Capítulo 4 A primeira aula

Mal havia conseguido dormir de madrugada, pensando em como daria sua primeira aula, uma tarefa extremamente difícil.

Ao levantar de manhã, foi até o espelho onde fez sua barba na água fria da pia, estava mais fácil que antes se encarar no espelho, pensou consigo mesmo, talvez essa coisa de dar aulas viesse a funcionar no fim das contas.

Ao chegar no colégio, levando uma pequena maleta marrom, foi direto para a sala que estava reservada para ele e se sentou em sua cadeira. Estava muito inquieto, de modo que logo após se sentar, ficou em pé novamente, escrevendo seu nome no quadro, permaneceu alguns poucos segundos olhando para o mesmo, refletindo se não seria brega demais deixar ele ali e quando finalmente decidiu apagar o mesmo, escutou a porta se abrindo e passando pela porta o familiar e amigável rosto do velho zelador, que segurava sua boina em mãos e pedia licença para entrar na sala, Gustav assentiu e ele foi direto para a carteira que ficava bem a frente da mesa dele, demonstrando estar muito animado para as aulas.

Gustav se sentou na mesa e olhou para o relógio, já era hora de começar a aula e o único aluno ali era o velho zelador, o que o deixou muito decepcionado, ninguém na escola havia se interessado em aprender música, o que acarretaria no cancelamento de suas aulas e por fim, não seria capaz de cumprir a promessa a seu amigo.

Uma segunda pessoa entrou na sala, mas sem bater ou pedir licença, era mais uma presença familiar, Harley, com seus cabelos loiros dividos em duas chiquinhas, mascando chiclete, ela havia conseguido transformar o uniforme num top amarrando a camisa na ponta e a prendendo na gola, enquanto a saia apesar da barra estar feita, com toda certeza havia sido cortada pois era curta demais para um ambiente escolar.

Ela estourou uma bola de chiclete e deu um aceno para Gustav, se sentando na última carteira, o professor ficou surpreso com está aluna inesperada, mesmo conhecendo ela a pouco tempo, sabia que gastar seu tempo livre em algum tipo de aula era totalmente fora do padrão dela, até mesmo o zelador ficou surpreso em ver ela ali.

- Não imaginava que você também gostava de música. - ele falou de forma calorosa para ela, mas a garota apenas revirou os olhos para o comentário dele, uma atitude grosseira mas o zelador não se importava com as atitudes dos alunos mal educados, pois tantos anos trabalhando como zelador já haviam o blindado para este tipo de coisa. Sua atenção voltou-se novamente para Gustav. - Será que podemos começar as aulas? - perguntou ele, parecendo não se importar com a quantidade de alunos para a aula. Por mais que o desânimo tivesse se abatido sobre Gustav ao ver que tinha apenas duas pessoas em sua primeira aula, estava disposto a realmente ensinar o que sabia sobre música ao velho senhor.

- Não vou começar com apresentações, até por que todos aqui já nos conhecemos, então irei falar um pouco sobre o que vocês vieram aprender; a música, e então, falaremos um pouco sobre vocês. Existem tantas definições para a música que é difícil escolher por qual delas começar, talvez uma arte, seja a definição mais aceita, mas ela pode ser um protesto, um lamento, um hino, um símbolo, em resumo, o que é música e o que ela significa, será definido por aquele que a houve. O que é a música para você, Agripa?

- Para mim ela é esperança, onde podemos sonhar com palavras, elas me lembram minha falecida esposa, que Deus a tenha, toda vez que escuto algo, de alguma maneira acabo lembrando dela.

- É algo tocante, a música está ligada aos nossos sentimentos fortemente e para você, Harley?

Por incrível que parecesse, ela estava realmente focada e prestando atenção no que ele falava, então prontamente ela o respondeu.

- A música para mim nunca teve muitos significados, era apenas diversão.

- Não é "apenas" diversão, ela é diversão para você, este é um significado tão pertinente quanto os outros.

- Você tá falando sério? Não acha isso totalmente superficial e fútil igual todos os outros professores?

- Se a música apenas nos fizesse chorar seria melancólico demais. Estou falando mais do que sério.

A aula mais parecia uma conversa entre amigos, se tornando um verdadeiro debate sobre os vários significados que a música pode ter, Gustav não contou a eles mas hoje ela tomava um novo significado para ele, o de recomeço.

A aula transcorreu leve e com muitas risada, passando até do horário que deveria, quando se deram conta, já era noite, Agripa foi embora quando a aula foi oficialmente finalizada, Harley também se levantou para sair mas Gustav pediu para que ela aguardasse um pouco.

- O que foi prof? Pedindo para sua aluninha ficar sozinha com você na sala após o horário.

Ele ficava feliz por ela não fazer esse tipo de comentários durante a aula, o que poderia o colocar numa situação complicada.

- Por favor Harley, não fale assim na escola.

- Então eu posso flertar em outros locais que não sejam a escola?

- Não foi isso que quis dizer.

- Qual é prof, eu não sou bobinha, nem inocente, sei que ia ferrar você se fizesse isso na escola, mas realmente estamos sozinhos agora, não é? - ela havia ido caminhando até sua mesa e agora estava sentada na mesma, com as pernas cruzadas e olhando para ele.

- Já é noite, como somos vizinhos, irei lhe acompanhar até em casa.

- Chaaaaato.

Ele estava se mostrando um homem muito diferente do qual ela havia imaginado, quem conhecia Harley sabia que ela era do tipo livre, não costumando a sair mais que uma vez com a mesma pessoa e os garotos com o qual ela ficava também não tinham o costume de a tratar bem ou coisas do tipo e ela esperava que Gustav também fosse apenas mais um desses que eles se usariam por uma noite e depois se ignorariam diariamente e ela não esperava mas descobrir que ele era diferente, a fez o ver com outros olhos.

Os dois foram juntos para casa, a garota contou um pouco de como ela e a mãe eram vistas como as piranhas de Hillston Bay e que a maioria das pessoas se sentiriam melhor se elas deixassem a cidade e não faziam sequer questão de esconder este sentimento. Ele não conseguia entender o por que, afinal, as duas eram muito simpáticas e cativantes, sem elas seus primeiros dias na cidade teriam sido muito mais problemáticos.

Ao chegarem na frente de casa, viram que Chanice estava sentada na escada da porta com um cigarro na mão, vestida num roupão, com rolos prendendo o cabelo e uma máscara facial cobrindo o rosto, o que fez os dois terem um ataque de risos ao lhe verem.

- Do que vocês estão rindo? Uma mulher precisa fazer sacrifícios para se tornar bela. E achei que você não fosse voltar para casa hoje, já ia te ligar, Harley, para você não faltar amanhã.

- Eu estava no colégio, mãe.

- Até essas horas?

- Quem diria que o colégio pode ser interessante e eu nem estou bêbada para falar isso.

Chanice deixou o cigarro cair no chão e olhou boquiaberta para Gustav.

- Você é o novo messias.

- Quem me dera se tivesse mais alunos tão interessados quanto Harley nas minhas aulas, talvez mês que vem elas sejam cortadas.

- Não se preocupe, Gus, eu vou bater em alguns garotos para irem as suas aulas, só preciso lembrar onde deixei o taco de golf que roubei daquele mauricinho.

- Acho que está dentro da geladeira, querida. E eu vou sugerir a algumas mães que façam seus filhos irem nas aulas para que seus pneus não sejam cortados.

- Por favor meninas, não agridam ou ameacem ninguém, se eu for um bom professor, logo teremos mais pessoas na aula e também, poderiam me explicar por que teria um taco de golf roubado na geladeira?

Nenhuma das duas parecia saber o porquê do taco estar lá, apenas sabiam que ele estava. Ele abraçou as duas e foi para sua casa, muito contente por ter se saído melhor do que esperava, mesmo que praticamente não tivesse alunos. Ao deitar a cabeça no travesseiro, novamente teve dificuldades para dormir, desta vez não era a ansiedade mas sim a empolgação, pois não conseguia parar de pensar em como seria as próximas aulas, mas por fim a exaustão venceu a animação e ele em fim caiu no sono.

                         

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