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Era impossível dizer o quanto seu sangue fervia em puro ódio e sede de vingança. Sua filha acabara de deixar seu escritório e, James - ainda sentado em sua poltrona de veludo verde escuro - tentava assimilar tudo o que Ravenna lhe contara. Arrependia-se amargamente por ter permitido que ela lidasse com tudo sozinha. Não sabia a gravidade da situação, e que a filha tivera de lidar com tamanha dor e sofrimento, causados pela própria arrogância, diga-se de passagem.
Pensava estar fazendo bem a ela, permitindo que aprendesse a resolver seus problemas por conta própria, mas acabara condenando a filha a carregar um fardo que jamais deveria ter sido seu.
Drogada? Aquele maldito covarde tivera a audácia de drogar Ravenna e até seus empregados! Só Deus sabe o que fizeram com ela enquanto estava desacordada. A ira de James crescia em disparada só de pensar que eles pudessem ter tocado em sua filha, sua mandíbula doía pela força com que cerrava os dentes.
Ele colocou sobre a mesa seu revolver, que ficava guardado em uma das gavetas da grande escrivaninha de carvalho. "Oh, eles pagariam...", pensou "Cada um deles pagaria com juros por tudo o que fizeram a seu precioso passarinho e àqueles que ela amava".
O silêncio que pairava pelo lugar permitia que o homem colocasse seus pensamentos em ordem, enquanto arquitetava uma maneira de deixar claro ao conde que, ele e sua família só permaneceriam vivos pela benevolência de Ravenna. Fazia muitos anos que não precisava usar de violência para resolver seus assuntos, sua reputação fazia o trabalho por si só. James não sentia prazer em tirar a vida de outra pessoa, no entanto, fazia quando era necessário para o bem maior. Mas este caso era diferente, ele teria prazer em matar aqueles miseráveis, ficaria satisfeito em ver a vida esvair-se de seus corpos. Todos sabiam que não deveriam tocar em sua família e em ninguém sob sua proteção. Aqueles homens não tinham noção do que despertaram das sombras. Eles descobririam da pior maneira o quão cruel um homem pode ser.
Observando o crepitar do fogo na lareira, o duque planejava uma emboscada para os três. James escreveu uma nota e chamou um criado para enviá-la o quanto antes ao Marquês de Riverdale. Ele sabia que poderia contar com Winston para qualquer coisa. A amizade dos dois vinha de longas décadas de trabalho e parceria. Ambos sempre estariam em débito um com o outro pelos trabalhos e o socorro que prestaram em tempos difíceis. Precisava de Winston para garantir que o London Jornal publicaria a notícia da partida adiantada de Manner para o campo, para se recuperar de um assalto que quase lhe custara a vida. A Scotland Yard não seria um problema, os dois golpistas não fariam falta e não haveriam corpos como prova, nem uma gota de sangue sequer.
- Antes de despachar a mensagem, mande Melvin e Dash virem aqui agora. - O duque disse, enquanto servia um copo de Brandy.
- Sim, Vossa Graça. - O empregado responde depois de fazer uma reverência.
Pouco tempo depois, os dois homens corpulentos estavam parados a sua frente no escritório. James revelou o que pretendia fazer e como executaria, certificando-se que cada um soubesse como agir.
- Achem os dois homens que Anthony Manner contrata para livrar-se de suas amantes e bastardos. Segundo relatos, um deles é baixo de cabelos loiros e gordo, mal-educado e dado a atormentar mulheres, o outro é alto de cabelo ruivo e boa aparência, sedutor e mulherengo. Passaram-se um pouco mais de cinco anos desde que essas descrições foram dadas, talvez estejam um pouco mudados, mas nada que comprometa a localização. Quero os nomes dos dois até amanhã à noite. - Tomando um gole da bebida continuou - Passem pelo Black Dars e avisem a Kensington que lhe farei uma visita esta noite.
- Vossa Graça, se me permite dizer. A aparência que descreveu se assemelha bastante com os donos de um bordel em Whitechapel - olhando para Dash ele perguntou - Qual é mesmo o nome daqueles dois canalhas que matam as prostitutas que engravidam?
- George Dickens e Carl Stevens? Aqueles dois são bêbados que escravizam suas prostitutas até a morte. Já tentaram prendê-los, mas os infelizes conseguem assassinar as mulheres de uma forma que não há como culpá-los. Mês passado acharam uma das garotas deles morta numa vala, a mulher estava grávida e com a barriga bem desenvolvida, os policiais chegaram à conclusão de que foi suicídio, mas a verdade é que Dickens envenenou a mulher - disse, sua face demonstrando repulsa. - O ruivo alto parece ser um homem melhor, mas usa sua boa aparência para seduzir garotas virgens e então as obriga a trabalhar para eles.
- Gostaria que eliminássemos os homens depois de achá-los? - Melvin perguntou.
- Não, levem os dois para o galpão desativado e certifiquem-se que estarão bem amarrados, e que ninguém sequer suspeite de que há alguém lá. Eu cuidarei do bem-estar de nossos hóspedes em pessoa.
- Entendido. Com sua licença, Vossa Graça, partiremos agora. - Melvin avisa, e os dois homens deixam o escritório.
Naquela mesma madrugada depois de Dash - que voltara sozinho para Syon - avisar ao patrão que a tarefa fora bem-sucedida e que os novos hospedes aguardavam a visita de seu anfitrião, James sobiu para o quarto e depois de fazer amor com a esposa, a avisou que precisaria se ausentar por uns dias para resolver problemas urgentes na fábrica O'Hara, da qual era o principal investidor. James pediu que Marissa ficasse de olho na filha e lhe desse apoio caso ela não se sentisse bem. Ela o interrogou sobre o que sabia a respeito de Ravenna e James, tentando amenizar a situação, relatou o ocorrido, omitindo as partes mais chocantes para que a esposa não entrasse em choque.
- Pelos céus! Nossa pobre menina perdeu uma amiga dessa forma? Oh céus! Sua filhinha foi roubada? - Marissa sentiu uma profunda tristeza pela filha e seu coração se encheu de compaixão. - Eu lhe darei o apoio que necessitar, porém, James, você sabe que ela irá atrás da menina, não sabe? Conhece nossa filha, agora que sabe que a menina está viva e aqui em Londres, ela não descansará enquanto não a tiver em seus braços.
- Sim, meu amor. Tenho certeza de que nossa filha achará uma forma de conseguir a menina, Killian Seymour a está ajudando. Eu faria todo o trabalho sem muito esforço, mas sinto que é importante para aqueles dois fazer isso juntos - terminando de vestir-se, beijou a testa da esposa que ainda estava deitada na cama entre os lençóis.
- Você vai atrás dele, não é? Do homem que roubou a menina... eu conheço este olhar em seu rosto. Está mergulhado em ódio. - Ela disse, olhando para o marido com preocupação. - James, está pensando em matá-lo? Por favor, meu amor, não ponha sua vida em risco novamente. Preciso de você aqui comigo - seus olhos se encheram de lágrimas. - Eu pensei que esta fase de nossas vidas tivesse acabado.
- Minha doce esposa, - Ele sentou na cama e beijando a testa dela e acariciando seu rosto, disse: - eu sempre voltarei para você. Preciso assegurar que nossa filha e nossa futura neta estejam em segurança. Confie em mim, eu já lhe desapontei alguma vez? - Disse, sorrindo.
- Apenas uma vez, quando dançou com a Marquesa de Riverdale antes de mim no baile dos Hastings, - ela sorriu timidamente- aquele em que eu derrubei ponche no seu sapato.
James lhe deu um beijo demorado antes de lhe dizer:
- Isso mesmo, e graças a Deus por isso, pois foi o momento que me apaixonei por você - levantando da cama ele pegou o casaco que estava pendurado no encosto de uma cadeira, ao lado do armário. - Preciso ir, querida. Quanto mais rápido eu for, mais rápido retornarei. Lembre-se, fui resolver... - Marissa o interrompeu completando a frase.
- ...assuntos da fábrica e volto em alguns dias. - Ela respondeu em conformidade.
James deixou a residência junto com Dash e seu cavalariço em uma carruagem sem brasão. Não arriscaria expor o nome da família a uma desgraça. James gostava de viajar sozinho, porém, era necessário que Dash lhe fizesse companhia desta vez para organizar todos os preparativos e cuidar dos pequenos detalhes.
- Falou com Kensington? Espero que tudo esteja certo assim que chegarmos - Perguntou sério, com um tom de voz baixo o qual demonstrava uma frieza sem igual.
- Sim, Vossa Graça. O homem disse que o aguardará na parte de trás do clube para resolver os últimos detalhes. Disse que milorde poderá sempre contar com a ajuda dele.
- Ótimo.
Chegando ao clube de apostas, encontrou o amigo, agora calvo e mais corpulento do que na juventude, encostado à entrada do estabelecimento fumando um charuto e sorrindo. Os dois trocaram algumas palavras e James o explicou que, para todos os efeitos, aquela conversa nunca aconteceu. O amigo, ciente dos métodos utilizados por Osborne, deixou claro que não vira nada, nem sequer estava ali. E assim eles, junto com Dash, carregaram o baú para dentro da carruagem. Um baú contendo as ferramentas que ele utilizaria para descobrir o que aqueles dois cretinos fizeram com sua filha e seus empregados.
A viagem até o galpão desativado fora curta e silenciosa, sem conversas e burburinhos, apenas o barulho dos próprios cavalos. Ao chegar ao depósito desativado de uma empresa que fora à falência, ele logo enxergou os dois homens amarrados a uma cadeira com a boca amordaçada. Melvin fumava um cigarro encostado na parede, enquanto os homens estavam inconscientes.
- Estão há quanto tempo assim? - James perguntou franzindo o cenho.
- Algumas horas, milorde. Se jogar um balde de água fria neles, com certeza despertam.
- Vamos logo com isso. - James retirou o casaco e, dobrando as mangas da camisa branca, começou a colocar suas ferramentas sobre uma mesa velha, próxima ao local onde os capangas de Manner estavam amarrados.
Dash voltou com um balde cheio e jogou a água nos rostos dos prisioneiros, que acordaram assustados, tentando mover-se e emitindo sons de desespero por baixo das mordaças.
-Olá, meus caros amigos - o duque disse, com um sorriso sádico em seus lábios. - Espero que tenham gostado da nossa recepção. - Ainda sorrindo completou - Acredito que hoje seja o dia em que vocês dois me pagarão tudo o que devem.
Vendo o terror estampado na cara do homem ruivo, zombou:
- Oh, não faça essa cara. Vocês tiveram um empréstimo de mais de cinco anos para continuar vivendo - mudando repentinamente para um tom sério continuou falando - Agora eu vim cobrar por esse tempo, com juros.
Dickens tentou focar no homem sentando em uma cadeira a sua frente, o homem era alto e musculoso para alguém que já possuía alguns cabelos grisalhos. O galpão estava bem iluminado, portanto, Carl, menos atordoado que o comparsa, não demorou a reconhecer o homem sentado à sua frente segurando um charuto. Era o Duque de Northumberland.
- Retirarei a sua mordaça, Carl, se gritar ou falar sem que eu lhe permita, eu esmurrarei sua linda face que, por sinal, você usa para destruir vidas - assim que retirou a mordaça, Carl começou a falar em desespero.
-Por favor, senhor! Eu não sei o porquê estou aqui! Eu sou inocente, eu não fiz nada! Eu juro...- James o interrompeu com um soco no queixo, que fez o homem cuspir sangue devido aos anéis que pusera em cada dedo.
- Eu lhe avisei, ou acata minhas ordens, ou precisarei ensiná-lo a respeitar um homem de verdade.
Carl começou a chorar e então James resolveu dar a Dickens a oportunidade de participar daquela pequena reunião.
- Dickens, meu jovem, o que acha de ter uma oportunidade para falar? Eu quero saber o que fizeram com a minha filha quando a drogaram cinco anos atrás. Vejamos se você se comporta melhor do que seu amigo - e então pediu que Dash desamarrasse a mordaça.
- Vá a merda! Seu duque de bosta! - Dickens berrou a plenos pulmões - Eu não tenho medo de você, seu almofadinha afeminado! - e então cuspiu no chão aos pés de James que, ao observar o medo nos olhos de Dickens, soltou uma gargalhada de puro desdém e olhando para Melvin ele responde:
- Vejam só o que temos aqui? Alguém que gosta de um desafio - levantando da cadeira e indo em direção ao homem que o insultara, ele disse num tom baixo e ameaçador:
- Eu também adoro um desafio. Sabe, vocês dois invadiram meu castelo, sequestraram minha neta e drogaram minha filha e meus empregados. Se querem sair daqui com vida é melhor começarem a colaborar comigo - olhando para o ruivo zombou. - Não é mesmo, Carl? - Voltando a cabeça para o outro - Você sabe o que fazem com ladrões na Arábia, George? Eles cortam a mão fora, mas serei benevolente e só lhe arrancarei alguns dedos se você colaborar e me contar tudo o que fizeram com a minha filha.
- Seu miserável! Eu vou matar você e enviar suas tripas para sua filhinha vagabunda! - E então o homem gritou de dor ao ter o dedo indicador quebrado por James.
- O que disse? Eu não escutei direito. Falou algo sobre minha filha? - E assim quebrou o dedo indicador da outra mão. O homem urrou de dor e começou a chorar em desespero. Ao seu lado, Carl entrou em pânico e não conseguiu abrir a boca para dizer uma palavra sequer, molhando as próprias calças.
- Eu farei com que vocês dois paguem por cada crime que cometeram, mais precisamente por cada lágrima que fizeram minha filha derramar. Vocês aprenderão hoje que, entrar no caminho de um Osborne é comprar uma passagem direto para o inferno.
James passa o restante da noite interrogando os dois que, depois de vários ossos e dentes quebrados, sangue perdido, partes mutiladas e terror psicológico, acabam confessando tudo o que fizeram na noite em que raptaram a menina e drogaram Ravenna. Assim como o fato de que Anthony mantinha a própria sogra como amante debaixo do mesmo teto que a esposa, e a mesma ainda esperava um filho do genro. Depois de socar os homens até a exaustão ele deu um tiro em cada um para terminar o serviço. Aquilo era por sua filha, por sua neta e por todas as mulheres que aqueles cretinos escravizaram e assassinaram. James retirou os anéis que os dois usavam e os guardou no bolso de seu casaco. Então ele e seus empregados começaram a limpar todo o lugar e se desfazer das evidências de maneira que ninguém suspeitaria o que ocorrera ali.
Aproveitou a viagem de volta para descansar, pois não era mais tão jovem e ainda precisaria dar uma surra em Anthony. Descansaria naquela tarde para recuperar as forças. Ainda precisaria informar-se com Jannis, outro de seus subordinados, sobre os horários em que o homem costumava sair de casa para ir ao bordel. James enviara uma mensagem a ele através de Kensington na noite em que buscara suas armas, dando ordens ao rapaz para monitorar as atividades do Conde de Spencer.