matar as saudades.
― Maya, querida, que bom que você veio. ― uma voz irritantemente falsa
soou atrás de mim. Eu sabia quem era mesmo antes de me virar para ver o
rosto da pessoa.
― Oi... ― respondi secamente. Uma mensagem de Aninha apareceu na
tela dizendo que estava atrasada. Como sempre.
― Sou eu, Lívia Motta, lembra? ― como se eu pudesse esquecer. ― Uau,
você está tão diferente. Seu cabelo está... bem cuidado. E você não usa mais
aqueles óculos também, né? Você tinha uma carinha de nerd fofa com eles.
― nerd fofa? Ela vivia me chamando de fracassada de quatro olhos. Que
falsa!
― E você está... a mesma Lívia de sempre.
― Ah, obrigada, querida. ― não tinha sido um elogio. ― Mas olha, eu já
estou até com algumas rugas na testa. ― ela disse apontando para o próprio
rosto. Eu não poderia me importar menos. ― Me conta o que você anda
fazendo? Nunca mais ouvi falar de você.
― Eu me formei em Artes Cênicas e segui carreira de atriz. Eu estou
dan...
― Atriz, hein? Engraçado, nunca te vi na TV. Mas também essa rotina de
médica, sabe como é. Muito puxada. Fica difícil eu ter tempo para assistir
novelas, filmes, essas coisas fúteis.
― Eu não acho que a arte seja futilidade. Você teve uma fase que queria
ser atriz também, né? Por que você desistiu mesmo?
― Ah, eu não quis dizer isso. Eu... ― mas antes que ela inventasse uma
desculpa qualquer para não responder a minha pergunta, que eu sabia que
tinha a irritado, um homem alto, forte e muito bonito se aproximou de nós
duas.
― Sua bebida, meu amor. ― ele lhe entregou um copo e deu um beijo de
leve nos seus lábios. ― Acho que não nos conhecemos, eu sou o Pedro. ― o
homem disse estendendo a mão para que eu apertasse. Droga, ele ainda era
simpático. Ela não merecia esse cara. Ou melhor, ele não merecia alguém
como ela. Uma bruxa.
― Sou a Maya.
― Mais uma de suas amigas de infância? ― ele perguntou para Lívia.
― Não exatamente...― Respondi.
― O Pedro é o meu namorado. ― ela me interrompeu. ― Ele é
anestesista. Estamos juntos desde a faculdade, né Pedrinho? ― ele assentiu.
― E você, Maya? Está namorando?
Eu tenho muito orgulho do que eu me tornei. Me formei em uma das
melhores universidades do Brasil, trabalho com o que eu amo e consigo me
sustentar muito bem sozinha, mesmo a arte sendo tão desvalorizada. O fato
de não ter um namorado nunca me incomodou. Quer dizer, eu já namorei
antes. Porém, nesse momento, eu estava passando por uma fase de
autoconhecimento. Pelo menos era o que eu dizia para as pessoas. Mas,
naquele momento, totalmente tomada pela raiva e, talvez, pela inveja, o que
saiu da minha boca foi outra coisa.
― Claro que sim. Ele ficou tão arrasado que não poderia vir hoje. Mas,
sabe como é, trabalho...
― Que pena. Eu adoraria conhecer o sortudo que roubou o coração da
nossa Maya. Nunca vi você com um namorado na nossa época de escola. Eu
o conheço?
― Não. ― respondi, mais rápido do que deveria. Alguém, por favor,
me tira daqui!
― Eu quero ver uma foto dele. Cadê?
Ai. Meu. Deus. Eu estava tão ferrada, por que tive que abrir minha
boca? O que eu responderia para ela? De repente, uma ideia maravilhosa
surgiu na minha cabeça. Certamente vinda direto dos céus. Não tinha como
dar errado. Peguei meu celular da bolsa e entrei no Instagram do Ramiro. O
irmão dele não morava no Rio há anos, não tinha como os dois se
conhecerem. Era o plano perfeito. Ele tinha vindo para o Rio alguns meses
atrás, nas férias, e Ramiro tinha feito vários stories com ele dos passeios que
fizeram. Obrigada Ramiro por ser adepto da exposição nas redes sociais. Fui
até o destaque nomeado "Férias" e comecei a passar as fotos até achar uma
dos dois juntos. Coloquei meu dedo na tela para pausar na foto que eu queria.
― Esse é ele. O da direita. ― apontei mostrando a tela do celular para
ela.
― Ai, nem dá pra ver direito. Me dá isso aqui. ― Lìvia tomou o
celular da minha mão. Abusada.
― Nossa, Maya! Você se deu bem. Como você conseguiu conhecer
alguém como ele? ― o tom da sua voz era de incredulidade. Eu não achava
o irmão de Ramiro tão bonito assim, mas...
― Esse não é aquele lutador de MMA? Arthur Birkman? Já assisti
algumas lutas dele. O cara é foda! ― Pedro comentou olhando a tela do
aparelho. Espera. O QUÊ? Puxei o celular da mão de Lívia. Ah, não! Parece
que tinha como dar errado sim. Aquela definitivamente não era a foto que eu
tinha selecionado para mostrar a ela. Mas, na hora que ela pegou o celular da
minha mão, acidentalmente pulou de um story para o outro. A foto que
aparecia na tela era de um Ramiro muito feliz ao lado de ninguém mais
ninguém menos que o gostoso do Arthur em uma das lutas que ele assistiu
com o irmão nas férias. ― Como vocês se conheceram?
― A gente... ― eu era atriz. Eu tive aulas de improviso. Eu
conseguiria me sair bem dessa. ― O Ramiro, meu colega de quarto,
apresentou nós dois. Ele trabalha no meio esportivo. Marketing de empresas
de esporte, sabe como é. Você é fã de MMA? ― ai meu Deus, Maya. Cala
sua boca!
― Eu sou um cara mais do futebol, mas tenho amigos que curtem
MMA e, algumas vezes, nos reunimos para assistir algumas lutas na casa de
um deles. É nossa versão de reencontro de amigos do ensino médio. ― ele
disse rindo.
― Eu tive uma ideia! ― Lívia exclamou. ― Por que a gente não
marca de jantar todo mundo junto lá em casa um dia desses? Eu vou adorar
reviver nossas lembranças da época de escola, Maya.
― Eu posso chamar meus amigos também. ― Pedro parecia
realmente animado. ― Eles vão adorar conhecer The Wolf pessoalmente.
― Não sei, Lívia. A agenda do Arthur é muito complicada, com os
treinos e tudo mais.
― Ah, para com isso. Até parece que ele não vai querer satisfazer os
desejos da namoradinha. Bom, eu tenho seu número de telefone salvo. Você
conversa com ele e a gente marca uma data. Vou te mandar uma mensagem
durante a semana.
― Já avisei no grupo de WhatsApp dos meus amigos. Eles estão
empolgados! Esse jantar vai ser topzera. ― Pedro disse.
Eu estava muito, muito ferrada.
― Ah, olha. A Aninha chegou. Ela deve estar me procurando. Vou lá
falar com ela. Nos vemos no nosso jantar então. ― me despedi correndo
antes de falar mais alguma coisa da qual eu me arrependesse depois. Lívia
nunca deixaria aquele assunto morrer. Ela iria querer de todas as formas
conhecer meu namorado. Ainda mais agora sabendo que ele é famoso. E eu
queria muito, muito mesmo, esfregar meu namorado gostoso na cara dela.
Então, fiz a única coisa que me cabia fazer naquele momento. Abri o
Instagram do Arthur e comecei a lotar a sua caixa de mensagem.
@mayamoura: Oi, Arthur! Eu sou a Maya. Vc quer ser meu
namorado fake?
@mayamoura: Me nota pfvr, eu to desesperada!!!!!!!!!
@mayamoura: Eu meio que disse pra minha rival da época escola
que a gnt namorava e agora ela e o Pedro querem fazer um jantar pra
nós dois (e uns amigos do Pedro rsrs)
@mayamoura: O Pedro é o namorado dela, ele é anestesista e mto
lindo
@mayamoura: Eu não poderia ficar por baixo, me entende? Eu
odeio aquela vaca!
@mayamoura: Vc deve tá me achando bem doida, mas eu não sou
@mayamoura: Talvez só um pouco
@mayamoura: PELO AMOR DE DEUS ME NOTA EU PRECISO
DA SUA AJUDA!!!
ARTHUR
― PORRA, ARTHUR, DE NOVO? ― Henrique entrou na academia onde
eu treinava por 7 horas por dia, todos os dias, na preparação da minha estreia
no UFC. ― Sua sorte é que eu sei que se te der um soco, quem vai sair
perdendo é a minha mão!
― Calma, brother. Eu não sei do que você tá falando. ― respondi, me
afastando do saco de pancada onde eu treinava alguns socos e chutes.
― EU TÔ FALANDO DESSA MERDA AQUI! ― ele esticou o celular
na minha direção. Na tela, uma página de fofoca do Instagram mostrava uma
foto minha de duas noites atrás com duas mulheres nos meus braços.
― Não tem nada demais nessa foto. As duas estavam comigo por livre e
espontânea vontade...
― E A PORRA DESSE PRINT, BIRKMAN? ― Henrique gritou mais
uma vez. Peguei o celular de novo e vi o print da noite anterior quando uma
das garotas da foto tinha entrado em contato comigo pelo WhatsApp
perguntando se iríamos nos ver de novo.
― Quê? Eu fui simpático E sincero. "Poxa, gatinha, apesar de ter gostado
da nossa noite de ontem, eu não durmo com a mesma garota duas vezes pra
não dar a ela falsas esperanças. Mas foi bom te conhecer". Viu só? ―
Henrique bufou do meu lado.
― Você agora está no foco, Arthur, porra. Você é o campeão mais rápido
da história do TUF e as todas expectativas da sua estreia estão lá no alto. A
divulgação dessas fotos e desses prints já me fizeram ter que aturar duas
horas de vídeo chamada com o representante da Whey Suplementos e da
Everlast. DUAS HORAS!
Eu me senti culpado. Duas horas de vídeo chamada com o representante
chato pra porra da Whey Suplementos era o mesmo que tortura. O cara era
um mané. Ele reclamou da foto que postei como publicidade dizendo que "o
foco estava muito em mim e não no produto". O Instagram era meu, caralho.
As pessoas entravam ali porque queriam me ver, pra ver foto de shake de
suplemento elas pesquisariam no google, porra. Ele precisou dar o braço a
torcer quando minha foto bateu 150 mil likes em algumas horas. Os homens
curtiam porque queriam ser como eu e as mulheres porque obviamente
queriam sentar na minha cara.
― Aparecendo em Instagram de fofoca, Birkman? Que nível baixo. ― o
filho da puta do Renan implicou, do outro lado da academia.
― Controla a inveja, parceiro. ― retruquei. Eu odiava que Henrique
precisava aturar esse boçal. A nova agora era que na verdade ele não era um
lutador ruim, ele só demorou a descobrir que era um boxeador e precisava
investir mais para as próximas olimpíadas. Olimpíada é o caralho.
― Arthur, foca aqui. Ignora o babaca do Renan. ― Henrique pediu.
― Porra, Henrique, o que você quer que eu faça? Já vazou, não tenho o
que fazer.
― Quero que você tente ser menos imbecil. Sei que é difícil, mas se
esforce, pelo menos.
― Sua sorte é que você é meu empresário e meu amigo, se não fosse por
isso, já teria te arrebentado pelo tanto que você me irrita às vezes. ―
Henrique riu e se aproximou mais. Ele abaixou a voz e falou para que só eu
ouvisse:
― Eu recebi um contato de dentro do Plurishow. ― ergui meu olhar,
assustado. Agora ele começava a falar a minha língua. Plurishow era um
canal à cabo focado em esportes, com os maiores apresentadores esportivos
do país. ― Eles estão desenhando um projeto de quadro pro Esporte da Vez,
o programa principal de sábado.
― Eu sei o que é Esporte da Vez, porra. Desembucha logo. ― interrompi,
ansioso.
― A ideia deles é um quadro chamado "No Octógono", pra comentar as
lutas de MMA. Eles querem dois apresentadores fixos e alguns convidados
variáveis. ― eu engoli em seco. ― Eles entraram em contato comigo para
sondar se você teria interesse.
― Você respondeu que sim, né? Sim pra caralho? ― perguntei, quase
desesperado com a oportunidade. Henrique assentiu.
― Claro. Mas o quadro estrearia só daqui há uns 3 meses. Eles disseram
que vão te observar até lá.
― Fodeu. ― respondi simplesmente.
― Agora você entendeu porque não pode ficar aparecendo em Instagram
de fofoca todo dia? ― fiz que sim com a cabeça.
― Vou fazer o possível.
― Você tem sua estreia no UFC em um mês. E vai ser aqui no Rio. Foca
nisso e chega de mulher toda noite, Arthur.
― Aí você está começando a pedir demais, Henrique.
― Pelo amor de Deus, tenta só ser mais discreto, por favor.
― Isso eu posso fazer. ― sorri e me concentrei em voltar a socar
imaginando a cara do Renan naquele saco de pancadas.