Capítulo 3 O sonho

Ravenna sentiu a brisa no rosto e abriu os olhos. Estava em Alnwick outra vez. Já conhecia aquela sensação e sabia o que aconteceria em seguida, então ela se levantou da grama e caminhou até o Escarlate, como o esperado, lá estava Beline. Os cachos ruivos soltos caíam pelas costas, a camisola branca balançava suavemente e os olhos verdes como esmeraldas contemplavam o pôr do sol.

Ravenna caminhou até a jovem já ciente que não poderia se aproximar, entretanto, havia algo diferente neste sonho, a parede invisível que as separavam estava mais leve de forma que Ravenna podia ouvir o farfalhar das folhas do carvalho.

- Bel? - chamou, desacreditada que a amiga ouviria.

Para a surpresa de Ravenna, Beline se virou e a encarou, abriu um sorriso e levantou-se indo em direção à dama. Ravenna assustou-se com a mudança e caiu sobre os joelhos com os olhos arregalados. Aquilo tudo era novo, Beline podia ouvi-la e vinha em sua direção.

A jovem parou a poucos metros de Ravenna e a olhava com um sorriso que iluminava todo seu rosto. Ravenna não pôde impedir as lágrimas de caírem sem controle.

- Bel, me perdoe. Por favor me perdoe por tudo o que lhe causei. Eu não cumpri minha promessa e não protegi você. Não protegi sua filha, desisti de buscar por ela e deixei que Anthony fizesse mal à menina. Eu... - a voz embargada e o choro a atrapalhavam de seguir com seu discurso, mas Ravenna não sabia quanto tempo restava com Beline, então precisava fazer valer a pena - eu carreguei durante muitos anos o fardo pelo que aconteceu, mas estou cansada, Bel. Não consigo mais viver desta forma. Por favor, me perdoe por seguir em frente, por desejar ser feliz e por desejar ter uma família - Beline a encarava com pena e tristeza em seu olhar, a dor de Ravenna chegava até ela. - Eu buscarei pela criança! Olharei em cada orfanato deste país e não descansarei até que descubra o que aconteceu há cinco anos. Por favor, Bel, diga alguma coisa. Eu anseio por este encontro desde que partiu, não me deixe no escuro.

"Hope" Ravenna ouviu a voz de Beline no ar e a encarou no mesmo instante, em um segundo estava de pé e tentava chegar até a amiga. Não entendendo o porquê não conseguia ultrapassar aquela fina barreira, Ravenna esmurrou o nada tentando chegar do outro lado. Mais uma vez escutou a voz de Beline repetindo a mesma palavra, que significava esperança. Ela queria que Ravenna mantivesse a esperança? Era essa a palavra que ela falava em todo sonho, aquela simples palavra, desde o início Beline incentivava a amiga a não perder a esperança de continuar a viver.

Ravenna caiu de joelhos outra vez com os punhos fechados ainda colados à barreira, as lágrimas embaçavam a sua visão. Beline se virou para voltar ao seu lugar próximo ao carvalho, e contemplou a amiga com um último sorriso enquanto, aos prantos, Ravenna a implorava para não se afastar. Desta vez, Beline move os lábios e pronunciou a palavra nitidamente:

- Hope.

Ravenna começou a enxergar toda a paisagem desaparecer e o breu tomar conta de seu campo de visão. Ela ouvia vozes, uma voz masculina forte falava coisas desconexas, "Por favor não morra". "Quem estava morrendo? Ela estava morrendo e não sabia? Será que fora esse o motivo que a fizera chegar até Beline? " Ela pensava no escuro. O dono da voz não parava de falar e Ravenna se sentia mais calma cada vez que ele pronunciava seu nome. Cada sílaba soava de uma forma tão doce e amável no som daquela voz... Killian. Era Killian a chamando. Será que ele sabia que ela não estava morta? Deveria avisá-lo que estava aparentemente consciente?

Decidida a pôr um fim ao tormento dele, Ravenna abriu os olhos e se deparou com Killian sentado ao seu lado na cama enquanto segurava sua mão e fazia algum tipo de prece. Aquela era a visão mais doce e cativante que tivera dele, Ravenna decidiu. Vê-lo preocupado com seu estado daquela forma era reconfortante.

- Killi... - Ravenna pronunciou as palavras quase como um sussurro, ainda estava atordoada e com a garganta seca.

- Rave! Pelos céus! Sra. Sommer ela acordou! - Killian não sabia como reagir, queria tomá-la nos braços e abraçá-la para que nunca mais escapasse, mas sabia que ela estava fragilizada. - Por Deus, Rave... pensei que fosse me deixar. - Seu coração martelava em seu peito e Killian não sabia como lidar com aqueles sentimentos.

- Saia de cima dela, homem! Como acha que ela o responderá se não comer e beber antes de qualquer coisa? - Meredith puxava Lorde Seymour para longe da cama para que pudesse atender as necessidades de Ravenna. O homem era pior do que o cão de guarda da dama, nem Jaden conseguira tirá-lo do lado de Ravenna. A criada pedia aos céus que o duque e a duquesa não chegassem naquele momento, seria uma dor de cabeça e tanto.

Meredith serviu uma sopa rala para a amiga e lhe deu chá para beber. Ravenna estava com uma aparência muito melhor e já recuperava as forças. Killian sabia que não era o momento para tocar no assunto, todavia ele conhecia Ravenna, ela o esmurraria se soubesse da criança apenas no dia seguinte.

- Rave, precisamos conversar.

- Agora não é uma boa hora, Milorde! - Meredith o fulminava com o olhar.

- Mery, está tudo bem - a governanta se preparava para protestar, mas Ravenna a impediu. - Está tudo bem, deixe-o falar.

- Encontramos a criança. Sua filha adotiva. A encontramos hoje em um orfanato em Whitechapel - Killian estava receoso da reação dela, tinha medo que desmaiasse outra vez, mas para sua surpresa, Ravenna sorriu enquanto as lágrimas caíam por sua face.

Beline a dizia para ter esperança. Era isso, certo? Agora ela precisaria confirmar se a menina era mesmo sua filha. Algo em seu coração lhe dizia que sim. A palavra hope ecoava em sua mente como um reflexo do sonho e Ravenna quase não ouvia os esporros que Meredith dava em Killian.

- Fale-me mais sobra a criança - Ravenna interrompeu o sermão da governanta.

- Ela é ruiva, possui olhos verdes como duas esmeraldas e uma mancha na perna. A mesma descrição que Sommer me entregou.

Sim, aquela era sua filha.

- A menina se chama Hope Charity e tem por volta de cinco anos.

Ravenna o olhou com os olhos arregalados pelo que parecia ser uma eternidade. Killian estava ainda mais receoso de ter sido imprudente em tocar no assunto naquele momento. Quando estava prestes a chamá-la, Ravenna soltou uma gargalhada e tapou a boca com ambas as mãos.

Aquilo só poderia ser uma piada cruel do destino. Durante cinco anos sonhou com Beline falando a mesma palavra, uma única palavra que não chegava aos ouvidos de Ravenna, e quando finalmente conseguiu ouvi-la, descobriu que Beline lhe falava o nome da filha. Há cinco anos ela ouvia o nome da própria filha sem ao menos saber.

- Está tudo bem? Você parece estranha. - Killian a olhava preocupado.

- Estou bem, Killi. Você encontrou minha filha para mim. Eu não sei como agradecê-lo, poderia se aproximar novamente?

Atendendo ao pedido da dama, ele se aproximou e Ravenna o abraçou. Era um abraço apertado de alguém que ainda se recuperava, mas ainda assim, Killian sentia a intensidade do ato.

- Obrigada... obrigada por tudo o que fez por mim desde que entrou na minha vida. Você significa para mim mais do que conseguiria expressar, e sinto muito pela forma como o tratei. Por favor, me leve até ela.

- Rave, não posso levá-la hoje. Daqui a pouco começará a escurecer. Eu prometo que a levarei amanhã, mas antes precisamos de um plano para conseguir tirar a menina de lá.

Ravenna sentiu a frustração invadi-la em uma correnteza, sabia que Killian estava certo, no entanto ansiava por ter a filha nos braços. De qualquer forma, precisaria da ajuda de seu pai para resolver o impasse de tirar a criança do orfanato.

- Tudo bem, eu esperarei. Poderia me levar amanhã de manhã? - Sua voz era doce e mansa.

- Sim, se prometer que se alimentará e recuperará suas forças, amanhã eu voltarei e a levarei até sua filha.

Preocupado com a hora e com Hellen que, com certeza estaria receosa, Killian se despediu depositando um beijo na testa de Ravenna e partiu.

- Mery... - Ravenna a olhava com lágrimas nos olhos.

- Rave, quantas vezes me matará de susto? Ficou apagada por duas horas. Lorde Seymour estava a ponto de pegar uma Bíblia e começar a rogar por sua alma! - Mery, agora sentada ao lado de Ravenna na cama, soltou uma baforada de ar. - Precisa conversar com o duque, agora é a hora de contar tudo a ele, menina.

- Eu vi Beline outra vez. - Ravenna respirou fundo e Meredith a encarou esperando o que viria a seguir, sabia que os sonhos com Beline eram sempre os piores. - Ela se aproximou de mim, sorriu e repetiu a mesma palavra que sempre diz desde o primeiro sonho. Eu sei que é a mesma pois seus lábios moveram-se formando cada sílaba. Ela disse Hope.

Meredith olhava para Ravenna de olhos arregalados. Sentiu um arrepio percorrer a espinha e, por reflexo, apertou forte a mão da amiga.

- Como isso é possível?

- Não sei Mery, apenas sei que Beline falou o nome da filha durante todos esses anos e eu não fui capaz de ouvir. Por alguma razão dessa vez eu a escutei, não apenas uma, mas três vezes. Não consigo lhe explicar a sensação, apenas sei que foi isso que aconteceu.

- Ravenna isso é assustador e incrível. Por que não contou a Lorde Seymour?

- Não era o momento para falar sobre isso. Contarei a ele quando a oportunidade surgir. Agora, você precisava saber, assim como Jaden. Conte a ele por favor. Eu me desculparei com ele quando o ver. Agora preciso saber onde estão meus pais.

            
            

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