Permaneço em silêncio, apenas digerindo o fato de que em poucos minutos, eu apertaria o gatilho na direção de Antonella e acabaria de uma vez, com a sua vida. Sinto um bolo se formar em minha garganta, como se algo estivesse atravessado no meio dela, me impedindo de engolir a minha própria saliva. Olho para os meus pés rapidamente, tentando aliviar a tensão dolorosa que se apossava da minha nuca, causando uma dor latente em meus músculos tensos.
Eu sempre soube que a minha vida seria diferente, que o meu destino era cruel e sanguinário! Eu nunca fantasiei ou desejei outro modo de viver, mas, eu também não imaginava que a cada novo passo que eu dava, o meu eu de verdade iria ser apagado, substituído, moldado de acordo com a nossa organização. Aos poucos e com o passar dos anos, eu fui tirando o Giovanni de dentro de mim, para dar lugar ao Don... e até eu completar os
meus dezoito anos, teria muito tempo e muito treinamento pela frente, para eu me tornar o monstro frio e impiedoso que eu deveria ser.
- Você tem um dever Giovanni! Quando você entrar naquela arena, uma arma estará na sua mão e a outra apontada para a cabeça do seu irmão! Você não tem escolha! Você nasceu para isso, não existe outro propósito, não existe livre arbítrio! - Ele diz, com toda a sua seriedade, tirando uma pistola dourada do seu coldre e me entregando em seguida, o objeto metálico reluzente. - Se você errar ou falhar, você vai estar condenando três almas ao invés de uma! Essa vai ser a maior prova da sua lealdade e da sua liderança! Você vai mostrar o quanto a famiglia significa para você!
Sem hesitar e já resignado sobre o meu objetivo, eu seguro a pistola em minhas mãos e destravo a trava de segurança da arma, sentindo o peso do objeto contrastar com as minhas mãos. Olho de soslaio para o meu pai e ele aponta com um ligeiro aceno na direção da porta. Os meus batimentos cardíacos batiam tão rápido e tão depressa que era possível ouvir o pulsar de cada batida em meus tímpanos. O ressoar em minha cabeça me deixava confuso e atordoado, era como se mil tambores tocassem e brincassem com a minha sanidade. Olho para a arma em minha mão, e constato, que as minhas mãos se mantinham firmes, contrastando com os espasmos e tremores que se espalhavam pela minha barriga.
- Você não pode ter sentimentos, Giovanni! - A sua voz grossa e imponente reverbera dentro de mim, sinalizando a sua presença, e mesmo zonzo, eu fito os seus olhos escurecidos. - Você vai ser a lei... o coração... o juiz! Não existe nada e nem ninguém que possa ir contra as suas decisões, meu filho! Você nasceu pela Camorra e por ela você vai morrer!
As suas palavras firmes e cortantes me invadem sem nenhum aviso, se misturando com o caos que estava se formando em minha mente. Eu tinha dez anos e já tinha cometido mais atrocidades que muitos adultos durante a vida inteira, não fazia sentido relutar mais, eu já estava condenado! Giovanni Campanaro nunca existiu de verdade! Assim que aquela bala atravessasse o corpo de Antonella, eu seria o Don Campanaro! Eu estaria derramando o meu próprio sangue em nome da minha famiglia!
Eu fui criado para matar... Eu sou um assassino...
Eu seria um monstro...
Saio dos meus pensamentos com o toque insistente do meu celular, mas antes de atender o aparelho irritante, eu observo Serena mais uma vez, e institivamente, o meu olhar percorre as suas cicatrizes. Se sobrou algo bom dentro de mim, depois de todos esses anos reprimindo e repudiando esses sentimentos, eu estava disposto a mostrar para ela. Eu estava decidido a abrir o meu coração... eu mostraria o meu mundo aos poucos, no seu tempo... Eu não queria e não iria machucá-la, mas a queria para mim como minha mulher... e estava disposto a ser paciente e respeitar o seu tempo.
Mas, se ela estivesse mentindo ou me traindo como Lorenzo havia me alertado, qualquer resquício de humanidade que ela tenha trazido de volta para mim, será enterrado! E aí, realmente... eu me tornaria um monstro sem alma...
" Lembre-se de quem são os seus amigos e quem são os seus inimigos. "
Série – The boys.
igo em direção a uma das cômodas e atendo o maldito celular, sem me importar de deixar transparecer em minha voz, a minha irritação. Olho
para o meu relógio de pulso que também estava no móvel e confiro o horário, eram quatro e meia da manhã, e com toda a certeza, essa ligação não trazia boas notícias. Antes que eu me pronunciasse, a voz conhecida e carregada de sotaque se faz presente do outro lado da linha.
- Senhor, boa noite! Desculpa o incômodo, mas eu não estaria ligando se não fosse algo de extrema importância. - A voz de Dante soava receosa e a sua constante necessidade de pigarrear indicava o nível do seu nervosismo, e isso não passou despercebido.
- Estou ouvindo... - Pergunto, tentando controlar ao máximo a minha fúria em ser incomodado. - O que aconteceu?
- Eu acabo de ser informado que um dos primeiros caminhões já chegou no depósito... - O homem informa, enquanto eu saio do quarto e sigo na direção da minha suíte. - A carga, senhor... Estão todos...
Paro de andar assim que escuto o gaguejar do chefe dos meus soldados, fazendo com que os meus músculos fiquem tensos de imediato. Suspiro pesadamente e franzo o cenho, sentindo a raiva se apoderar de mim. As coisas estavam fugindo do meu controle, existem traidores e infiltrados em meu território e já estava na hora de fazer uma limpa entre os meus homens!
- Fala logo, porra! - Esbravejo, extravasando a minha frustação em resposta ao silêncio estúpido de Dante.
- Estão todos mortos, senhor! - Ele diz, e assim que eu processo a informação, eu sinto algo dentro de mim aquecer e ferver. - O caminhão foi interceptado, e a carga... é uma pilha de corpos!
- E como isso foi acontecer em nosso território!? - Rosno, cerrando os meus punhos e batendo com força na porta que estava em minha frente.
- Eu acho bom que o motorista desse caminhão esteja sendo muito bem tratado... porque quando eu colocar as minhas mãos nele, não vai sobrar nada além de uma carcaça vazia e desmembrada! Encontre a família dele, parentes próximos, cachorro, gato, qualquer maldito ser que esteja vivendo às custas e sob a proteção desse desgraçado!
- Faremos tudo como desejar, senhor! - A voz séria de Dante se faz presente de imediato do outro lado do telefone.
Passo a mão por meu cabelo desajeitadamente, colocando alguns fios rebeldes para trás, em um gesto totalmente involuntário. Esse maldito motorista havia traçado o seu destino, e também o da sua família. Me desafiar era suicídio, e ultimamente, alguns homens estavam esquecendo disso. Então, já estava na hora de refrescar as memórias esquecidas... e mostrar o quão cruel o Don Campanaro pode ser com quem vai contra os seus domínios.