Faltava pouco para sua coroação e não precisaria mais se preocupar em afugentar pretendentes. Desempenhava bem seu papel, era grosseira, usava calças até mesmo nas festas que sua mãe lhe fazia ir, lutava bem e não escondia, certa vez até escarrara na frente de um príncipe que insistira em levá-la para cavalgar, Matthew quase caiu de seu cavalo de rir da expressão de nojo do rapaz. Mas Rowan era diferente, conhecia-o desde pequena, nunca se deram bem, então qual não foi sua surpresa quando, por volta dos quinze anos, este manifestou algum tipo de interesse por ela, surpresa maior foi quando viu que ele seria seu maior desafio.
Lavada, deparou-se com seus cabides vazios exceto por um vestido de seda azul com bordados dourados, suas calças, camisas e botas haviam desaparecido, sua criada também já havia levado as roupas que despira.
- Mamãe! – murmurou com uma pontada de irritação por ter sido tão previsível.
Chegou a cogitar apresentar-se nua, mas a possibilidade de Rowan olhando-a dava-lhe arrepios, desconsiderando que sua mãe a prenderia em um convento para o resto de sua vida, colocou o vestido a contragosto e já ia pentear os cabelos quando escutou uma batida.
- Com licença, alteza! – entrou Louise, a mulher deu-lhe uma olhada rápida e levantou uma das sobrancelhas – Suas calças foram roubadas, certo? – com uma careta assentiu. – Ora, azul combina com a senhorita, está belíssima! Agora me deixe prender seus cabelos. – disse andando em direção da farta cabeleira castanha escura e cacheada.
Ela desviou da mulher que se aproximava.
- Mamãe não falou nada sobre prender só em pentear! – A mulher suspirou e passou a escovar-lhe os cabelos.
Sua mãe estava olhando a porta quando entrou na sala, viu a sombra de um sorriso de deboche surgir no canto de seus lábios, seu tio pareceu satisfeito com sua aparência, Matthew teve uma crise de tosse para disfarçar uma risada e Rowan tinha olhos faiscantes quando foi em sua direção.
- Não chegaria tão perto de mim se fosse você – avisou-o, mas ele lhe deu o braço.
Very ignorou-o, cobriu a distância que faltava para alcançar sua mãe e murmurou-lhe:
- Quero minhas roupas de volta!
- Vou devolvê-las depois. – assegurou-lhe a rainha.
Então continuou até parar ao lado de Matthew
- Eu gostaria de conversar as sós com a princesa se não se importa, majestade.
Ângela sorriu desagradavelmente e dirigiu-se até a porta seguida pelo cunhado e Matthew, mas impediu o guarda de se retirar com a mão.
- Ainda tem um trabalho a fazer.
Rowan era alto e esbelto, corpo de um homem que jamais enfrentou um dia de treino, como Matthew comentava com frequência, tinha olhos azuis apertados de longas pestanas douradas como seu cabelo curto e barba cerrada. Tudo nele a andava atraindo nos últimos meses, não que não tivesse tentado refrear aqueles impulsos, mas o tempo andava dificultando as coisas, concentrou-se nos lábios finos e arrogantes, eram um bom lembrete sobre como era a personalidade dele.
- Não acabei de mandar você não se aproximar? – o sorriso ampliou-se, mostrando dentes da frente mais compridos que os demais, sentiu que ele apanhava sua mão direita e seu coração errou o compasso.
- Andou me evitando, não foi? - começou Rowan impedindo-a de puxar sua mão de volta – Senti sua falta... - abriu sua palma e beijou-a.
Seu corpo endureceu, com a outra mão empurrou o rapaz, Rowan estava cada dia mais convencido, quantas garotas havia conquistado com aquele rosto bonito. O Lorde franziu o cenho e largou sua mão, meteu a dele no bolso e de lá tirou um anel dourado.
- Eu vim lhe fazer o pedido, você sabe a tempos. Então por que está me torturando? - sua voz ficou mais aguda e mais parecida com o moleque que conhecia bem.
Aproximou-se e tirou o objeto de seus dedos observando-o de perto, era um bom símbolo de posse, quase sentiu pena do rapaz pelo o que ia fazer.
- Eu não quero me casar com você, na verdade, não o suporto. – devolveu aquele anel como se ele pudesse atacá-la – Andei te evitando para te passar uma mensagem: "Não tenho interesse em você", mas você não se ajuda Lorde Rowan.
Foltest sorriu enigmático, sentou-se em um dos sofás confortáveis que sua mãe orgulhava-se de não permitir que qualquer traseiro sujo se ajeitasse ali, cruzou as pernas e os braços.
- Sua situação está cada vez mais complicada, alteza. – Não gostou do tom paternalista. – Não estou vendo muitos pretendentes por aqui, nem mesmo sua posição social fala mais alto que sua atitude, não tem medo da pouca confiança que seu comportamento trás para seus súditos? Case-se comigo alteza, antes que eu também desista e você seja obrigada a casar com algum velho asqueroso, já que esse seu "planinho" para governar sozinha não vai dar certo.
Very sentiu o estomago afundar-se, como aquele sujeito adivinhou suas verdadeiras intenções? Sua hesitação não passou despercebida, o sorriso debochado do lorde ampliou-se, encorajado pelo seu momento de choque, bateu no lugar ao seu lado no sofá para que ela se sentasse.
A vontade de estrangular Rowan estava ganhando de seu bom senso, avançou para ele determinada a eliminá-lo, Matthew poderia ajuda-la a sumir com o corpo depois. Quando estava a poucos passos do rapaz duas mãos fortes a seguraram por trás, fazendo com que suas costas colassem-se ao peito musculoso de Matthew, tentou soltar-se, mas ele era mais forte, não tinha como competir.
"Golpe baixo" pensou, sua mãe mantivera Matthew ali para fazer seu servicinho sujo.
Respirou profundamente acalmando seu coração, mas sentia a sensação, por alguns anos esquecida, de gotículas de água salgada formando-se, parou de lutar e esperou que o abraço afrouxasse. O soldado a conhecia bem, sabia que não era mais um risco ao lorde, soltou-a e observou suas costas deixando a sala com passos duros.
Encontrou sua mãe discutindo com seu tio quando passou voando pela porta do castelo, não respondeu nenhuma das perguntas que fizeram, nem tomou conhecimento delas, foi até o celeiro, apanhou seu garanhão e deixou os limites da fortaleza antes que os guardas reconhecessem-na e pudessem segui-la.
Seu esconderijo não era longe dali, era uma clareira grande oculta por uma rocha, sua entrada era de difícil acesso, mas valia a pena se considerasse quanta paz já conseguiu encontrar ali. Seu pai a levava quando era pequena para que pudesse brincar como uma criança normal com Matthew e depois de sua morte passaram a ir sozinhos, já que ninguém mais pareceu conhecer a localização e sua mãe havia cortado suas aulas de batalha, substituindo-as por "coisas mais apropriadas para uma princesa".
Deixou Teseu pastando perto da entrada, deitou-se no pasto verde, analisando as falas de Foltest.
Devia considerar que sua mãe estava ciente o suficiente do conteúdo da conversa para garantir que a mensagem fosse passada sem que o mensageiro morresse, então deveria crer que ela realmente pretendia casá-la com qualquer um caso insistisse em afastar pretendentes melhores?
Suspirou desanimada, precisava mudar de tática para vencer a guerra. Olhou para o céu e considerou quanto tempo Matthew levaria para despistar os outros e ir ao seu encontro, e então poderiam pensar uma solução juntos.
A pele de suas costas ainda formigava por debaixo do vestido, o contato firme de Matthew a havia a magoado, mesmo que compreendesse que ele não podia desacatar as ordens de sua rainha, a lembrança ainda tinha o sabor amargo da traição.
Matthew sabia muito bem onde encontrá-la, mas resolveu deixá-la sozinha por um tempo para que refletisse um pouco. Alguns grupos de busca se formaram para procurá-la, mas ele foi obrigado a vigiar Foltest de perto, pois temiam que Veridiana o surpreendesse.
Rowan passou o restante da manhã e parte da tarde satisfeito consigo, conversando agradavelmente com as pessoas, não se incomodava de segui-lo, pois ele fazia o favor de ignorá-lo, mas se preocupava com as conclusões que a amiga poderia tirar antes que pudesse se explicar.
Em certo ponto da tarde, após revistarem o castelo inteiro três vezes, foi dispensado de sua função, então se viu livre para disfarçadamente apanhar seu cavalo e ir atrás da garota.
Demorou um pouco mais para chegar, pois teve que desviar sua rota algumas vezes e apagar seus rastros outras tantas, para garantir que não encontrariam seu pedaço particular do céu.
Tocou a lona cinzenta coberta de limo que escondia a passagem estreita da clareira, quando entrou fechou-a com cuidado para que o vento não fosse capaz de balança-la. Sorriu ao ver Teseu pastando tranquilamente e deixou que Coladan fosse lhe fazer companhia, sentiu algo roçando-lhe as pernas e viu o brilho flutuante do vestido azul que vagava solitário na grama.
Apanhou a peça procurando pelo local sua dona, no meio da clareira havia um lago de água cristalina e no centro dele um corpo feminino, nu, boiando.