Capítulo 3 A entrevista

Quando Gustav acordou na segunda feira e pegou seu celular, ficou surpreso com a mensagem que havia recebido, era de Christi, perguntando se estava tudo bem e seu novo endereço para que pudesse enviar algumas coisas pessoais pelo correio. A raiva inicial que ela estava dele havia passado, deixando apenas um gosto amargo de um rompimento feito de forma bruta, onde ambos se sentiam mal pelo modo como as coisas foram feitas, mas não havia mais retorno, o que aconteceu não podia ser desfeito, apenas amenizado.

Pensamentos sobre Christi e memórias do casamento sem amor invadiam a mente dele enquanto escovava seus dentes, no banheiro da casa.

Seu reflexo no espelho, as marcas da idade se desenhando em seu rosto, revelando ali cada memória que ele queria esquecer. Havia tantas garotas que o amaram, que o idolatram e ele as usou por um momento de prazer, sentia o desejo de se redimir, pedir desculpas a cada uma delas ajoelhado ao chão, mas o que o fez chorar foi o fato de não se lembrar do nome de nenhuma delas, foram menos que um filme para ele.

Não podia chorar, ou melhor, não deveria fazer, pois não tinha o direito, o direito de chorar era das vítimas, não do agressor!

Era hoje o dia da entrevista, fez sua barba e arrumou um blazer de Trenty, mas seu cabelo emaranhado estava longe do ideal para uma entrevista de emprego e de todas as suas habilidades, cortar cabelo não estava na lista, teria de descobrir um barbeiro na cidade antes das dez da manhã, caso contrário teria de ir com essa aparência para sua entrevista de emprego.

Se sentiu feliz por ter ido a casa de Chanice e criado intimidade o suficiente para não ser estranho ir até lá perguntar onde havia uma barbearia em Hillston Bay.

Quem lhe atendeu foi a própria Chanice, que estava muito bem vestida, e pareceu surpresa em lhe ver.

– Senhor Fontanelle, imaginei que não fosse voltar aqui tão cedo.

– Não precisa dessas formalidades, já somos amigos, não? E vejo que está muito bem vestida, tem algum compromisso?

Chanice se sentiu elogiada por ele ter notado que ela havia se aprontado.

– Nunca se sabe quando um homem solteiro pode visitar nossa casa, por isso uma mulher sempre deve estar arrumada.

Sua indireta foi direta o suficiente para ele se sentir envergonhado e não saber como lhe responder. Apesar de não ter um interesse romântico em Chanice, queria manter as relações com a mulher, uma amizade, algo que não fazia a anos e era agora estranho para ele, se fosse apenas para seduzir mais uma tola apaixonada, não faltariam artimanhas em seu arsenal, mas para alguém que estava imerso em relacionamentos rasos e superficiais, tentar manter uma amizade verdadeira era a mais difícil das batalhas.

– Eu gostaria de saber se tem uma barbearia aqui por perto, queria cortar o cabelo.

A mulher o puxou para dentro e começou a lhe empurrar para a cozinha.

– Você já viu os preços na barbearia? Deixa que eu corto para você, senhor Fontenelle.

Não havia modo de recusar, pois quando se deu conta, já estava sentado numa cadeira com duas toalhas presas ao pescoço e um espelho improvisado a sua frente.

– Onde você aprendeu a cortar cabelo?

– Onde mais você acha? Na cadeia. - Quem respondeu foi Harley, que entrou na cozinha, com um pirulito na boca, com duas chuquinhas no cabelo, se sentando na janela que dava para a rua.

– E você não devia estar na escola? - ela levou as mãos até a cintura, fazendo cara feia para a garota.

– Eu fui expulsa. - sua resposta foi como se fosse algo totalmente casual, mas sua mãe ficou extremamente brava, ainda mais por ter sido avisada desta maneira.

– Como assim expulsa? - aumentou o tom de voz Chanice.

– Explica para ela, Gus, acho que ela nunca foi a escola e não sabe o que significa ser expulsa.

– Não meta o senhor Fontenelle na conversa, Harley.

Não era sua intenção se intrometer na briga de ambas, mas visto que sua cabeleleira estava exaltada e a ponto de cometer outro crime, pelo bem de seus cabelos, ele achou melhor intervir.

– Eu tenho uma entrevista com o diretor hoje, se quiserem eu posso tentar conversar com ele sobre a Harley.

Como a cidade era pequena, ele sabia que só havia um colégio. Suas palavras fizeram verdadeira mágica pois a mulher que estava bufando e quase esfaqueando sua própria filha, lhe deu um apertado abraço por trás, apertando sem cuidado algum seu pescoço.

– Obrigada, Gustav, ou melhor, senhor Fontenelle, por me ajudar com essa desmiolada da minha filha, o senhor é um verdadeiro anjo.

Ele estava certo que sua reação foi muito exagerada, era apenas um simples favor em retribuição pelo cabelo cortado, além de que anjo estava muito longe do que ele realmente era.

Quando Chanice lhe mostrou o resultado final segurando o espelho em sua frente, não tinha do que reclamar, o corte havia ficado como se tivesse sido feito por uma profissional, ele agradeceu a ele e com muita vergonha perguntou se poderia pagar em outra ocasião, pois no momento estava sem condições alguma, a resposta no entanto foi de uma mulher que se sentiu extremamente ofendida, afirmando que aquilo era apenas um favor para um novo e já muito querido vizinho.

Ambas as mulheres o acompanharam até a porta, como cordialidade de agradecimento, Gustav disse que viria direto contar a elas sobre a conversa com o diretor. Enquanto se afastava, já longe o suficiente para não ouvir o que elas falavam, observando ele de forma pensativa, Chanice comentou com sua filha.

– Ele está indo na escola falar com o diretor sobre você, ele seria um bom pai para você.

– Um bom pai ou namorado melhor ainda.

Fazendo cara feia, Chanice fechou a porta.

Ele estava muito nervoso, jamais havia feito uma entrevista de emprego antes, não tinha a mínima noção de como funcionava.

A escola não era muito grande, tinha apenas dois andares e era apenas para alunos do colegial, tinha uma pequena pracinha na entrada, com alguns bancos e umas poucas árvores pelo terreno do colégio, com uma única quadra velha ao fundo. Era um local totalmente sem personalidade e cinzento, Gustav pensou consigo mesmo. Não havia aulas no momento, visto que era meio dia, a única pessoa presente ali era um velho senhorzinho que estava varrendo algumas folhas da calçada, usava uma boina vermelha na cabeça e tinha as costas curvadas e se mexia muito lentamente.

– Boa tarde! - Gustav falou tentando chamar sua atenção, o rapaz se virou, olhando para cima, visto que era muito menor que ele.

– Boa tarde, no que posso ajudar o senhor?

– Eu vim para falar com o Diretor McCoy, sobre a vaga de professor de música para aulas extra curriculares.

– Aulas de música? Sempre foi meu sonho aprender música, se eu fosse mais jovem, iria querer participar.

– Não há idade para amar a música! Se tudo der certo, quero que o senhor participe de minhas aulas.

– Você está falando sério? - perguntou o homem tirando a boina de sua cabeça.

– Com toda certeza.

– Eu gostaria muito de participar, se o diretor permitir, é claro. Seria como realizar um sonho que eu tinha a certeza que estava morto e enterrado a muitos anos.

– Nunca é tarde para sonhar, prazer sou Gustav.

– Sou o zelador Agripa, muito prazer meu jovem, muito prazer.

– Agora eu preciso ir antes que me atrase, o senhor pode me mostrar onde fica a sala dele?

– É só entrar no prédio principal, a maior porta da direita é a sala dele, boa sorte, meu jovem.

– Obrigado, até mais, Agripa.

Com a orientação do zelador, foi fácil encontrar a sala. O diretor o recepcionou com um tom agradável e calmo.

– Bem vindo ao Colégio Alvorada, senhor Fontanelle, eu mal acreditei quando Trenty disse que tinha achado alguém para completar a grade de aulas extra curriculares e esse alguém era nada menos que Gustav Fontanelle, do Ecstasy, sou muito seu fã! - era a primeira pessoa que o reconhecia, ele torcia para conseguir esquecer seu passado mas sabia que hora ou outra, apareceria algum fã para trazer novamente sua sombra. - o que deixa óbvio que o senhor é mais que capacitado para a função, mas qual o motivo de querer vir a ser professor numa escola do interior?

– Eu estou buscando um recomeço, quero ser uma nova pessoa.

– Eu estou disposto a dar a vaga para o senhor, mas devido ao seu histórico de atitudes pessoais, tenho receio que possa ser um mal exemplo para os jovens.

– Por este motivo que busco mudar quem eu era, não desejo mais a vida que levava antes.

– É muito nobre, mas não só de promessas podemos viver. Gostaria de ver o desempenho do senhor por um mês e conversar com aqueles que participarem de suas aulas, para poder efetivamente lhe contratar, se estiver de acordo.

Não era como se ele tivesse muitas opções, era aceitar as condições ou não poderia cumprir a promessa a seu amigo.

– Nada mais justo.

– Ótimo, então pode começar na semana que vem.

– Antes de ir, eu queria conversar com o senhor sobre uma aluna que foi expulsa, se trata de minha vizinha, Harley.

– A senhorita Dwayne, a definição de desordeira. Eu aconselharia a não se envolver com aquela família, a mãe apenas busca um cara para enfiar as garras e sugar, acho bom o senhor ficar de olho.

O modo com que ele falou de Chanice o deixou irritado, queria sair em sua defesa ferozmente mas teve de se contentar com palavras calmas e dóceis.

– Tenho muita estima pelas duas, a Harley precisa de apoio e ajuda, a expulsar é como negar a chance a ela de melhorar.

– É um idealismo tocante, irei rever a punição para a senhorita Harley.

– E eu também gostaria de pedir mais uma coisa ao senhor. O zelador Agripa poderia acompanhar minhas aulas? Acredito que fará bem a ele.

– Contanto que ele consiga cumprir com suas obrigações, não vejo o por que não.

– Muito obrigado!

– Até segunda, senhor Fontanelle.

Indiscutivelmente hoje havia sido uma vitória para Gustav, apesar do que havia dito, o diretor parecia ser um bom homem, apenas fofoqueiro demais, por estar espalhando boatos sobre Chanice, mas mais do que ninguém, ele sabia que ninguém era perfeito e deveria ser julgado por um erro tão trivial, enquanto o resto de sua personalidade era admirável. Mais feliz do que Gustav, ficou Agripa que ao receber a notícia agradeceu várias vezes e disse que não faltaria a uma aula sequer, mesmo que o próprio apocalipse se iniciasse e após isso ele orou por quatro horas seguidas pedindo perdão a Deus por sua blasfêmia e suplicando que não fosse mandando um apocalipse para a terra.

De forma muito mais calorosa ele foi recebido por Chanice que quando ele despontou na esquina já há viu a acenando fora de casa a sua espera, talvez a notícia já tivesse chego a ela e foi o que aconteceu, o diretor havia ligado na mesma hora que Gustav deixou sua sala para reformular a punição a Harley.

– Ah senhor Fontanelle, obrigada por conseguir uma segunda chance para minha filha, devo tanto ao senhor.

– Já que sente que me deve, irei cobrar agora. - ele falou num tom que pegou Chanice de surpresa, a fazendo ficar vermelha devido a sua imaginação que caminhou por desejos secretos. - como pagamento quero que me chame de Gustav.

– Ei seu pilantra, achei que a gente tava jogando no mesmo time! - quem não gostou nada de como as coisas desenrolaram foi Harley, que para sua tristeza e agonia teria de voltar a frequentar a escola e o pior, como punição ela teria aulas de matemática e física dobradas.

– Eu fiz isso para seu bem, Harley. Você teria de largar os estudos.

– E cadê a parte que supostamente é para me ajudar?

– Não seja tão pentelha - interviu a mãe - é seu último ano mesmo se você passar, algo que duvido que vá acontecer.

– Amor de mãe, tão acalentador, não concorda, Gus?

Ela foi de extremamente irada e furiosa para piadista e brincalhona em muito pouco tempo, uma instabilidade e aleatoriedade que ele não estava acostumado. De forma muito clara, Harley disse que iria participar das aulas de música unicamente para poder passar mais tempo com Gustav, o que para ele era uma boa chance de poder trazer ela para o mundo da música, ensinando a ela algo produtivo e que fosse de seu interesse, tornando a escola um lugar atrativo, sua mãe apoiou a ideia pois sentia que as aulas poderiam fazer bem para sua filha e quem sabe, lhe ajudar a ter um futuro que ela considerava decente.

Apesar das discussão e disputas diárias, as duas se amavam incondicionalmente e nada seria capaz de ficar entre elas e Chanice se preocupava muito com o futuro da filha devido a sua personalidade ser muito parecida com a sua, o que a levava a crer que ela teria o mesmo destino que a mãe e isso a deixava aflita que em segredo lhe tirou várias noites de sono e agora ela estava depositando todas as suas fichas de que Gustav pudesse ser um norte para sua filha.

            
            

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