Capítulo 3 III

Elaine permaneceu ali caída por um tempo, aproveitando sua satisfatória vitória, contemplando o enorme castelo da passarela da muralha. Ela tinha um sorriso de orgulho em seu rosto, sentia naquele momento que não havia desafio algum que ela não fosse capaz de superar, naquele momento a sensação que tinha era como se fosse capaz de tudo, até mesmo voar, e foi está sensação que a fez se levantar, ficando na ponta da muralha, sentindo o vento bater em seu rosto, seus cabelos loiros esvoaçantes junto ao vento, ela se sentia grande.

A vista do castelo não era o que ela esperava, o vão entre a muralha e o mesmo era apenas um pátio cinza de pedra, nos cantos das paredes haviam várias ossadas espalhadas, algumas muito amareladas, revelando que provavelmente já estavam ali a bom tempo.

Ela levou as duas mãos até o rosto, fazendo um formato de concha com as mesmas e então gritou a todo pulmão:

- Olá? Tem alguém aí? - sua única resposta foi seu eco e logo após ele, o já familiar silêncio daquele lugar. Ela olhou para baixo, a queda era de vários metros, qualquer pessoa sã não sentiria um desejo ardente de se jogar lá de cima, mas Elaine em seu mais pleno juízo, sentia que era a coisa certa a se fazer, ela não se machucaria, tinha total convicção que daria tudo certo.

Com mais um passo para a queda ela se jogou de olhos abertos, encarando o chão sem medo algum de ir de encontro ao mesmo. Sua queda durou menos de um segundo, ela se manteve sem hesitação alguma, quando seu corpo estava próximo o suficiente do chão, uma energia verde exalou de seu corpo, lembrando a baforadas de um dragão ou um sopro de uma violenta ventania, parando de súbito seu corpo, seus cabelos fazendo um movimentos semelhante ao de uma onda. A energia esmeraldina amorteceu sua queda, de modo que ela caiu suavemente de pé.

- Eu sabia, a magia não pode simplesmente sumir assim! - ela se auto alegrou, devido ao silêncio extremo que lhe dava sensação de solidão, falar consigo mesma. Mas o que havia acabado de acontecer, foi diferente de tudo que ela já havia feito antes, está magia não era o que ela estava acostumada a lidar desde que era criança, era mais intensa e explosiva, talvez até mesmo incontrolável.

Essa coragem súbita que ela sentirá, Elaine atribuiu ao seu instinto do lobo, pela primeira vez ela estava sentindo ele tão forte dentro de si, está que é considerada a maior arma do Sumo Sacerdote e que ela ansiava muito em sentir, agora estava lhe guiando plenamente, em sua cabeça isto era a afirmação de que ela seria a escolhida, apesar de lembrar da vez em que o Lobo falou com Shura para salvar o dragão, mas era algo totalmente diferente, afinal, ele havia falado com ela por ser uma emergência se nível global, enquanto que nestas duas vezes, se tratou apenas de uma espécie de sexto sentido, tendo um sentido muito mais profundo.

A grande porta de entrada para o castelo se abriu, uma criatura horrenda que andava em quatro patas, semelhante a um cachorro, com excessão de que a criatura parecia não possuir pele, sua carne estava exposta.

A magia de Elaine havia atraído a criatura que veio verificar de onde aquela energia mística havia vindo. Ao notar a garota, a fera começou a rosnar, a maga assustada começou a caminhar para trás lentamente, a criatura correu em sua direção, Elaine levantou as mãos na direção da criatura e tentou forçar sua magia novamente mas desta vez foi sem sucesso, a criatura a derrubou no chão com a cabeça e a prensou ao chão com sua enorme pata. Agora de perto ela conseguia ver que a criatura era muito maior que ela, a mesma aproximou lentamente a cabeça em sua direção rosnando, a baba que escorria de sua boca pingava em seu peito.

Quando o focinho da criatura tocou em seu rosto, ela notou que estava sendo cheirada por ele, em grandes fungadas.

- Humana... Quase humana... Estranha... - falou a criatura grunhindo, analisando o cheiro comum que aquela estranha exalava.

- Solte á, Carceus. - uma voz seduzente e melódica fez a criatura parar de rosnar e tirar a pata de cima de Elaine que se sentou no chão recuperando seu fôlego pois a enorme pata da criatura a impedia de respirar normalmente por conta da força com que era apertada contra o chão. Ela olhou para frente vendo que Carceus, o cão medonho a olhava de forma desconfiada enquanto lhe rodeava e na porta uma mulher muito atraente vinha caminhando em sua direção. Sua roupa e botas eram pretas e feitas em couro, seus cabelos negros e longos, indo até a cintura, os lábios eram carnudos e vermelhos como sangue, sua pele clara contratava com seus olhos vermelhos e mais chamativo que sua absurda beleza eram um par de asas de morcego que estavam dobradas.

A mulher caminhava de forma muito calma, o salto de sua bota fazia um som seco a cada passo e o modo com que caminhava tinha um toque de refino que as mais vaidosas princesas sonham em atingir.

- Satana? - perguntou Elaine, colocando a mão no chão tentando se levantar, os olhos daquela mulher brilharam e suas asas se abriram, derrubando novamente a maga ao chão com o vento produzido pelas mesmas.

- Lady Satana, humana.

A voz dela além de sedutora era ameaçadora, muito semelhante a de Katherine. Ela sentiu que era melhor não questionar essa mulher pois ela não parecia ser do tipo que repetia suas ordens.

- Perdão, Lady Satana. - com um sorriso de satisfação no rosto devido a submissão da invasora, ela recolheu suas asas e estendeu a mão para ajudar Elaine a se levantar, o que a deixou surpresa. Ela segurou em sua mão e então ficou em pé com sua ajuda.

- Obrigada. - ela falou num tom baixo.

- O que deseja em meu castelo?

- Ajuda e respostas.

Satana olhou ela de cima a baixo, analisando se a mesma era digna de seu tempo.

- Não deveria se apresentar a mim trajada numa camisola. Vá se trocar e se alimentar, também descanse um pouco, o método de cura de Bamako exige muita energia, então você poderá ficar em minha presença e apenas estou permitindo pois também quero respostas suas, afinal, caridade não é a característica de uma princesa.

Ela se virou sem dar chance de resposta a Elaine, que por sua vez queria ter resolvido tudo o mais rápido possível mas por enquanto sabia que era melhor entrar no jogo daquela mulher e claro que não teria como recusar a chance de dar uma boa descansada depois de tudo que havia passado.

Enquanto a anfitriã passava pelo enorme portão, um pequeno ser rechonchudo e narigudo passou voando por cima da mesma, com olhos esbugalhados e a pele cinza. Seu corpo lembrava o de um morcego humanoide e seus dentes caninos tão grandes que ficavam para fora, indo até seu queixo. Ele pousou a frente de Elaine a observando.

- Irei lhe mostrar seus aposentos.

- Obrigada! Se me permitir a pergunta, o que são vocês?

A criatura soltou um grunhido, se sentindo ofendida.

- Somos demônios. Nunca vi uma humana que não sabia o que são demônios, a inferioridade humana é tão notável, sequer sabem o que seus mestres são! - a criatura se virou de forma espalhafatosa, abrindo suas asas e alçando vôo novamente, seguindo na direção a qual Satana havia ido, Elaine o acompanhou a passos largos, pois a criatura era rápida.

Os corredores do castelo eram feitos de pedra, não possuíam decorações ou coisas do tipo, era tudo apenas paredes e portas, nada além disso. Após muitas portas passadas, finalmente o pequeno ser parou e apontou.

- Aqui é seu quarto, não saia dele!

- Não irei, mas caso precise ir ao banheiro, como vou saber qual quarto é?

- Notavelmente inferior... É vigésima nona porta contando pelo pátio principal. Alguém trará algo para você comer, o banheiro é a trigésima quarta porta a esquerda! - após isso, ele saiu voando para dentro castelo, Elaine abriu a porta com uma das mãos para poder dar uma espiada no que viria a ser seu quarto, como se tratava de um aposento num castelo real, sua expectativa era a de que ao menos fosse de um considerável conforto mas o mesmo tinha apenas uma cama grande com alguns lençóis brancos, uma penteadeira cujo o espelho estava quebrado e cortinas vermelhas que pareciam ter sido roídas por traças.

Ela tirou a camisola suja que usava e se jogou na cama, que comparada ao chão duro e a cama que Bamako tinha em sua humilde residência, eram extremamente confortáveis, mas mesmo que não o fossem, Elaine teria caído no sono do mesmo modo pois a exaustão tomou conta de seu corpo quase que de imediato.

Quando acordou, notou uma bandeja de metal que foi deixada sobre a penteadeira, ela saltou da cama de forma agiu e foi até a mesma, havia algumas frutas marrons, pedaços de pão seco e um copo com um líquido que se assemelhava a água suja, que ela não se atreveu a experimentar.

As frutas eram moles e tinham gosto de carne crua, se não fosse pela tremenda fome que sentia, teria as dispensado.

Após se alimentar, ela deu uma olhada em volta, notando que uma muda de roupa havia sido deixada nos pés da cama. Ela pegou as mesmas e as levantou a sua frente, se tratava de um vestido escarlate que ia até os pés, com diversos enfeites em tons de vermelho, além de duas luvas pretas e o que chamou sua atenção foi a falta de sapatos.

Trajada em sua camisola esfarrapada, ela correu pelo corredor com o vestido em mãos até o banheiro, deseja um belo banho quente, mas para sua decepção, havia apenas alguns baldes com água dispostos pelo banheiro. Não era o ideal mas ao menos serviria para se limpar, pois seu próprio cheiro estava lhe incomodando.

Após se higienizar, ela se vestiu e saiu para os corredores, se perguntando se seria melhor esperar ser chamada ou se deveria procurar por Satana. Acabou que ela optou pela segunda opção e saiu caminhando pelos monótonos e iguais corredores do castelo, vez ou outra pegando um vão de escadas circulares, hora para cima, hora para baixo, passando também por diversas criaturas medonhas, que a ignoravam completamente. Depois de uma boa caminhada, finalmente ela achou o que está procurando; algo que fosse diferente neste castelo. Um salão com tapetes vermelhos e cortinas dispostas por todas as janelas, uma grande de madeira forrada com diversos pratos cujo ela não conseguia distinguir, a mesa tinha um formato peculiar, era quadrada e não retangular, como ela estava acostumada, as cadeiras eram estofadas e tinham tamanhos variados.

Ao fundo do salão, estava Satana, segurando um papel em mãos que se assemelhava a uma carta, ao notar Elaine, ela dobrou o mesmo e prendeu na manga de sua roupa.

- Finalmente está digna de estar em minha presença, se aproxime. - sua voz com seu tom melódico, não estava ameaçador, o que fez com que Elaine se aproximasse de forma confiante. - agora, se apresente! Diga quem é, de onde veio e o motivo de ter invadido meu castelo.

- Eu sou Elaine da Ilha de Pilas, da dimensão de Arcádia. Atual Clérigo da Magia e futura Sumo Sacerdote, estava a sua procura e ao chegar ao castelo, não fui recepcionada, por isto, forcei minha entrada no mesmo.

- Arcádia... Fazem tantas eras que não ouço este nome, desde que Irolic fechou as dimensões.

- Você conheceu Irolic? - questionou Elaine, seria possível alguém viver por tanto tempo?

- Todos aqui o conhecem, o ser mais odiado da história!

Foi uma surpresa maior ainda saber que o Primeiro, chamado de O Salvador, poderia ser odiado por alguém, afinal, ele era o maior herói de todos.

- Por que ele é odiado?

- Ele quase extinguiu os temerarias, fechou o contato da Sangria com qualquer outra dimensão, nos condenando a passar a eternidade a está maravilhosa paisagem que você vê. Mas deixemos a história para os livros, diga-me, como veio parar na Sangria, arcadiana? Mais precisamente, no Bosque Vermelho, meus domínios.

- Eu não sei o que aconteceu, ouve uma explosão, eu desmaiei e quando acordei, estava aqui! Minha magia não funcionava, apesar da primeira vez em que vim para estas terras, não tive problemas com meus feitiços.

- A única porta de entrada para este mundo é a rachadura, protegida por Lucios, onde fica o Nevoeiro das Almas, do outro lado da Sangria, não consigo conceber como uma explosão a traria para este lado.

- Como vim parar aqui, não é tão importante quanto como faço para sair daqui. Por que minha magia não funciona?

- A magia na Sangria, é interna, não externa, vem de nosso próprio ser, por isso os humanos são incapazes de usar magia aqui, pois seus espíritos são fracos e quebrados.

A condição em que eles viviam nesta terra não era de se admirar que seus espíritos fossem esmigalhados. Ao se lembrar das palavras de Bamako, ela conseguia entender o por que disso, mas mesmo Elaine com seu vasto conhecimento nas artes místicas, jamais havia ouvido falar em magia interna ou externa.

- Se há uma fenda entre as dimensões, talvez mais próxima dela eu seja capaz de usar a magia novamente.

- Realmente é um talvez, nada garantido, principalmente que você será capaz de chegar até lá, pois teria de atravessar as terras dos Setes Lord's.

Ela não precisava saber quem eram estes setes lordes para ter a noção de que provavelmente se tratava de uma tarefa complicada e impossível.

- Então eu preciso aprender sobre a magia interna! Você poderia me ensinar?

- Continuaremos nossa conversa mais tarde.

Ao dizer isso, barulhos de correntes puderam ser ouvidos por Elaine, vindo arrastando e balançando, pela grande entrada da sala que ela também havia cruzado. Da abertura saiu então uma criatura horripilante, seu corpo era redondo e tinha a textura de um grande fungo, a barriga – ou que Elaine presumia ser a barriga – arrastava ao chão, com a forma roliça sendo impulsionada por pernas pequenas e grossas ao lado do corpo. A cabeça estava coberta por dois pedaços de pano, uma cobrindo a testa e a cabeça, outra do nariz até o queixo, deixando apenas dois furos amarelados a mostra, que eram os olhos da criatura.

A besta possuía mais de seis braços, espalhados aleatoriamente por seu corpo e cada um deles seguravam correntes.

- Esperava uma festança em minha homenagem, Satana, até trouxe uns brinquedos para nos divertirmos.

A criatura tinha uma voz humana, apesar da aparência medonha. Ela então arqueou todos seus braços, puxando as correntes, revelando que na outra ponta de cada uma delas, havia mulheres presas, algumas pelo pescoço, outras pelo pé, mas todas vestidas em trapos, andando de quatro ao chão com a cabeça baixa.

Aquilo era um absurdo total, Elaine sentia vontade de bater naquela criatura e libertar aquelas mulheres, mas ela sempre foi alguém controlada, a razão sempre falava acima da emoção, apenas uma única vez ela se deixou levar pela raiva e o resultado ela ainda estava colhendo.

- Se curve, humana, na presença de um rei.

A voz de Satana clareou sua mente, foi como um alerta para como ela deveria agir, pelo menos no momento para não acabar tendo problemas, ela então se curvou.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022