez a estadia nessa cidade pudesse ser mais prazerosa do que ele havia imaginado.