Bato na porta da sala do senhor Luca, e aguardo. Sinto os pulmões arderem a cada vez que respiro fundo, engulo em seco controlando a vontade de vomitar meus órgãos. Definitivamente preciso praticar exercícios físicos.
Após alguns minutos, a porta se abre revelando o professor gostosão. Arrumo a bolsa novamente, e abro um sorriso amarelo. É difícil se recompor instantaneamente quando você sentiu como se a sua alma tivesse fugido do corpo.
Arrogante como sempre e com seu olhar de superioridade, estende a mão para mim sem dizer nenhuma palavra. Entrego trabalho, e balanço a
cabeça positivamente. A sensação de alívio é maravilhosa. Sinto que estou atraindo olhares, e só então, percebo que estou de pijama e chinelo.
- Droga - resmungo baixo, envergonhada.
Mais que depressa procuro a saída do bloco principal. Só posso estar enlouquecendo de vez, a angústia e medo eram tanto que nem ao menos me dei conta que não tinha trocado de roupa. Não tem problema, afinal, consegui entregar a tese e estou livre dessa disciplina. Com a consciência tranquila, caminho até o estacionamento em busca do carro. Conforme me aproximo, aciono o alarme para abrir a porta.
Dirijo pelas ruas de Nova York escutando "Pyro – Kings of Leon". E para completar a vergonha do dia, desafino cantando junto com o cantor, com o braço apoiado na janela e uma mão no volante. Em vinte minutos estaciono em frente do prédio. Sabe aquela música que faz parte da sua playlist e você passaria o dia repetindo por várias e várias vezes? Essa é uma delas. Então, contínuo sentada esperando que Kings of Leon termine seu ícone musical. Fecho os olhos, e encosto a cabeça no banco.
Gritos femininos roubam minha atenção. Imediatamente coloco a cabeça para fora e vejo Yasmim à vizinha de porta com seu namorado. Ele está segurando-a pelos braços e chacoalhando o pequeno corpo violentamente. Yasmim tenta se desvencilhar, mas é inútil. Ainda me pergunto como uma jovem de dezessete anos pode perder tempo com um traste. Ela súplica pedindo que ele pare. Lembranças nublam meus pensamentos, me deixando paralisada. Quero sair do carro e ajudá-la, mas não consigo me mexer. A mesma voz de cinco anos atrás sussurra que tenho que reagir ser forte mais uma vez.
Buscando forças internamente, pego o celular dentro da bolsa e disco o número da polícia relatando a agressão. E como sempre informam que iram mandar uma viatura, mais em quanto tempo? Uma hora, meia hora? Tempo suficiente para acontecer uma desgraça. Desligo a chamada, e cogito a hipótese de descer do carro e ir até lá e esfregar a cara desse cretino no chão.
Através do retrovisor consigo ter uma boa visão da situação, e sou surpreendida quando o homem ergue sua grande mão descendo uma tapa no rosto de Yasmim, fazendo a jovem recuar alguns passos para trás. Sem pensar em nada e cega de raiva, abro a porta com força, e corro até o cretino pulando nas suas costas. Assustado, ele cambaleia em seus próprios pés. Com os braços em volta do seu pescoço aperto para sufocá-lo, infelizmente não tenho força suficiente.
Desesperado, agarra em meus braços tentando me tirar de cima, nem um guindaste me tira daqui. Grito vários palavrões em seu ouvido e continuo pendurada. O agressor xinga, esbraveja, enquanto Yasmim assisti a cena de longe sentada no chão. A luz vermelha e azul reflete na fachada do prédio, e a sirene soa alto.
Até que enfim.
- Vou processar essa delegacia.
Ouço vozes alteradas vindo diretamente da recepção. Processar-nos por qual motivo? Penso comigo mesmo enquanto termino o relatório da promotora Suzana. Estou atrasado com o prazo de entrega, então, decido que outros podem muito bem lidar com a situação.
- Eu não fiz nada, ele fez. Bateu nela, e a polícia demorou demais, alguém podia ter morrido.
- A senhorita é testemunha da agressão. E senão ficar calma, irei detê-la por desacato, entendeu?
OK. Acho que está na hora de intervir.
Clico em enviar o documento, fecho o notebook. Ajeito minha camisa deslizando as mãos para tirar as marcas do tecido. Abro a porta da sala, e quanto mais me aproximo da confusão tenho a ligeira impressão de que conheço aquela voz.
PUTA QUE PARIU! Camilly?
Não consigo evitar que meus olhos percorram seu corpo. Cabelos soltos, nos pés chinelos de tecido, e de pijama. Na, verdade não posso considerar isso como pijama. O short é tão curto marcando a bunda que tenho vontade de arrancá-lo com os dentes, e a parte de cima desperta meu pau causando os efeitos de uma bomba atômica dentro da calça. Ela não está usando sutiã? Seus bicos arrepiados marcando o cetim me faz salivar.
Merda. Merda. Merda. A visão de tê-la sobre a mesa com as pernas abertas, rendida aos meus desejos me enlouquece.
Lembranças da sua boca chupando e engolindo meu pau dentro do banheiro invadem meus pensamentos. Paralisado, observo de longe tentando manter o controle para me aproximar. Sheron. Isso, prometi que não iria ter outra mulher na minha vida e manterei a promessa. Abro dois botões da camisa para refrescar o calor que está me consumindo. Respiro fundo, e avanço os passos em direção à confusão.
- Camilly? - chamo por seu nome.
Lentamente ela se virá para trás ao ouvir minha voz. Seus olhos castanhos se encontram com os meus, e posso ver que ficou tão surpresa quanto eu. Engolindo em seco, noto que suas bochechas ficam coradas instantemente. Ergo uma sobrancelha totalmente confuso. Nunca imaginei que poderia vê-la com vergonha, nem sabia que ela sentia isso.
- Brian? Ah que ótimo você é o delegado, então? - Sua expressão muda de surpresa para furiosa em fração de segundos.
- Sim, sou. O que está acontecendo? - direciono a pergunta ao policial responsável.
- Senhor, essa moça é testemunha de uma agressão física. O casal está prestando esclarecimentos. Mas, não entendo...
- Olha aqui. - Camilly ergue a mão interrompendo o policial. - Ele bateu na namorada na rua, e eu bati nele. Ele não tem que prestar depoimento e sim ser PRESO, entendeu? P.R.E.S.O - soletra a palavra para o policial.
Caralho, como pode ficar ainda mais sexy?
Limpo a garganta atraindo sua atenção, e cruzo os braços fazendo minha melhor cara de delegado mal.
- Por que está de pijama na rua?
Maldição que porra de pergunta é essa? Perdi a oportunidade de ficar calado. Foco Brian, a questão aqui é a agressão e não as curvas da meliante.
Inquieto troco o peso do corpo de uma perna para a outra.
- Isso não é da sua conta, delegado - esbraveja entre dentes como uma leoa furiosa.
Encaro os lábios carnudos, mas não entendo nenhuma palavra, só consigo lembrar quando esteve envolta do meu membro. Então, tudo acontece muito rápido. Camilly tem seu corpo girado contra o balcão com os braços para trás, o policial recita o código penal enquanto pega as algemas. Avanço sobre ele, seguro seu braço e o empurro para trás. Cambaleando recua alguns passos e me encara surpreso com a atitude.
- Não toque nela, entendeu? - O som da minha voz em conjunto com as palavras soa possessivamente. - Dispensado, vou cuidar pessoalmente da senhorita.
Minhas mãos descem até a cintura de Camilly segurando firme, e ajudo-a a se recompor, mas não consigo evitar o contato físico. Essa mulher é como fogo, sempre pronta para incendiar tudo ao redor, o problema é o estrago que causa no final. Subo suavemente às mãos por suas costas, acariciando a pele por cima do tecido de cetim. Respirando fundo, seu peito sobe e desce rapidamente. Sinto a maciez dos seus cabelos nas pontas dos dedos misturando à fragrância deliciosa de morango. Distraído com a situação, não notei que atraímos olhares curiosos.
Afasto-me rapidamente, devolvendo aos expectadores uma expressão cortante e mortal. Camilly permanece calada e encarando o nada a sua frente.
- Senhor posso registrar a ocorrência? - Catarine empurra a cadeira e fica em pé atrás do balcão.
- Sim, e você - aponto para a senhorita encrenca. - Vem comigo.
- Limpo a garganta. - VOCÊS NÃO TÊM O QUE FAZER? - grito dispersando os policiais.
Enfio as mãos nos bolsos da calça, viro de costas, e com passadas largas entro na minha sala. Encosto no batente e a espero entrar também. Assim que atravessa a porta, fecho e tranco passando a chave. Puxo a cadeira e faço gesto para que se sente. Calada, muda, e sem reclamar, ela senta cruzando as pernas sensualmente para me atormentar. Aposto que está fazendo de propósito querendo me desestabilizar, mas dessa vez não. Desvio o olhar, suando frio. Dou a volta por trás do seu corpo, indo até à mesa e sento-me. Desconfortável, inquieto, e queimando por dentro apoio os cotovelos na madeira maciça, e encaro seu rosto diabólico.
Algo está diferente. Por que não ergueu a cabeça ainda? Essa não é uma atitude típica de Camilly Carter.
- O que está errado? Quer dizer, além do fato de se meter em uma briga na rua, e estar em uma delegacia só de pijama.
- É só que me lembrei do meu... - Calando-se imediatamente não termina a frase. - Não é da sua conta, delegado. Vai pegar meu depoimento ou não? Tenho coisas para fazer. Pode ser?
Agora sim, essa é a Camilly que conheço. Ousada, agressiva, determinada, gostosa. BRIAN. FOCO.
- Conte como aconteceu, quero detalhes. - Digito o código do sistema, e anoto cada palavra minuciosamente.
Erguendo os braços, ela puxa seus cabelos para cima e faz um coque, prendendo-os. Alguns fios escapam contornando o rosto, deixando-a ainda mais sensual. Engulo em seco, observando seus movimentos. Como se notasse o efeito que causa sobre mim, desliza as mãos pelo pescoço.
PALAVRAS, DEPOIMENTO, SISTEMA.
Tento ao máximo voltar minha atenção para a tela do computador, mas meus olhos são traidores e não desviam dessa tentação. É isso, estou sendo colocado a prova, só pode.
- Pronto isso é tudo pode ir - concluo o mais rápido possível.
- Já acabou?
- Sim - respondo.
- Então, vou indo. Obrigado Brian.
O som do meu nome saindo dos seus lábios arrepia os pelos da minha nuca. Levanto da cadeira, e passo por ela para abrir a porta.
- Por favor, não entre em mais confusão.
- Olha aqui, você não manda em mim, ok? - responde nervosa.
Que caralho é esse? Só quero ajudar essa ingrata. Avanço alguns passos em sua direção enquanto ela recua para trás até encostar-se à parede. Espalmo uma mão de cada lado da parede, encurralando-a no meio dos meus braços. Aproximo o rosto do seu para que possa sentir minha respiração. Encaro dentro dos seus olhos, e agora quem está engolindo em seco não sou eu.
- Você não vai se meter em encrenca de novo, senão te coloco em uma cela e deixo dormir lá. Entendeu?
- Eu não...
Interrompo-a.
- Entendeu Camilly Carter? - digo entre dentes.
Como não reparei antes que suas irises têm rajadas de cor verde? E assim de perto seu perfume é ainda mais gostoso. Mas essa demônia
consegue puxar a merda para fora do meu controle.
- Si... Sim... Entendi - gagueja.
Abro um sorriso de canto, e desço o nariz até a curva do seu pescoço, roço suavemente contra a pele, inalando seu cheiro. Ofegante, sinto Camilly se remexer.
PORRA! PORRA!
Subo os lábios até sua orelha, e sussurro.
- Ótimo. - Para brincar de gato e rato é preciso de dois indivíduos, senhorita Carter. - Agora vai, tenho coisas importantes para fazer.
Puxo os braços e inclino o corpo para trás, mas Camilly agarra a frente da minha camisa me puxando de encontro ao seu corpo. Esfregando os seios no meu peito, ela sorri descaradamente.
- É bem sexy seu lado mandão. Mas, não preciso de você, cuide da sua vida, Brian.
Ficando nas pontas dos pés, ela roça os lábios nos meus delicadamente. Em segundos me segurando, em seguida me empurrando para longe.
- Adeus!
Sem dizer nenhuma palavra a vejo sair da sala rebolando a bunda, os cabelos escapando do coque e cobrindo suas costas.
Essa mulher vai ser minha perdição.
Atravesso a porta de saída da delegacia, e sinto os raios de sol tocando minha pele. Fecho os olhos e respiro fundo em uma tentativa de acalmar meu coração que bate acelerado. Minhas mãos tremem em conjunto com o resto do corpo, esse delegado é louco. Como se atreve a me tratar daquele jeito? Primeiro se faz de difícil, depois se rende por inteiro, mas corre igual diabo foge da cruz, e agora, quer bancar o preocupado? Senhor Delegado Brian Garcia está precisando de tratamento psicológico, maluco.
Flashs de consciência atingem meus pensamentos, e noto que acabei vindo até o lugar que mais tenho receio e medo, a polícia. Assassina, fugitiva, e com identidade falsa, no mínimo trinta anos de reclusão. Quando decidi que iria cursar a faculdade de direito, Josefy não entendeu o porquê, já que seria sua herdeira e responsável por administrar seus bens, mas uma mulher prevenida vale por duas, precisava saber tudo sobre leis e os riscos que corro caso me encontrem. Por fim, gostei do curso.
Caminhando rapidamente me afasto do prédio da polícia.
Sem carteira, dinheiro, carro, e de pijama, ando pelas ruas de ova York. Devia ter pedido carona para os policiais, mas não iria dar o gostinho para aquele ogro rir de mim logo após dizer que não preciso de cuidados. Pelo menos estou fazendo o exercício da semana inteira, nota mental, nada de academia.
Depois de uma hora andando a pé, algo me diz que deveria ter engolido meu orgulho. Meus pés estão em bolhas e as pernas latejando. Força Camily, você já passou por coisas muito pior que isso. De longe vejo uma praça, acelero os passos e sento no primeiro banco que encontro.
Exausta tombo a cabeça para trás apoiando na madeira, e encaro o céu estrelado. Recordo-me das noites que adormeci ao relento sentindo frio, fome e medo. Acho que nunca serei grata o suficiente a Josefy. Às vezes me questiono por que demorei tanto tempo para fugir daquele monstro? Medo? Covardia? Não ter dinheiro? Apoio? Família? Spencer sempre jogava na minha cara que não tinha como sobreviver sem ele, suas agressões verbais eram tão fortes quanto às físicas. Para ser sincera acho até que eram as verbais que doíam mais, minando minha capacidade como ser humano. Dia após dia, a pessoa falando o quanto se é inútil, imprestável, indesejável, se torna sua verdade. Infelizmente. Sinto lágrimas rolando por minha face.