Quando olhei no aparelho, achei que estava atrasada, pois as
horas marcavam duas horas a mais do que eu esperava. Quando
olhei no espelho, meu rosto parecia ter sido amassado por um trator
e o pior de tudo era que eu achava que não tinha tempo para tomar
café.
Eu era uma pessoa simpática e bem-humorada, mas de barriga
vazia as coisas mudavam, pois uma substituta mal-humorada
possuía o meu corpo e me dava dor de cabeça.
Como o dia estava só começando, os ônibus estavam lotados.
Não como eu já estava habituada, mas de forma anormal. As
pessoas se amontoavam como em uma lata de sardinha, e o cheiro
não era dos melhores.
Eu não sabia como alguém poderia sair de casa de manhã sem
tomar um banho.
Quando cheguei à empresa, não havia ninguém além do vigia.
Para falar a verdade, eu deveria ter notado as pistas durante o
trajeto.
Primeiro, estava mais frio que o normal para as oito da manhã.
Até o ônibus. Tudo estava lá, porém, como não havia tomado café e
havia acordado duas horas mais cedo, o que dificultava o meu
raciocínio, não percebi o meu erro.
Trabalhava na empresa Duarte investimentos há três anos e não
era na minha área de formação.
Depois que sai da faculdade, você pensa que será tudo um mar
de rosas, mas tristemente descobri que o mundo era cruel e existem
milhares de pessoas tão boas quanto eu.
Tive que fazer uma escolha: continuava tentando buscar o meu
sonho ou pagava o aluguel e o supermercado.
Confesso que passei três anos com os pés no chão, deprimida
por não ter conseguido.
- Bom dia, senhor Antônio. - Falei me aproximando do homem
de quarenta anos com o sorriso simpático. - O senhor sabe por
que está tudo tão... vazio?
O homem me olhou com o cenho franzido, parecendo que eu
tinha feito a pergunta mais burra que ele havia ouvido, mas
continuei firme, o olhando com um sorriso amarelo.
- São seis da manhã, sabe que as coisas só começam a
funcionar aqui a partir das sete. - Ele disse.
Na hora eu ainda estava refletindo sobre a palavra sete, e estava
cética sobre o horário. Abri a bolsa abruptamente e peguei o
aparelho que estava no fundo, escondido.
- Senhor, são nove horas. - Falei não querendo acreditar no
que o homem estava falando.
O homem tirou do seu bolso o celular que não era um dos mais
novos da sua linha, e o estendeu para mim, mostrando o horário
correto.
Olhei para o objeto, ainda sem acreditar, aos poucos tudo veio à
minha mente e desejei morrer.
Nenhum palavrão era o mais adequado para se designar a mim
naquele momento. Eu só continuei olhando para o nada, esperando
que algum tipo de explicação óbvia viesse a mente, mas nada
aconteceu.
Eu poderia ter feito a maior cena na frente do homem, pois
sempre que algo assim acontecia, sendo tão cedo, meus olhos se
enchiam de lágrimas.
Eu não era assim tão frágil, porém, se meu estômago estivesse
vazio e o sono ainda estivesse pairando sobre a minha mente,
corroborava para esse fim.
No entanto, optei por me conter e arranjar uma alternativa.
Primeiro, eu teria que comer algo, pois se não houvesse comida
no meu estômago, não trabalhava nesse ambiente estressante, e
minha chefe era como o próprio diabo.
Se eu ficasse dessa forma até o almoço, com certeza ficaria sem
emprego, já que diversas vezes tive que me conter para não a
xingar.
A sorte era que o prédio ficava perto de várias lanchonetes, onde
eu poderia comer e passar o tempo. Retirei o aparelho diabólico da
bolsa e acertei as horas para que não houvesse mais problemas.
***
Depois daquele contratempo inicial, eu finalmente estava melhor.
Voltei e comecei o dia com uma pilha de documentos para
reorganizar. Carolina estava tensa quando chegou e mal falou
comigo, o que era estranho, pois a mulher adorava me importunar
logo quando chegava.
Fiquei bastante cansada após organizar tudo. Graças ao sono
que me consumia, tive que tomar café a mais, só para não dormir
em cima do computador.
No almoço, a chefe saiu mais cedo, ela ainda estava estranha,
mas não me importei e dei graças a Deus por ela não ter me
incomodado, pelo menos ainda.
Saí com algumas colegas para comer e na volta fiquei
envergonhada ao encontrar o porteiro, que era o único que sabia do
meu desastre do início de dia.
Antes de ir embora, fui chamada na sala de Carolina e senti a
tensão no ar. Eu sentia um mau pressentimento de que iria ser
demitida.
Assim que entrei e sentei-me, vi a expressão de preocupação da
mulher. Ela estava estranha o dia todo, e agora estava me olhando
como se fosse dizer que alguém morreu.
- Alguma coisa aconteceu? - Perguntei cautelosa.
- Sim, infelizmente. - Disse deixando os ombros caírem e se
encostou à cadeira. - Falimos.
Ouvir isso fez meu coração pular. Era o nosso fim e a minha
demissão. Já havia ouvido rumores sobre as condutas indevidas do
chefão. Ele estava roubando e jogava tudo em pôquer.
- O que farão agora? - Perguntei triste.
- Todos vocês serão pagos e o que sobrar será para pagar as
dívidas. - Respondeu.
Depois dessa breve conversa, foi acertado o dia que deveríamos
voltar e receber. Todos que saíam estavam como eu: tristes e para
baixo. Uns piores que outros.
Passei todo o caminho pensando no que fazer. Gastei três anos
da minha vida em um emprego que não me valorizava, e nem era
do meu ramo. Agora estava sem nada e acreditava que seria difícil
arranjar outro agora.
A situação do país não era a melhor e perder o emprego agora
seria um grande problema. Mas talvez seja essa a oportunidade que
eu esperava para finalmente trabalhar em paisagismo, que era a
área que me formei. Eu tinha uma casa, e meu namorado tinha um
bom trabalho. Mesmo que demorasse um pouco, talvez conseguisse
algo.
Andei poucos metros até a casa que tínhamos alugado. Não era
muito grande, mas servia. Vivíamos trabalhando, e era Miguel que
passava a maior parte do tempo em casa. Pelo menos até agora.
Entrei já tirando o sapato e jogando a minha bolsa no sofá. As
luzes estavam acesas, mas nada do homem. Um barulho vindo do
quarto, chamou minha atenção.
Não chamei seu nome, porém, a curiosidade era maior e
caminhei até o quarto, devagar. A porta estava entreaberta e
quando vi duas pessoas trepando em cima da minha cama, quase
caí.
Miguel e ngela transavam como dois coelhos enquanto eu
assistia chocada. Uma raiva tomou conta do meu corpo, e abri a
porta com uma batida forte.
- QUE PORRA É ESSA?
Parecia que alguém havia me jogado o pior feitiço do mundo.
Primeiro perdi o emprego, agora descubro que sou corna.
Capítulo 2 - Henrique
Eu gostava de trabalhar. Mantinha minha mente focada e
funcionando. Sentimentos são complicados, por isso sempre tentei a
todo custo me manter distante.
Foi por isso que minha noiva me deixou. Não que eu não
gostasse dela, mas Anastácia era uma mulher muito sentimental e
pegajosa.
Eu adorava a sua classe e inteligência, porém, tinha as minhas
manias e preferia ficar só.
Muitos diziam que eu era frio e arrogante e, na verdade, sou.
Acredito que vários fatores ocorreram na minha vida para que eu
tivesse me tornado isso.
No passado eu era mais aberto e compreensivo, mas tudo
mudou quando a mulher que eu amava jogou na minha cara que
não era isso que ela queria.
Depois de uma tragédia em minha família, pensei que era melhor
mudar de atitude e me preservar mais.
Foquei-me mais no trabalho e esqueci o resto. Quando pedi a
mão de Anastásia em casamento, não queria amor, queria uma
esposa e filhos.
Entretanto, acredito que não deixei isso bem claro e a mulher
começou a exigir coisas. Se ela não tivesse terminado, quem teria
feito isso seria eu.
Não desejava viver a minha vida, muito corrida, ao lado de
alguém que me exigisse tanto.
Isso poderia me tornar alguém frio e solitário, mas não queria
viver de mentiras.
Eu não sabia se algum dia algo me faria mudar, mas pretendo
achar alguém que me dê um herdeiro. Não sou filho único, mas meu
irmão não gosta de arquitetura como eu. Sentia a necessidade de
fazer o melhor por essa empresa, e criar meu substituto era uma
dessas coisas.
Voltando ao trabalho, eu ainda tinha que me preocupar com a
nossa nova contratação. A empresa precisava de uma paisagista, e
essa pessoa seria uma assistente para mim, trabalhando em meus
projetos.
Gosto de saber e controlar tudo ao meu redor, às vezes, as
pessoas consideram isso como arrogância minha. Para se ter
sucesso, tudo tem que estar organizado e tranquilo. Se o local de
trabalho não for assim, não trará benefício algum.
- Quem será responsável pelas entrevistas? - Perguntei a
mulher de cabelos curtos assustada que estava a minha frente,
segurando uma pilha de papel.
Ela pensou por alguns minutos antes de responder. Essa era a
coisa que mais odiava na Judi, minha secretária. Quando eu fazia
uma pergunta, gostava de ser respondido logo, tempo era muito
precioso para mim.
- Serena. - Finalmente respondeu.
- Ok. - Falei voltando a prestar atenção nos documentos a
minha frente. - Diga a Serena que quero a melhor e a mais
responsável de todas.
***
Assim que cheguei em casa, coloquei um pouco de bebida no
copo e tomei. Como sempre, cheguei bem tarde.
Minha família sempre reclamava sobre a minha rotina de
trabalho, porém, fazia o que gostava e isso não me incomodava
nem me cansava.
Tenho poucos amigos e os conheço desde a infância, no
entanto, não saímos muito, confesso que era minha culpa, pois
sempre afastei todos de perto de mim.
Eles vivem reclamando sobre esse meu comportamento, mas
não me incomodo com isso.
Sempre que estou a fim de sair com algumas pessoas para
beber ou jantar, era eu que os convidava, porém, eram raros esses
momentos.
Meu celular tocou em cima do sofá e já ao longe vi que era a
minha mãe. Desde que Anastácia e eu terminamos, a mulher vivia
me importunando.
Catarina Vilella sempre desejou que eu me casasse com uma
mulher fina, linda e delicada. Sempre que tinha a oportunidade, ela
arrumava maneiras de jogar algumas das filhas de suas amigas
para cima de mim. Foi assim com Anastácia Alencar, entretanto, não
tomarei decisões erradas novamente.
- Mãe. - Falei ao atender o telefone.
Eu já estava cansado e conversar com a minha mãe iria acabar
com o resto da minha paciência do dia.
- Querido, como você está? - Perguntou começando a buscar
pistas sobre meu humor.
Se eu não a conhecesse, diria que essa era uma reação normal
de uma mãe para com o seu filho, no entanto, sei que Catarina
estava aprontando algo.
- Bem... por enquanto. - Respondi bebendo o último gole e
passando a mão pela minha têmpora. - O que deseja desta vez,
mãe?
- Ah, Henrique, até parece que não posso ligar para saber
como está meu filho. - Reclamou fingindo estar ofendida. - Mas
também queria lhe informar sobre um jantar beneficente.
Eu já adivinhava que poderia haver algo que ela iria me propor.
Jantares beneficentes serviam para dois propósitos: o primeiro,
era para esbanjar dinheiro e dizer que os ricos eram benevolentes.
O segundo motivo, era para que homens como eu, fossem
apresentados a mulheres em busca de maridos.
- Sinto muito, mãe, mas estarei ocupado. - Falei rápido antes
que ela continuasse.
- Henrique você tem...
- Quem sabe na próxima. - A cortei. - Amo você, boa noite.
Desliguei o celular antes que ela tentasse me convencer de mais
coisas.
Não gosto de ser rude com ela. Sei que a mulher vivia muito
deprimida devido ao meu pai, mas não suportava quando minha
mãe tentava arranjar uma mulher para mim.
Já cometi esse erro e não pretendo repetir. Sei que já tenho 35
anos e que deveria me casar logo, porém, não queria que essa
fosse a função da minha mãe.
Se pretendia arranjar alguém que ficaria ao meu lado para
sempre e ser a mãe dos meus filhos, farei isso sozinho, pois sei
exatamente o que quero.
***
Quando cheguei à empresa, todos estavam concentrados em
seu trabalho e afazeres. Sei que só faziam isso quando estava por
perto.
- Que bom que chegou, amigo, temos a reunião com o grupo
que está planejando a revitalização dos hotéis no litoral. - Falou
Roberto, me acompanhando até a sala de reuniões.
Nos conhecemos no colegial. Ele sempre foi um bom
companheiro e muito inteligente. Durante o meu período mais difícil,
foi ele que esteva ao meu lado.
Hoje trabalhamos juntos e fico feliz por isso, pois meu amigo era
um dos mais criativos.
- Ótimo. - Falei procurando a minha secretária. - Judi! - A
chamei em voz alta e todos se assustaram. - Venha!
A mulher minúscula correu em minha direção segurando o seu
bloquinho de anotações.
Pedi um café e entramos na sala de reunião onde já estavam à
nossa espera.
Uma loira alta com vestido branco que se ajustava ao seu corpo,
sorriu ao me ver. Ela era responsável pelos hotéis que seriam
reformados.
Assim que começamos, todos se animaram. Eleonor nos contou
o que seu chefe desejava para a reforma. Além disso, seriam
construídas novas áreas e depois disso, também teríamos que dar
uma repaginada, transformando tudo em um local moderno e
confortável.
Os hotéis não ficavam muito longe da capital e tinha o privilégio
de ficar a poucos metros da praia, onde muitos turistas se
hospedariam para a temporada de verão.
Programamos uma visita ao local, onde a mulher disse que o
próprio proprietário dos hotéis iria nos receber e nos contar todos os
detalhes sobre o que ele desejava. Eu esperava que até lá eu já
tivesse a minha assistente, pois segundo Serena, achar a pessoa
perfeita para o cargo seria difícil.
Capítulo 3- Elisabete
Foi realmente decepcionante descobrir que meu namorado e
minha amiga estavam me traindo. Por incrível que pareça, não me
importei em perder o Miguel, pois penso que lá no fundo eu só
gostava dele e não o amava. Porém, descobrir que foi traída era
algo horrível, agora estava difícil seguir sem saber em quem confiar.
Naquela noite que os peguei juntos, fiz questão de colocar tudo
para fora. Disse o que se passava pela minha cabeça e não me
arrependia de nada.
Na verdade, estava arrependida por não ter cortado o pau dele
fora e feito a vadia o comer.
Conheci ngela na faculdade e a achei muito legal na época. Eu
mal sabia que seria apunhalada pelas costas e ter que arrumar um
lugar para morar.
Tenho sorte por ter uma irmã maravilhosa, pois quando liguei
para ela, rapidamente Mariana veio ao meu socorro. Eu ficaria com
ela até achar um novo emprego, já que não bastava o meu dia ter
sido conturbado, ainda descobri que fui traída e não tinha onde
morar.
Seu apartamento não era muito grande, mas cabíamos nele.
Como minha irmã trabalha como guia turística e vive viajando, seria
perfeito para nós.
Eu achava que tudo que aconteceu naquele dia tinha sido um
aviso do Destino de que algo estava muito errado. Ainda não sabia
o quê, mas esperava que essa maré de azar não permanecesse ao
meu lado.
- Não se preocupe, Elisa, você pode ficar o quanto quiser na
minha casa. Eu mal fico aqui mesmo e quando estiver será divertido
passar o dia com a minha irmã mais velha.
Mariana era um amor de pessoa. Todos a amavam e ela sempre
foi a mais popular na nossa casa. Ela era minha irmã mais nova,
porém, depois da faculdade a garota seguiu na sua área de
atuação, muito diferente de mim que não tive tanta sorte e optei por
trabalhar para me sustentar e deixei um pouco de lado o meu
sonho. Entretanto, a minha demissão e essa nova situação em que
me encontrava, me deu oportunidade de finalmente procurar o que
desejava.
- Obrigada, irmã, você é meu anjo. - Falei a abraçando forte.
- Vou arranjar um emprego em minha área, você vai ver, não vai
demorar muito.
- Eu espero que sim. Você merece fazer o que gosta, é muito
criativa e inteligente, aposto que essas empresas estão perdendo a
oportunidade de ter alguém tão inteligente como você. - Disse indo
para a cozinha. - Mas agora vamos assistir a um filme muito
divertido. Já faz um tempo que nós não temos essa oportunidade.
Ela tinha razão, no meu antigo trabalho eu não tinha
oportunidade de sair e me divertir muito. Era trabalho e mais
trabalho, sem tempo para folga. Mariana vivia no emprego dos
sonhos, ela viajava para o litoral com os turistas nas praias mais
lindas de Pernambuco. Outras vezes, ela trabalhava em sítios
arqueológicos.
Enquanto ela fazia a pipoca, liguei a televisão e procurei algo
decente para assistirmos. Querendo ou não, a minha cabeça ainda
questionava muitas coisas sobre Miguel e a traiçoeira que eu
chamava de amiga.
- Acha que eles estavam juntos há muito tempo e só eu que era
idiota nessa história? - A perguntei.
Eu queria parar de pensar nessa situação, no entanto, talvez a
raiva estivesse trazendo tudo à tona em minha cabeça e comecei a
questionar vários momentos da nossa vida.
- Eu não sei, mas nunca gostei daquela mulher. Na verdade,
nunca pensei que o Miguel faria tal coisa com você, achei que ele te
amava. - Disse em um tom triste.
- É, eu também, entretanto, eu não gostava mesmo muito dele,
talvez fosse apenas comodismo. - Pensei em voz alta. - Quer
saber, é melhor esquecermos isso. O Miguel não vale um minuto
dos meus pensamentos mais.
Mariana volta com a pipoca e resolvemos assistir uma comédia
para rir muito e esquecermos os problemas. Tinha que focar agora
em achar um emprego e ter o meu próprio lugar. Não deveria mais
deixar que ninguém me atrapalhasse, esse era o meu futuro e não
podia deixá-lo para trás por causa de momentos ruins ou pessoas
que não valiam a pena.
***
Não fiquei parada em casa lamentando pela vida medíocre que
tive durante esses três anos. Saí e entreguei os currículos nas
empresas que eram do meu ramo.
Minha irmã saiu para trabalhar, me deixando sozinha. Como não
tinha muitos amigos, fui obrigada a esperar em casa, entediada.
Rezei para todos os santos e deuses existentes no mundo para
que eu tivesse uma resposta rápida, pois não queria continuar
parada, não suportava ficar em casa sem fazer nada o dia inteiro.
Quem me olhasse diria que eu estava em um romance com o
meu celular, pois passei o dia inteiro ao seu lado esperando que ele
tocasse.
Quando vim para recife, foquei tanto em estudar e arrumar um
emprego que não tive a oportunidade de sair e conhecer tudo o que
deveria, por isso não tinha tantos amigos, e justo a que arrumei, me
traiu. Claro que isso trouxe um pouquinho de desconfiança, e seria
difícil acreditar em mais alguém no futuro.
Meus pais moram no interior, bem distante. Eles vivem de forma
humilde e nos criaram com poucas coisas, mas nem por isso nos
deixaram negligenciadas, nos ensinaram que não precisamos de
muito para sermos felizes, apenas de pessoas que valham a pena.
Quando a minha irmã também veio para cá, eu já não precisava
ficar mais só. Ela estudava e morava comigo, e podíamos sair para
nos divertir.
Conheci o Miguel quando trabalhava em uma lanchonete, ele
também estudava na mesma faculdade que eu, no curso de física.
Gostei dele, pois era inteligente e muito bonito. Mas pensando bem,
agora, Mariana tinha razão, ele foi sempre meio esnobe e se achava
melhor que todo mundo. Sempre que eu falava sobre o meu sonho
quando estávamos juntos, ele fazia questão de me colocar para
baixo, dizendo que isso seria impossível para mim.
Antes de vir para cá, passei muito tempo sem ninguém, as
pessoas sempre pensavam que eu tinha algum problema, porém, só
queria focar no meu objetivo. No entanto, se você não seguir
conforme a dança, as pessoas começam a falar e isso sempre foi
um problema para minha mãe.
Mas que se dane!
Ninguém deveria viver baseado no que as pessoas vão achar ou
não. Era a nossa vida, e somos nós que escolhemos o que
queremos ser ou não, caso contrário sempre iremos viver infelizes,
pois nem sempre o que as pessoas desejam para nós, era o que
realmente nos faria feliz.
Agora mesmo, tinha que me concentrar no que eu queria, e ao
ouvir o celular tocar, quase tive um ataque de pânico.
Olhei na tela e era um número desconhecido. Poderia ser
qualquer um, mas mantive o meu pensamento positivo.
- Alô. - Disse ao atender.
Eu estava tentando disfarçar a minha ansiedade, porém, estava
ficando difícil.
- Alô, Elisabete? - Perguntou a voz feminina do outro lado.
- Sim, sou eu. - Respondo ainda eufórica. Tentei a todo custo
me acalmar, mas era a primeira vez em muito tempo que uma
empresa me respondia.
- Eu sou a Judi, trabalho para a empresa ART Vilella e gostaria
de saber se você ainda está à procura da vaga?
Assim que ela havia acabado de falar, afastei um pouco o
telefone do ouvido, para que a mulher não ouvisse a minha histeria.
Já fazia um tempo que eu desejava fazer uma entrevista nessa
empresa, mas as vagas eram muito disputadas.
- Claro que sim. - Respondi ainda me abanando.
- Ótimo, estou agendando sua entrevista para amanhã, ok? -
Falou a mulher que mais parecia um anjo.
- Ok, estarei aí. - Respondi.
Antes de desligar, Judi me passou os detalhes sobre a
entrevista. Eu sabia que não seria a única a ir até lá, mas eu faria de
tudo para ser a melhor de todas.
Assim que a ligação foi encerrada, eu praticamente saltitei de
tanta alegria.
***
Ao chegar na frente do prédio alto e moderno, fiquei
impressionada com a sua beleza. Era realmente luxuoso. Eu nem
sabia que existia edifícios tão modernos em Olinda, pois a cidade
era conhecida pelas casas e prédios antigos.
Sem perder tempo, adentrei o lugar. A ART Vilella ocupava os
três últimos andares, e ao chegar perto do elevador, três mulheres já
o esperavam. Não sabia se elas já trabalhavam aqui ou não, mas
dava para ver que não vieram para brincadeira, elas estavam lindas.
Se elas fossem minhas concorrentes e essa fosse uma disputa
de moda, eu estaria ferrada. Saí de casa com um traje formal. Uma
saia lápis e uma blusa de manga longa, solta.
Assim que saímos no andar onde seria a entrevista, tive a
confirmação de que essas mulheres eram realmente minhas
concorrentes. Mas não me preocupei, já que eu era muito bem
qualificada, apesar de ainda não ter trabalhado fixamente no ramo.
Judi, que era a secretária do todo-poderoso, apareceu para nos
indicar onde seria a entrevista.
Eu estava bem nervosa e precisava de um pouco de água para
que me acalmasse.
Pedi informação a ela, que me indicou uma sala que servia de
copa para alguns funcionários comer e beber água.
Fui até a sala e bebi um pouco de água. O lugar não era muito
pequeno e tinha muitas coisas para os funcionários. Respirei fundo
ao sair da sala, mas meu corpo se chocou contra uma parede de
músculos que fez com que eu recuasse um pouco e quase caí.
- Meu deus, desculpa, eu não...
Meus olhos procuraram a vítima da minha desatenção e senti
que meus pulmões quase pararam de funcionar. Ele era alto, tinha
ombros largos, olhos verdes intensos e uma barba rala que me fez
arrepiar. Suas mãos seguravam minha cintura para que eu não
fosse ao chão.
Mantive minhas mãos em seu peitoral largo, ainda boba pela sua
imagem perfeita.
- Você deveria olhar para onde anda. - Ele disse com sua voz
grossa e arrogante.
A magia acabou no mesmo instante que seu olhar se tornou frio.
Pisquei duas vezes raciocinando sobre todo o ocorrido.
- Desculpe-me, mas o senhor também teve culpa. - Falei me
defendendo.
- Como posso ter culpa nisso se foi você quem esbarrou em
mim? - Me questionou cerrando os olhos.
Era inegável que esse homem era lindo e charmoso, mas tudo
isso não ofuscava a ignorância e a rispidez que destruía a bela obra
de Deus.
O olhando atentamente, o bonitão de olhos verdes parecia um
modelo de capas de revista chique. Podia apostar que esse babaca
era um arquiteto ou engenheiro. Mesmo tendo muita gente legal,
essas áreas eram cheias de homens e mulheres egocêntricos.
- Foi você que apareceu de repente. - Falei convicta. - Quer
saber, não posso ficar aqui, tenho o que fazer. Tenha um bom dia.
Afastei-me dele e comecei a caminhar para longe, no entanto,
seus longos dedos impediram que eu me afastasse bastante.
O simples toque de suas mãos fazia com que meu corpo
perdesse a compostura. Olhei novamente para seus olhos e pude
ver um brilho que não vi antes.
- Como se chama? - Perguntou curioso, franzindo o cenho.
- Isso não interessa a você. - Respondi ainda chateada.